1 Introdução
Entre os tipos de bens intelectuais que permitem ao titular alcançar um direito de exclusividade, o direito à marca é o que menos exige contributo mínimo no ato-fato da criação. Ou seja, até mesmo sinais pouco distintivos podem obter uma tutela proprietária, se a ocupação do bem imaterial for feita por pessoa minimamente competente.
Neste ambiente bastante flexível, quiçá generoso, o direito de propriedade-contextual para produtos e serviços incide no nicho tradicional, bem como na internet1.
Quando os provedores de buscas lograram êxito em constituir um paradigma dominante com seus serviços de resultados de pesquisas enviesadas pelo patrocinador, um novo tipo de oportunismo bilateral se tornou constante: (a) por parte do concorrente não-titular (contrafator direto) que, ao se apropriar, sem autorização, de signo alheio de idêntica especialidade, usufrui do aviamento de outrem e (b) por parte do provedor de busca (contrafator com contribuição) que lucra via ilegalidade da associação da marca “X” de titularidade de “Y”, em favor do patrocinador “Z”.
Tal tipo de ilícito costuma ser explícito, ainda que sua expressão possa não ser – imediatamente – percebida pelo titular da marca. Por vezes, apenas após algumas semanas (com a redução do tráfego de “cliques” nos e-stabelecimentos) é que ocorre ao sujeito empresário buscar a causa do interesse da freguesia/clientela.
Assim, ao invés de um resultado orgânico de busca endossar o destinatário certo, aquele efetivamente procurado pelo consumidor, eventual agente econômico júnior passa a receber o “desvio” do tráfego de atenção do proprietário “citado”. Aliás, como regra geral, tende a ser mais custoso investir na reputação do próprio produto/serviço2, do que usurpar marca alheia para tanto.
2 Uma cultura jurídica que se forma
Aos poucos, os Tribunais fincaram julgados3 sobre como tal conduta na internet constitui violação à titularidade da marca. Nada mais simples e correto, já que isso pode constituir vilipêndio à distintividade alheia dentro do contexto da exclusividade.
No entanto, conforme os precedentes pertinentes foram objeto de aculturação e reprodução Brasil afora, um desvio começa a ser percebido: o da hipertrofia da tutela ao titular da marca. Ainda de acordo com anterior jurisprudência do próprio STJ4, nem toda titularidade de marca conta com igual força5. Entre os sinais etimologicamente potentes, há signos que são: (a) fantasiosos – inventa-se o significante, é um neologismo completo; e (b) os arbitrários – palavra/imagem existente, mas inventa-se o significado. Costuma ser o caso que envolve empenho de um sinal fora de seu contexto originário e sem qualquer associação com o mesmo.
Por sua vez, há os sinais etimologicamente frágeis: (c) os evocativos – palavras existentes e que gozam de alguma conexão de sentidos com o produto e serviço e (d) os genéricos – descrição da atividade.
Como regra, a impossibilidade de tutela é circunscrita às marcas do tipo (d)6, enquanto os sinais (a), (b) e (c) são registráveis, ainda que com consequências jurídicas díspares entre si. Sintetizando o que é fixado na jurisdição e na doutrina, quanto maior a distância do significante e do significado de uma marca registrada, a mesma proporção será percebida na força gravitacional de sua proteção jurídica. Em outras palavras, quanto mais distintiva é sua etimologia, maior o campo de proteção e menor será a tolerância com usos e empenhos de sinais símiles alheios.
3 Duas razões de decidir que não devem ser apartadas
Se ambas as jurisprudências (1- marcas merecem proteção de acordo com sua força distintiva e 2 - links patrocinados não são “porto-seguro” para violação de marca alheia) são bem conhecidas dos Tribunais; faz-se necessário analisar com maior cautela os casos em que há uma sobreposição de seus fatos geradores.
Ou seja, a razão de decidir no caso do usurpador de link patrocinado se aplica, subsuntivamente, para qualquer tipo de marca registrada? Uma resposta positiva a tal questão parece não considerar a razão de decidir sobre força etimológica, atentando contra a coesão pretoriana, previsibilidade e segurança jurídica que se impõe pelo art. 926 do CPC.
