Migalhas de Peso

Vendem-se ilusões no Ministério

A matéria analisa a contradição entre a retórica otimista do governo Lula, defendida por Simone Tebet, e a realidade alarmante da economia, mostrando um 'Brasil das ilusões'.

6/5/2025

Simone Tebet está rezando a cartilha escrita por Sidônio Pereira, o novo ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, para quem as ações do governo precisam ser mais defendidas pelo primeiro escalão. A questão é que tanto entusiasmo com resultados econômicos e sociais tão expressivos se contrapõe à queda da popularidade e do nível de aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governo do qual a ministra é expoente, conforme recentes pesquisas.

A análise de vários indicadores talvez dê as respostas para o nível de aprovação tão baixo e a falta de identificação com qualquer parâmetro que justifique comemoração, exceto o crescimento do PIB, mas nada excepcional, pois no últimoano do governo anterior já foi de 3,0%e com tendência de crescimento.

A inflação é outro exemplo. Há dois anos consecutivos (2023 e 2024) a taxa de inflação anual, medida pelo IPCA, supera o teto da meta, compromisso do governo. A expectativa não é melhor. O terceiro ano do atual governo também sinaliza para o descumprimento da meta, e já ultrapassando 5% em 2025.

Como a inflaçãoé perda do poder de compra da moeda, com reflexos nos preços dos alimentos em taxa de 7,42% (2024), superior à da média (4,82%), pode estar aí o início do descontentamento popular, diferentemente da celebração da ministra. Além disso, como inflação corrói a renda, sobretudo dos assalariados, a falta de correção das tabelas do imposto de renda ajuda a alimentar esse sentimento dos cidadãos.

Outra questão importante nesse cenário diz respeito à taxa de juros. A inflação acima da meta por vários anos consecutivos tem levado o mercado a entender como descontrole ou falta de interesse do governo em controlar e cortar despesas, medida que ajudaria o Banco Central a reduzir os juros, trazendo a inflação para mais perto da meta. Esse comportamento vem provocando danos de grande porte na economia do país e das pessoas físicas de todas as classes sociais. O endividamento ficou muito mais caro,inclusive para investimentos do setor privado.

Os efeitos são extremamente danosos. Hoje, a taxa Selic de 14,25% .a.a., com viés de alta para 14,75%, ou mesmo de 15% ao ano, reduz a capacidade de investimentos do governo e, em consequência, afeta a qualidade dos serviços essenciais devolvidos à população, como saúde, educação, segurança e habitação.

Para maior entendimento do dano já causado pelos juros altos, convém lembrar que em 19/06/2024 a taxa definida pelo Copom era de 10,50% e agora, 10 meses depois, a Selic está 3,75 pontos percentuais acima. Isso significa que, para a dívida pública federal de R$ 7,50 trilhões, há o comprometimento adicional de R$ 280 bilhões/ano. Ou seja, hoje a elevação dos juros adiciona mensalmente R$ 25 bilhões ao valor já comprometido com o pagamento da dívida.

O estrago se estende ainda para as pessoas físicas, sobretudo das classes C e D, que sonham com a compra do primeiroimóvel. Em 2023, a taxa de financiamento de imóvel para pessoas de baixa renda, praticada pela Caixa Econômica Federal, era de R$ 8,90%, mais TR, e hoje já é de 11,29% mais TR. Fica proibitido para os assalariados comprometerem e assumirem ônus de tal magnitude. Vale lembrar, ainda, que a inflação está alta, mas mesmo assim, abaixo de 5% ao ano, e que os grandes bancos privados já estão cobrando juros de 13,80%  a 14,20% ao ano.

A carga tributária praticada pelo governo é outro problema grave. Em 2024, atingiu o correspondente a 32,3% do PIB, uma das mais altas cargas dos ultimos 15 anos. Não há dúvida de que os sucessivos aumentos dos tributos desagradam a todos os contribuintes, principalmente porque a população não recebe a contrapartida em serviços públicos de qualidade.

O reajuste do salário-mínimo, anunciado como parte do “pacote de bondades” do governo, empenhado em melhorar sua imagem, esconde uma realidade bem diferente. É preciso lembrar que a alteração da lei que estabelece a nova fórmula de cálculo do reajuste anual do salário-mínimo sancionado em 27/12/24 assegura reajustereal acima da inflação, com um mínimo de 0,6% e limita-o a 2,5%, condicionado ao cumprimento de metas do governofederal. Tudo para vigorar por cinco anos, entre 1/1/25 e 2029.

A propaganda oficial busca demonstrando o cuidado do governo em proteger o trabalhador, garantindo o mínimo de 0,6% de reajuste. A verdade é outra, porque na realidade limitou a 2,5% e assim mesmo, sabendo-se que dos cinco anos previstos na lei (2025 a 2029), nos dois primeiros anos (2025 e 2026), com os parâmetros já definidos e conhecidos, o assalariado já sairá perdendo, pois em 2025 o ganho real pela fórmula anterior seria de 2,9% e não 2,5%, ou seja, há uma perda de 0,4 ponto percentual. Em 2026, a perda será ainda maior, pois o reajuste deveria ser de 3,4%, não os estimados 2,5%, e mesmo assim,sobre a base de 2025, já subtraída em 0,4 p.p.

Com a nova sistemática, em 2025 a perda será de R$ 5,27/mês porque o salário-mínimo é de R$ 1.518,00, quando deveria ser de R$ 1.523,27. No ano, o trabalhador receberá R$ 68,51 a menos. Em 2026, mais prejuízo. O salário que seria de R$ 1.651,29 pela base de cálculo antiga, será de R$ 1.632,85, isto é, R$ 18,44 a menos por mês, ou menos R$ 239,72 no ano.

Por conta disso, para 2027 é possível antever nova perda, ainda a ser quantificada, mas seguramente os aposentados, pensionistas, beneficiários do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e os trabalhadores do setorprivado que ganham apenas um salário-mínimo mensal verão suas mesas esvaziadas de muitos quilos de arroz e feijão. Fruto da desnecessária restrição limitadora do reajuste do salário-mínimo. Mais de 33% da população sofrerá com essa alteraçãoda legislação.

Nem o Bolsa Família vai escapar. O maior programa social do governo, com mais de 20 milhõesde famílias beneficiárias, também foi atingido, pois seu valor não foi corrigidopela inflação de 2024, de 4,84%. Sem esse índice, as perdas para os beneficiários em 2025 somam R$ 33,12/mês, ou R$ 397,42 no ano.

Tudo isso mostra que o país real, o Brasil dos trabalhadores, não é e nem pode ser a nação celebrada pela ministra Tebet. É triste saber que existem dois Brasis. Um fantástico e pouco noticiado - o dos setores de óleo e gás, agrobusiness - alimentos e mineral que, juntos respondempor cerca de43% a 45% do PIB, 70% das exportações e mais de 200% do saldo da balança comercial brasileira. Outro, vergonhoso, escancarado pelos baixíssimos indicadores sociais como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), coeficiente Gini (Educação), Índice de Retorno de Bem Estar Social (IRBES), Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todos em queda livre ou estagnados há mais de uma década.

E como se não bastasse, ainda assombra o país o fantasma da corrupção não combatida com a necessária prioridade, a ponto de analistas internacionais encararem essa leniência como tolerância à impunidade.

Sigmund Freud (1856-1939), o pai da psicanálise, é autor de um pensamento que cabe bem nessa ocasião: “As massas nunca tiveram sede de verdade,elas querem ilusãoe não vivem sem elas”. A ministra Simone Tebet está contribuindo para confirmar essa máxima.

Samuel Hanan
Engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).

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