Os questionamentos ligados à resolução parcial de mérito envolvendo a Fazenda Pública merecem atenção especial, considerando as suas prerrogativas processuais e as múltiplas situações que podem estar presentes no dia-a-dia forense.
Duas premissas e duas indagações devem ser imediatamente feitas: a) a remessa necessária impede, em regra, o cumprimento da decisão judicial, exceto nos casos em que a ordem tem possibilidade de ser efetivada provisoriamente e/ou quando é concedida tutela provisória; b) nas causas envolvendo pagamento de quantia, a satisfação do exequente ocorre mediante a quitação do precatório requisitório ou requisição de pequeno valor, nos termos do art. 100, da CF/1988.
Ademais, é necessário indagar: a) a resolução parcial de mérito (art. 356, do CPC) é cabível contra a fazenda pública nos casos envolvendo valor? b) será possível o cumprimento (provisório ou definitivo) de tal capítulo de mérito em desfavor do ente público, considerando o tratamento constitucional da matéria?
Importante notar que o art. 356, do CPC, trata de uma hipótese de julgamento antecipado parcial, sendo que esse desmembramento do objeto pode estar presente em outras situações durante o andamento da relação processual (ex. art. 354, parágrafo único, do CPC).
No ponto, entendeu a 3ª Turma do STJ: “o conceito de "julgar parcialmente o mérito" não se circunscreve ao julgamento antecipado parcial de mérito previsto no art. 356 do CPC, mas, ao revés, diz respeito mais amplamente às decisões interlocutórias que versem sobre o mérito do processo, de modo que esta Corte tem, reiteradamente, conferido contornos mais precisos às hipóteses em que deve ser aplicada a técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942, § 3º, II, do CPC”. REsp 2105946 / SP - 3ª turma/STJ - Rel. Min. Nancy Andrighi - J. 11/6/24 - DJe 14/6/24.
Uma coisa é certa: a resolução de parte do mérito (decomposição do objeto litigioso) é proferida por decisão interlocutória e está sujeita a recurso de agravo de instrumento (art. 1015, II, do CPC/15), com o objetivo de evitar o trânsito em julgado (art. 356, §§3º e 5º, do CPC/15). Outrossim, estando este pronunciamento sujeito à remessa necessária (nos casos em que esta é cabível – art. 496, do CPC), não pode ser determinado o cumprimento da ordem antes da confirmação da decisão pelo respectivo Tribunal.
Logo, visando uma interpretação conforme a Constituição, é necessário ampliar o conceito previsto no art. 100 da CF/1988, para permitir o cumprimento de decisão interlocutória definitiva contra a fazenda pública com satisfação mediante precatório requisitório ou requisição de pequeno valor, desde que não tenha sido interposto recurso ou após a apreciação da remessa necessária pelo órgão de 2º grau.
Nada impede que a demanda prossiga contra a fazenda pública em relação ao pedido controvertido, ao mesmo tempo em que se reconheça a possibilidade de cumprimento definitivo do capítulo antecipado, com posterior satisfação nos termos da previsão constitucional acima citada.
Por outro lado, nos casos de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa distinta de dinheiro, em sendo admitida a tutela provisória na própria resolução parcial de mérito para afastar o efeito suspensivo legal do agravo de instrumento e/ou da remessa necessária, ou mesmo em outra etapa do procedimento, será possível o cumprimento provisório deste capítulo decisório, nos termos dos arts. 536 a 538, do CPC/15.
Em relação à prerrogativa processual ligada à vedação de tutela provisória contra a fazenda pública, prevista nas leis 9.494/1997 e 8437/1992, o STJ tem admitido execução provisória “quando a sentença não tiver por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios” (AgRg no REsp 742474 / DF – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – 6ª turma – J. em 29/6/2009 – Dje 17/8/2009).
Ademais, as limitações legais “à concessão de antecipação dos efeitos da tutela, ou mesmo da execução de sentença antes do trânsito em julgado, contra o Poder Público, previstas na lei 9.494, de 1997, não alcançamos pagamentos devidos aos servidores inativose pensionistas, na linha da jurisprudência (AgRg na SLS 1.545/RN, Rel. Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 2/5/12, DJe 15/5/12)” (AgInt nos EDcl no REsp 1718412 / SP – Rel. Min. Sérgio Kukina – 1ª turma – J. em 23/10/18 – DJe 31/10/18).
Nada impede que, no caso concreto, a resolução parcial de mérito alcance capítulo ligado à obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa em desfavor do ente público ou mesmo obrigação ligada a uma parcela previdenciária e sejam desmembradas as fases do procedimento, para admitir o cumprimento provisório, ou mesmo definitivo de parte, e prosseguimento do feito para a instrução e julgamento futuro, de outra.
Nesse fulgor, é admitido o cumprimento provisório ou definitivo do capítulo decorrente do julgamento antecipado parcial – mesmo com a continuidade do andamento do feito quanto aos demais capítulos meritórios - dependendo da existência ou não de agravo de instrumento e, se for o caso, da concessão de tutela provisória para afastar o efeito suspensivo da remessa necessária (arts. 356, §§3º e 5º, e 496, do CPC/15).
Aliás, o STF, no julgamento do RE com repercussão geral 573.872, de relatoria do Min. Edson Fachin (Tema 045 – j. em 24.05.17), firmou a seguinte tese: “A execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios".
Nos casos concretos, portanto, se torna extremamente importante pesquisar a localização da parcela que pretende a satisfação imediata em desfavor da fazenda pública, em decorrência da vedação constitucional à execução provisória tão-somente alcançar obrigação de pagar quantia.