Há momentos em que o silêncio fala mais alto do que qualquer decisão escrita. A decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu nacionalmente os processos sobre a licitude da pejotização na Justiça do Trabalho, não é apenas uma ordem judicial, é um eco. Um eco que reverbera nos corredores vazios dos tribunais, nas mãos calejadas de quem trabalha e nas vozes que não encontram mais ouvidos. É o eco de uma justiça que se vê impedida de cumprir seu papel.
Não se pretende trazer aqui, em abreviadas linhas, apenas uma análise jurídica. É um convite a refletir sobre o que significa silenciar a Justiça do Trabalho, negar ao trabalhador a escuta, a proteção e o reconhecimento. E, sobretudo, é um chamado a resgatar a voz dessa justiça silenciada por meio da justiça restaurativa, uma justiça que escuta, que acolhe, que reconstrói.
Por atrevimento da subscritora, a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann1 serviu como um mapa para entender essa crise. O filósofo ensina que os sistemas sociais operam por comunicação, por troca de sentidos. Trata-se de um inovador que rompeu com as tradicionais teorias de sistematização existentes. Ao incorporar à teoria novos conceitos, com contribuições da biologia, da cibernética, da lógica, da matemática, ele defende que os sistemas sociais são fechados e não abertos. Trata-se de um importante representante das teorias sociais que buscou compreender a sociedade em sua totalidade e seus fenômenos, com foco na interdisciplinaridade.
Quando um sistema é impedido de se comunicar, como a Justiça do Trabalho paralisada, ele não apenas deixa de funcionar, mas perde sua própria razão de ser. Neste trilhar, a decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, impõe um fechamento forçado ao sistema jurídico-trabalhista e como a justiça restaurativa pode ser a resposta que devolve a voz a quem dela precisa.
A pejotização não é apenas um contrato. É uma máscara. Uma máscara que esconde o vínculo de trabalho verdadeiro sob a fantasia da autonomia. É a história de trabalhadores que, de um dia para o outro, deixam de ser empregados para se tornarem empresários de si mesmos, sem férias, sem 13º salário, sem segurança. É a precarização travestida de modernidade.
Mas por trás dessa máscara, há rostos reais. Há mulheres e homens que perdem direitos, que vivem na incerteza de um futuro sem proteção. E há um sistema previdenciário que se fragiliza, uma arrecadação que se perde. Torna-se o retrato de um país que abre mão da segurança social em nome de uma falsa liberdade. Trabalhadores que são forçados a se tornarem “empresários”, mas que vivem na corda bamba, sem garantias, sem proteção e sem futuro.
E então vem o silêncio. Uma decisão monocrática. Uma caneta que cala milhares de vozes.
A decisão do ministro Gilmar Mendes não é apenas uma suspensão de processos: é um grito abafado, uma negação de escuta. É a mão que se estende para fechar as portas da Justiça do Trabalho, um espaço que, por sua própria natureza, deveria ser o refúgio dos vulneráveis.
Na teoria dos sistemas de Luhmann, aqui, repise-se, ousadamente utilizada à analogia, essa decisão é uma ruptura comunicativa. É o corte do fio que conecta o sistema jurídico ao mundo social. Ao impedir que a Justiça do Trabalho ouça e responda aos casos de pejotização, o STF transforma a proteção em silêncio, o direito em esquecimento.
Mas nem todo silêncio é permanente. A justiça restaurativa surge como um sussurro que cresce, uma escuta que se reabre. É o espaço onde o trabalhador deixa de ser invisível e volta a ser ouvido. Onde o vínculo não é mais uma fraude, mas uma relação humana reconhecida.
Diferentemente da lógica punitiva, a justiça restaurativa não busca apenas o culpado. Ela busca o diálogo. Busca ouvir o trabalhador que foi enganado, o empregador que desvirtuou a relação, a sociedade que se acostumou a fechar os olhos. É a justiça que vê, que ouve, que sente.
Nos CEJUSCs e nas práticas restaurativas do Ministério Público do Trabalho, a título de exemplos, a justiça restaurativa já mostrou que é possível reconstruir. É possível transformar o conflito em aprendizado, a dor em reconhecimento, o silêncio em voz.
A constituição não é apenas um texto: é uma conquista evolutiva. E a Justiça do Trabalho é parte dessa conquista. É o espaço onde o trabalho se faz direito, onde o esforço humano é reconhecido como valor. Silenciá-la é silenciar o próprio sentido da justiça social.
Mas, toda evolução é adaptação. E é na justiça restaurativa que a Justiça do Trabalho encontra seu caminho de evolução em tempos de crise. Não se trata de abrir mão do Direito, mas de torná-lo mais humano, mais escuta, mais vida.
Há decisões que calam. Mas há vozes que não podem ser caladas. O trabalhador, o vínculo, a dignidade do trabalho, esses são valores que sobrevivem ao silêncio.
A justiça restaurativa não é apenas uma resposta jurídica: é a promessa de que, mesmo quando o sistema cala, a justiça pode ser ouvida.
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1 LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas: aulas publicadas por Javier Torres Nafarrate. Petrópolis: Vozes, 2010.