Para ilustrar tal reflexão, merece menção um interessante julgado do sodalício mineiro7. Em síntese, uma companhia titular da marca etimologicamente frágil (“SegurosPromo”) intentou demanda inibitória a suposto concorrente, na seara de turismo, que teria contratado junto a provedor de busca para que publicitasse link patrocinado congênere. Nota-se que no ambiente do comércio de viagens, a venda de serviços de seguros e a utilização de técnica de promoções é tão inédita quanto “andar para a frente” ou “dormir à noite”.
Tendo o titular da marca obtido a tutela de urgência em primeiro grau de jurisdição, o demandado recorreu e foi sucumbente no recurso. Entre a extensão da tutela concedida e mantida pelo TJ/MG, restou o comando que proibia a divulgação ou a utilização das expressões no singular ou no plural e, ainda, de quaisquer denominações semelhantes. Ou seja, além do contraste pelo qual o art. 13 da CRFB enuncia a língua portuguesa como bem público – imaterial – de uso comum (art. 99, I do CC), a proteção proporcionada em juízo transcendeu a exclusividade do signo distintivo registrado.
Em contrapartida, um voto minucioso – e vencido – de um inteligente docente da faculdade de direito da UFMG8, combinou ambas as razões de decidir sobre marcas fracas e links patrocinados para alcançar norma oposta: não se pode sobrepujar a proteção de sinal banal sob pena de atentar contra a livre concorrência e a livre iniciativa.
4 Conclusão
Sem a cautela de se analisar a força da marca de quem busca a tutela judicial, periga-se uma restrição exacerbada ao bom e livre uso da língua portuguesa, além de ampliar uma proteção que o título proprietário outorgado pelo INPI não deveria alcançar. Por mais que a admoestação contra o oportunismo na contratação e execução publicitária dos links patrocinados seja algo benéfico socialmente, nota-se que a utência acrítica de certos precedentes tem gerado perigosas distorções mercantis.
Quando tutelas de urgência permitem o monopólio do banal, do descritivo e do que é genérico, então, não se estimula o contributo mínimo nas criações distintivas. Tal situação distópica, aliás, é incompatível com qualquer senso crítico do que constitui o ethos capitalista.
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1 Permita-se remissão à BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. E-stabelecimento. 2ª Edição, São Paulo: Quartier Latin, 2024.
2 Denominando tal critério de Teoria da Prestação, vide a melhor doutrina angolana: ASCENSÃO, José de Oliveira. Concorrência Desleal. Coimbra: Almedina, 2002, p. 100.
3 Exemplificativamente: STJ, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, REsp 2.096.417/SP, DJ 07.03.2024; STJ, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, REsp 2.096.417/SP, DJ 07.03.2024; TJSP, Enunciado XVII do Grupo de Câmaras Empresariais deste Tribunal: "Caracteriza ato de concorrência desleal a utilização de elemento nominativo de marca registrada alheia, dotada de suficiente distintividade e no mesmo ramo de atividade, como vocábulo de busca à divulgação de anúncios contratados junto a provedores de pesquisa na internet”. Aqui não se ingressará na atecnicidade sobre a confusão de concorrência interdita e a desleal feita pelo enunciado.
4 Por exemplo: STJ, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, REsp 2.150.506/RJ, DJ 25.02.2025; e STJ, 4ª Turma, Min. Raul Araújo Filho, AgInt no AREsp 1.303.548/RN, DJ 03.10.2024.
5 Para o ranking de força de marcas por etimologia, vide entre outros - STJ, 4ª Turma, Min. Luis Felipe Salomão, REsp 1.336.164/SP, DJ 19.12.2019.
6 BARBOSA, Dênis Borges. Proteção das Marcas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 56 (e-book): “Reservadas em muitos pai'ses a um registro secunda'rio, certas marcas sem maior distintividade sa~o aceitas, embora tenham relac¸a~o com o produto ou servic¸o a ser designado. Tal relac¸a~o na~o pode ser direta (denotativa), por exemplo, “impressora” para impressoras, mas indireta ou conotativa, como por exemplo, as que evoquem o elemento marcado”.
7 TJMG, 21ª Câmara Cível Especializada, Des. Adriano de Mesquita Carneiro, AI 4888996-93.2024.8.13.0000, DJ 11.04.2025.
8 Voto vencido do Desembargador Marcelo de Oliveira Milagres.