1. Introdução
Para atingir todo o seu potencial, os smartphones precisam se conectar e operar em redes em todo o mundo, independentemente do fabricante do dispositivo ou da infraestrutura de rede local.1 Isso é possível graças aos padrões celulares (2G a 5G). Esses padrões definem especificações técnicas que incorporam tecnologias essenciais, resultantes de contribuições de vários colaboradores. Tais tecnologias quando patenteadas são conhecidas por patentes essenciais ao padrão, do inglês SEPs - Standard Essential Patents.2 Sem esses padrões, cada fabricante de dispositivo ou fornecedor de rede teria que desenvolver suas próprias tecnologias, resultando em um gasto massivo no desenvolvimento de tecnologias similares, mas que provavelmente seriam incompatíveis entre si. Isso, por sua vez, levaria a uma fragmentação significativa do mercado e a uma experiência ruim do usuário.3 A criação de uma base comum para o desenvolvimento tecnológico permitiu a interoperabilidade global e a inovação sem precedentes.4
Cada geração de padrões celulares representa um avanço significativo em termos de recursos e complexidade. Em particular, os padrões 4G e 5G são considerados os impulsionadores da transformação digital, pois melhoram significativamente a conectividade, a velocidade e a capacidade da rede.5 O 4G introduziu a internet móvel de alta velocidade, permitindo a proliferação de aplicativos com uso intensivo de dados, como streaming de vídeo, jogos móveis e comunicação em tempo real. Esse progresso promoveu uma economia mais conectada e digital. Enquanto isso, o 5G, trouxe sua latência ultrabaixa, uma maior largura de banda e a capacidade de conectar um grande número de dispositivos simultaneamente. Isto, facilita o avanço de tecnologias como a IoT - Internet das Coisas, cidades inteligentes, veículos autônomos, indústria de redes inteligentes e manufatura avançada.6 A conectividade do 4G e 5G oferece suporte a novos modelos de negócios, impulsiona a inovação e permite a integração perfeita de serviços digitais na vida cotidiana, transformando fundamentalmente indústrias e sociedades.7
Cada geração de padrões celulares é o resultado de uma década de extenso trabalho e bilhões de dólares de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D).8 Por isso, os colaboradores geralmente protegem suas tecnologias resultantes de patentes. As invenções patenteadas cuja utilização é inevitável para a conformidade com um padrão técnico são chamadas de patentes essenciais ao padrão ou SEPs, na sigla em inglês, como acima indicado.9 Para possibilitar uma ampla disseminação dos padrões celulares, os titulares de SEPs tipicamente concordam em licenciá-las sob termos justos (Fair), razoáveis (reasonable) e (and) não discriminatórios(non-discriminatories), das sigla em inglês FRAND.10 Os termos FRAND costumam ser determinado por negociações bilaterais conduzidas de boa-fé.11 Graças aos termos FRAND, (i) os implementadores têm acesso a tecnologias de ponta a preços razoáveis, enquanto (ii) os colaboradores dos padrões obtêm uma compensação adequada em tempo hábil. Ao assegurar que os inventores tenham retorno sobre seus investimentos, os termos FRAND encorajam novos aportes para o desenvolvimento das próximas gerações de padrões. Isso é especialmente importante em setores de rápida evolução, como tecnologia da informação e telecomunicações, onde a inovação é excepcionalmente rápida. É por isso que o ecossistema FRAND é conhecido como um 'círculo e inovação'.12
O sucesso do ecossistema FRAND é inegável.13 O 3G e o 4G têm sido fundamentais para democratizar o acesso à Internet no Brasil.14 Com seu aumento de velocidade e cobertura, o 4G permitiu que uma parcela muito maior da população, incluindo aqueles de classes sociais mais baixas, se conectasse à Internet.15 Isso abriu novas oportunidades para empresas locais em regiões remotas, permitindo que elas competissem em um mercado mais amplo por meio do comércio eletrônico e do marketing digital.16 O setor de telefonia móvel, em particular, se beneficiou muito do 4G.17 Em 2022, o setor gerou faturamento de R$ 277 bilhões, investiu R$ 38 bilhões e empregou 522.000 pessoas.18
Até 2030, estima-se que a tecnologia 5G adicionará US$ 1,3 trilhão ao PIB - produto interno bruto global. O setor de saúde é um dos maiores beneficiários, aproveitando recursos sem fio sem precedentes para aprimorar o atendimento ao paciente.19 Outro é o automotivo, com uma receita total estimada de US$ 2 trilhões até 2030, de seus produtos e serviços habilitados com conectividade.20
Prevê-se que a contribuição do 5G para a produtividade econômica global (em termos de PIB) aumente cinco vezes, de US$ 101,17 bilhões em 2022 para US$ 508,52 bilhões até 2030.21 Na América Latina, o 5G será responsável por movimentar mais de US$ 3,3 trilhões até 2035, impactando diretamente mais de 650 milhões de pessoas.22 Especificamente no Brasil, o impacto no PIB devido ao 5G deve chegar a US$ 1,2 trilhão até 2035.23
Considerando seu impacto positivo para o sucesso da economia brasileira, é crucial proteger o ecossistema FRAND, para garantir a evolução destas tecnologias. Para tanto, os tribunais brasileiros devem desencorajar qualquer tentativa de abuso deste ecossistema, por exemplo, por meio da prática conhecida como "hold-out".24 Hold-out é a estratégia empregada por alguns implementadores de tecnologia que, intencionalmente, atrasam as negociações de licenciamento ou processos judiciais. Essa tática tem como objetivo evitar ou adiar o pagamento de royalties relacionados às SEPs que estão utilizando.25 Esses atrasos podem colocar uma pressão financeira significativa sobre o proprietário da SEP, que depende das receitas de licenciamento para recuperar seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento.26 Sob tal pressão, os proprietários de SEP podem ser obrigados a concordar com taxas de licença abaixo do FRAND. Isso resulta em receitas reduzidas para os proprietários de SEP, limitando sua capacidade de investir na próxima geração do padrão e, assim, interrompendo o círculo de inovação.
Este artigo tem como objetivo analisar o fenômeno do hold-out, discutir seus efeitos anticompetitivos e explorar seu impacto na inovação e no progresso tecnológico.
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