O megaesquema de descontos indevidos em benefícios da previdência social, desarticulado pela PF - Polícia Federal e CGU - Controladoria-Geral da União em abril, trouxe à tona o que tem sido chamado de maior fraude no INSS desde os anos 1990. Estima-se um prejuízo de mais de R$ 6 bilhões, o que tem gerado debate sobre a urgente necessidade de punição dos envolvidos, como as entidades associativas suspeitas de agirem de forma fraudulenta para lesar as vítimas. E uma rápida resposta à sociedade pode ser dada com a correta e tempestiva aplicação da lei 12.846/13, popularmente conhecida como LAC - Lei Anticorrupção.
A referida norma inaugurou no ordenamento jurídico a responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública. Assim, uma empresa, um sindicato ou uma associação, por exemplo, podem ser punidos sem a necessidade de demonstração de dolo ou culpa, sendo suficiente a existência do nexo de causalidade relativo ao ato ilícito supostamente praticado pela investigada.
Isso faz a toda a diferença no tocante à celeridade da apuração e maior probabilidade de recuperação dos recursos desviados. Conforme exposição de motivos do anteprojeto1 da LAC, a opção pela responsabilidade objetiva, nas esferas administrativa e civil, tem como fundo justamente a necessidade de proporcionar respostas eficazes e céleres à sociedade, buscando romper com o cenário já conhecido de impunidades e danos irrecuperáveis aos cofres públicos.
Em linhas gerais, é possível afirmar que a obrigação de comprovar o nexo de causalidade entre a conduta ilícita perpetrada pela pessoa jurídica (seja por representante, subordinado ou quem atua em seu nome) e o ato lesivo, dispensando-se a análise de culpabilidade, “aumenta consideravelmente a probabilidade de responsabilização”2.
Os atos lesivos à Administração Pública estão tipificados no art. 5º da LAC, que além de descrever diversos tipos de fraudes à licitação e contratos (inciso IV), definiu que será responsabilizada a pessoa jurídica que “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada” (inciso I); que financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos no referido diploma legal (inciso II); que se valer de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados (inciso III); e que “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional” (inciso V).
Na intitulada “Operação Sem Desconto”3, há fortes indícios de incidência desses ilícitos, em tese, praticados pelas entidades associativas sob investigação, o que resultou também no afastamento de servidores públicos, incluindo a queda da alta cúpula do INSS. As pessoas naturais investigadas, inclusive, podem responder, simultaneamente e de forma subjetiva, nas esferas administrativa, civil e criminal, o que não prejudica a apuração contra pessoas jurídicas com base na lei anticorrupção.
A CGU conduz no momento 12 PAR - Processos Administrativos de Responsabilização contra as entidades suspeitas e, a Advocacia-Geral da União, por sua vez, ingressou na semana passada, na Justiça Federal, com uma ação cautelar preparatória para o ajuizamento de uma ação civil pública de responsabilidade por violação à LAC, incluindo as associações, sindicatos e federações já investigadas e outras seis empresas suspeitas de intermediarem vantagens indevidas. Foi pedido o bloqueio inicial de R$ 2,56 bilhões das pessoas jurídicas e seus dirigentes.
Na esfera administrativa, é possível, após o constitucional direito à ampla defesa e ao contraditório, que as organizações investigadas sofram penalidades de multa, no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e a publicação extraordinária da decisão condenatória.
Importante destacar que a aplicação de tais sanções não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação de reparação integral do dano causado (art. 6º, §3º da LAC). Há, ainda, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, estendendo os efeitos das penalidades aplicadas aos administradores e sócios com poderes de administração (art. 14).
Já a responsabilização judicial, promovida pelas advocacias públicas e/ou o Ministério Público, pode resultar nas seguintes consequências: a) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; b) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; c) dissolução compulsória da pessoa jurídica; e d) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 e máximo de 5 anos.
As sanções aplicadas ficam registradas no CNEP - Cadastro Nacional de Empresa Punidas, que contabiliza 1.302 lançamentos em seu banco de dados. Desse total, é possível verificar que menos de 4% correspondem a penalidades impostas a entidades associativas, que passam a chamar mais atenção após a “Operação Sem Desconto”.
Das pessoas jurídicas desse gênero, a maior multa aplicada foi no valor de cerca de R$ 47 milhões, em janeiro deste ano, à Associação da Irmandade da Santa Casa, investigada nas operações "S.O.S." e "Reditus", com determinação de desconsideração da personalidade jurídica para alcançar seus representantes4.
Observa-se também que, dos 32 acordos de leniência celebrados pela CGU até o momento, somando R$ 19,3 bilhões, nenhum envolveu organizações sem fins lucrativos, tendo como destaque grandes empresas em escândalos emblemáticos, como a “Operação Lava-Jato”.
Por outro lado, a magnitude das fraudes no INSS acende alerta sobre a necessidade de ações mais direcionadas de promoção à integridade entre as entidades associativas. Recai sobre parte delas a suspeita de que tenham sido criadas de “fachada” com o interesse único de lesar pensionistas e aposentados, causando um forte impacto socioeconômico e, consequentemente, trazendo um novo abalo à credibilidade do sistema previdenciário, cuja sustentabilidade a longo prazo é motivo de crescente preocupação.
Prevenção, detecção, punição e remediação
Considerando que um efetivo sistema de integridade pública busca prevenir, detectar, punir e remediar condutas antiéticas e práticas de corrupção, há, em casos como a fraude no INSS, questionamentos contundentes sobre os erros que levaram a um prejuízo gigantesco, inclusive já denunciado por vítimas nos canais de denúncia apropriados, desde o ano de 2019.
A auditoria da CGU revelou deficiências significativas nos controles internos e na fiscalização do INSS sobre as atividades das entidades associativas. Com a detecção da fraude e interrupção dos descontos indevidos, cabe agora que as fragilidades sejam corrigidas e que a responsabilização seja exemplar, de modo que a punição e remediação sejam capazes de desestimular a repetição de atos ilícitos.
A negligência na prevenção impõe ainda mais urgência à etapa de responsabilização, que deve ser robusta e tempestiva, de modo a virar página dos tempos de impunidade e prejuízos pagos, ao final, pelos contribuintes brasileiros.
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1 SOBRINHO, Jorge Hage; GENRO, Tarso Fernando Herz; ADAMS, Luís Inácio Lucena. Exposição de Motivos Interministerial nº 00011/2009 – CGU/MJ/AGU. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2010/11%20-%20CGU% 20MJ%20AGU.htmtm . Acesso em 11 maio 2019.
2 VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 213.
3 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. CGU e PF combatem descontos não autorizados em benefícios do INSS. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2025/04/cgu-e-pf-combatem-descontos-nao-autorizados-em-beneficios-do-inss. Acesso em: 10 maio 2025.
4 Controladoria-Geral da União impõe sanções a pessoas jurídicas envolvidas em irregularidades. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2025/01/controladoria-geral-da-uniao-impoe-sancoes-a-pessoas-juridicas-envolvidas-em-irregularidades. Acesso em: 12 maio 2025.