As desigualdades de gênero têm sido amplamente debatidas nas últimas décadas. No entanto, ainda é insuficiente o reconhecimento de que mulheres não são um grupo homogêneo e que suas experiências de opressão são atravessadas por outros marcadores sociais, como raça e classe. Mulheres negras, em particular, vivenciam formas específicas de exclusão, que não afetam as mulheres brancas com a mesma intensidade. Como argumenta Kimberlé Crenshaw (1989), a interseccionalidade permite compreender como diferentes sistemas de opressão se sobrepõem e se reforçam.
Este artigo propõe analisar, com base em dados estatísticos e teóricos, como o racismo estrutura as desigualdades entre mulheres negras e brancas no Brasil, refletindo em disparidades no acesso à educação, ao mercado de trabalho, à saúde e à representação social. Também se discute o conceito de privilégio branco, com foco no gênero, para evidenciar como mulheres brancas, ainda que vítimas do sexismo, são beneficiadas por um sistema que racializa negativamente a população negra.
Racismo estrutural e privilégio branco no gênero
O racismo estrutural no Brasil se manifesta de forma persistente em todas as dimensões da vida social. Mulheres brancas, mesmo enfrentando o machismo, são socialmente percebidas como padrão de beleza, competência e respeitabilidade, ao passo que mulheres negras são frequentemente estigmatizadas. Como aponta Sueli Carneiro (2003), "a mulher negra é alvo de dupla discriminação: por ser mulher e por ser negra, sofrendo o silenciamento histórico e a desvalorização simbólica de sua identidade".
Privilégio branco, nesse contexto, não significa ausência de dificuldades, mas sim a vantagem estrutural e simbólica de não sofrer os efeitos do racismo. Essa vantagem se reflete no acesso a melhores oportunidades e tratamento diferenciado em diversos espaços sociais.
Disparidades no mercado de trabalho e na educação
O IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indica que, em 2022, o rendimento médio mensal de mulheres brancas foi de R$ 2.762, enquanto o de mulheres negras (pretas e pardas) foi de R$ 1.536 — ou seja, uma diferença de aproximadamente 44%. Além disso, mulheres negras são maioria nos empregos informais e de baixa remuneração, especialmente no trabalho doméstico, enquanto mulheres brancas ocupam mais frequentemente cargos de liderança e funções públicas formais (IBGE, 2022).
Na educação, apesar dos avanços proporcionados por políticas afirmativas, as mulheres negras ainda enfrentam obstáculos de acesso e permanência. Segundo o Censo da Educação Superior (Inep, 2021), mulheres brancas continuam predominando em cursos com maior valorização social e econômica, como medicina e direito.
Violência e saúde: Vidas negras em risco
Atlas da Violência 2023, produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que 66% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. A taxa de homicídios de mulheres negras é de 5,2 por 100 mil habitantes, enquanto para mulheres brancas é de 2,9. Além disso, dados do Ministério da Saúde (2020) mostram que a taxa de mortalidade materna é mais alta entre mulheres negras, reflexo do racismo institucional e da desumanização dos cuidados com seus corpos.
Esses números revelam que, para além da desigualdade econômica, mulheres negras enfrentam uma ameaça constante à sua integridade física e à sua existência.
Representatividade e estereótipos
Na política, na mídia e em espaços decisórios, mulheres negras seguem sendo minoria. De acordo com o TSE (2022), apenas 17% das candidaturas femininas eleitas são de mulheres negras. Na publicidade e na televisão, o padrão hegemônico continua centrado na figura da mulher branca, magra e de traços europeus. Como destaca Lélia Gonzalez (1984), esse processo de “branquitude simbólica” molda os desejos e referências culturais, marginalizando a estética e a subjetividade negra.
Conclusão
A desigualdade entre mulheres brancas e negras não é acidental, mas resultado de um sistema historicamente construído que privilegia determinadas existências e subalterniza outras. Reconhecer a interseccionalidade entre raça e gênero é fundamental para o avanço de políticas públicas que realmente contemplem as especificidades das mulheres negras. É imprescindível que o feminismo abrace uma agenda antirracista, que confronte o privilégio branco e promova um diálogo baseado na escuta, na reparação e na justiça social. Como afirma Angela Davis (2016), "quando a mulher negra se move, toda a estrutura da sociedade se move com ela".
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CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2003.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 1984.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), 2022.
INEP. Censo da Educação Superior, 2021.
IPEA; FBSP. Atlas da Violência, 2023.
TSE. Estatísticas de Gênero e Raça nas Eleições, 2022.
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex. University of Chicago Legal Forum, 1989.