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A revogação da lei de alienação parental é uma forma de desproteger a criança

Análise do projeto de lei que propõe revogar a lei de alienação parental, desconsiderando sua importância para a proteção à criança.

7/5/2025

1. Introdução

A lei 12.318/10, conhecida como lei de alienação parental, foi criada para proteger crianças e adolescentes de práticas nocivas que, infelizmente, se tornaram cada vez mais comuns em disputas familiares: a tentativa de um dos genitores em afastar o filho do outro por meio da desqualificação, manipulação emocional e interferência na formação do vínculo afetivo. Após 15 anos de vigência, esta lei enfrenta uma ameaça real de revogação por meio do PL 2812/22, sob argumentos frágeis e ideologizados que ignoram tanto a realidade vivida por milhares de famílias quanto o princípio da proteção integral da criança.

Este ensaio analisa criticamente os fundamentos da proposta de revogação, denuncia a tentativa de instrumentalização ideológica do direito de família e defende a manutenção e fortalecimento da lei de alienação parental como forma de proteger a parte mais vulnerável da disputa: os filhos.

2. Desenvolvimento

2.1 A alienação parental e sua gravidade

A alienação parental é um fenômeno amplamente reconhecido, caracterizado pela conduta de um dos genitores (ou ambos: pai e mãe) de desqualificar o outro perante os filhos, com o objetivo de afastá-los do convívio afetivo e enfraquecer os laços familiares. Trata-se de uma violência emocional silenciosa, que mina progressivamente o vínculo entre o genitor alienado e o filho, podendo gerar traumas profundos na formação da criança.

A legislação atual reconhece que tanto o pai quanto a mãe podem praticar atos de alienação parental. A lei, portanto, parte de um pressuposto isonômico: a proteção da criança deve prevalecer sobre qualquer interesse de vingança entre os pais. A tentativa de revogar essa norma ignora sua finalidade essencial: preservar o bem-estar infantil frente à guerra emocional travada entre adultos.

2.2 Os argumentos pela revogação: Ideologia em detrimento da infância

Os defensores do PL 2812/22 alegam que a lei de alienação parental tem sido utilizada como instrumento de vingança por homens acusados de violência doméstica, que se valem do dispositivo legal para revidar medidas protetivas impostas contra si. Também argumentam que a chamada "síndrome da alienação parental" não possui reconhecimento científico amplo, sendo uma construção controversa.

Tais argumentos, no entanto, não se sustentam. Primeiramente, porque a lei não exige o reconhecimento da “síndrome” para sua aplicação — ela tipifica comportamentos objetivos que configuram alienação. Segundo, porque a alegação de uso indevido da lei para coagir mulheres não é confirmada pela prática forense. Pelo contrário: são raríssimos os casos em que mães perdem a guarda pela prática de alienação, mesmo diante de provas contundentes. O uso do discurso da violência doméstica como escudo absoluto ignora que também há homens vítimas de alienação e mulheres autoras dessa conduta nociva.

2.3 O risco da impunidade institucionalizada

Revogar a lei de alienação parental é, na prática, enviar uma mensagem de impunidade a quem manipula filhos contra o outro genitor. Ainda que a legislação atual tenha baixa efetividade na punição dos(as) alienadores(as), ela cumpre um papel simbólico e inibitório essencial. Sua simples existência já desencoraja condutas abusivas e oferece respaldo legal para os genitores vítimas tentarem, judicialmente, proteger seu vínculo com os filhos.

Eliminar esse instrumento seria retirar a única ferramenta jurídica específica de enfrentamento da alienação. O resultado? Um cenário fértil para a intensificação das práticas alienadoras, agora livres de qualquer ameaça de responsabilização. Trata-se de uma regressão legislativa e social travestida de avanço em nome da mulher, mas que deixa a criança desprotegida diante da guerra emocional dos pais.

2.4 A guarda materna e o desequilíbrio estrutural

É importante reconhecer que, na prática brasileira, a guarda dos filhos após a separação é majoritariamente atribuída à mãe. Muito comum que a residência de referência seja também a da genitora. Isso confere à mãe mais tempo de convivência com a criança e, por consequência, maior influência sobre sua formação emocional. Em um ambiente de conflito, esse tempo pode ser utilizado como instrumento de alienação.

A estatística de guarda majoritariamente materna não é motivo para desconfiança automática, mas é um fator que deve ser considerado na análise do contexto. Se há maior tempo de exposição da criança à influência de um dos genitores, há também maior risco de alienação. Isso não significa que mães alienam mais que pais por natureza, mas o maior tempo com a criança é fator de atenção.

2.5 A motivação política por trás do PL 2812/22

A análise da justificativa do projeto que visa revogar a lei de alienação parental revela que a iniciativa não é neutra, tampouco pensada para a proteção da criança: ela se apoia majoritariamente em discursos oriundos de entidades e grupos voltados à proteção exclusiva da mulher. Isso por si só já é revelador e sintomático. A tentativa de revogação da lei de alienação parental não busca proteger a criança, mas blindar a mulher de qualquer responsabilização, ainda que ela pratique atos graves de manipulação emocional.

É preciso lembrar: a lei de alienação parental não se opõe à lei Maria da Penha. Ela é complementar. Um pai alienador pode ser responsabilizado com base na lei de alienação parental mesmo que não haja violência doméstica envolvida. Uma mãe alienadora, da mesma forma, pode ser punida por romper o vínculo da criança com o pai, mesmo que tenha sido vítima de violência conjugal. São esferas distintas que não se anulam, e sim se equilibram e se complementam.

3. Conclusão

A tentativa de revogar a lei de alienação parental, como propõe o PL 2812/22, é um perigoso retrocesso travestido de avanço. Sua justificativa ignora a realidade concreta das famílias brasileiras, desconsidera o sofrimento de milhares de pais e, principalmente, de crianças vítimas dessa forma de violência emocional silenciosa e devastadora.

Ao eliminar o reconhecimento jurídico da alienação parental, abre-se espaço para um ambiente de completa impunidade. Pior: institucionaliza-se o entendimento de que apenas um dos lados — a mulher — deve ser protegido a qualquer custo, mesmo em detrimento da criança.

A lei pode e deve ser aprimorada, mas não extinta. Em vez de revogar, o legislador deveria discutir mecanismos de efetividade, ampliar o diálogo técnico e buscar proteger verdadeiramente quem mais importa: a criança. A Justiça familiar não pode ser palco de lutas ideológicas. Precisa ser território de equilíbrio, de isonomia e de proteção genuína dos vínculos afetivos essenciais ao desenvolvimento saudável de filhos de pais separados.

A revogação da lei de alienação parental é, portanto, não apenas um erro técnico, mas uma injustiça social. E a sociedade precisa reagir antes que o vínculo mais sagrado — o entre pais e filhos — seja corroído pelo descaso legislativo e pela cegueira ideológica.

Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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