1. Introdução
A lei Maria da Penha, desde sua promulgação em 2006, é reconhecida como um marco legislativo de proteção à mulher em situação de violência doméstica. Um de seus principais instrumentos são as medidas protetivas de urgência, que visam resguardar a integridade física e psicológica da suposta vítima, por meio de restrições ao suposto autor do fato. Com base em uma cognição sumária e na urgência da situação, tais medidas são concedidas, em regra, sem o contraditório prévio e quase sempre fundadas unicamente na palavra da mulher autodeclarada vítima. Contudo, essa estrutura emergencial, embora bem-intencionada, vem gerando uma série de discussões quanto à possibilidade de abuso e aos danos colaterais causados aos homens injustamente atingidos pelas restrições. Surge, assim, o questionamento: seria possível impedir que uma mulher solicite medidas protetivas, especialmente quando há indícios de má-fé ou uso reiterado e abusivo desse instrumento?
2. Desenvolvimento
Em tese, qualquer mulher que alegue ser vítima de violência doméstica tem direito a requerer medidas protetivas. A natureza preventiva dessas medidas, aliada ao princípio do “in dubio, pro proteção”, impede que se imponha à requerente um ônus probatório inicial para demonstrar a veracidade da violência relatada. Essa lógica busca evitar que a exigência de provas inviabilize a concessão da proteção a tempo de evitar tragédias, como o feminicídio. Assim, mesmo mulheres com histórico de diversos pedidos de medidas protetivas ou com histórico de uso indevido da lei não podem ser previamente impedidas de requerer medidas protetivas.
Contudo, essa garantia jurídica, que visa proteger vítimas reais, abre espaço para possíveis distorções. Setores da sociedade têm alertado para o crescente número de casos em que medidas protetivas são requeridas de forma desproporcional, baseadas em conflitos conjugais triviais ou com o único intuito de prejudicar o homem, ou, ainda, como atalhos táticos indevidos para a obtenção de melhores posições jurídicas em processos que discutem partilha de bens, guarda e visita dos filhos. Há relatos de homens que enfrentam diversas medidas consecutivas, cada uma renovada com base em desejo e alegações unilaterais da mesma suposta vítima, o que demonstra um uso estratégico do aparato protetivo estatal para fins de retaliação, vingança ou manipulação em disputas familiares, como ações de guarda ou alimentos.
2.1 Os efeitos dessas medidas são frequentemente subestimados por quem defende sua ampla aplicação
Ao contrário do que se possa imaginar, não se trata apenas de uma “simples” proibição de contato. Em muitos casos, as protetivas impõem a retirada compulsória e imediata do homem do próprio lar, sem direito ao contraditório prévio, permitindo-lhe apenas retirar consigo alguns pertences básicos. Isso implica numa ruptura abrupta da rotina, num deslocamento forçado e em sérios prejuízos emocionais e financeiros.
Situação ainda mais delicada ocorre com profissionais da segurança pública. Quando se determina a suspensão do porte de arma de fogo como medida protetiva, o impacto é devastador. Policiais militares, civis, agentes penitenciários e guardas civis metropolitanos veem-se subitamente afastados de suas funções operacionais, sendo transferidos para funções administrativas ou até afastados por completo. Não bastassem as medidas protetivas, tais profissionais acabam sendo submetidos a processos disciplinares junto às suas corporações, incrementando ainda mais o sofrimento e o desgaste financeiro e emocional. Isso compromete seus rendimentos, a capacidade de sustento da família e, em muitos casos, sua saúde mental. É comum que esses profissionais, já submetidos a um ambiente de risco constante em razão da própria profissão, enfrentem depressão ao se verem desarmados, descredibilizados, desprotegidos e afastados de suas funções.
Adicionalmente, medidas que proíbem o homem de frequentar determinados espaços públicos ou que o obrigam a se retirar de locais em que a suposta vítima venha a ingressar posteriormente criam uma assimetria perigosa. Ao conceder à suposta vítima o poder de decidir, na prática, onde o homem pode ou não estar ou frequentar, o Estado cria um mecanismo passível de ser manipulado para perseguir ou provocar situações de flagrante descumprimento das ordens judiciais. O risco de prisão por descumprimento involuntário de tais medidas se torna real, especialmente quando não há balizas objetivas que definam os limites espaciais ou circunstanciais da restrição.
É importante reconhecer que o Brasil ainda enfrenta números alarmantes de violência doméstica. A criação da lei Maria da Penha e das medidas protetivas responde a uma realidade histórica de omissão estatal e banalização da violência de gênero. Todavia, a proteção não pode se transformar em punição antecipada. A resposta estatal precisa ser equilibrada, sem deixar de considerar o contexto, o histórico das partes e os impactos colaterais das decisões judiciais.
Não é papel do legislador ou do Judiciário impedir previamente o direito de petição da mulher, mesmo diante de suspeitas de má-fé. No entanto, é imprescindível que os juízes continuem a agir com responsabilidade na análise dos pedidos, exigindo elementos mínimos de plausibilidade, buscando o contraditório tão logo possível e avaliando, com prudência, o histórico de ambas as partes. Em casos de indícios de abuso, o sistema não só deve indeferir o pedido de medidas protetivas, como deve ser mais contundente na responsabilização das falsas denúncias.
3. Conclusão
A impossibilidade de impedir, de antemão, que uma mulher solicite medidas protetivas decorre da necessidade legítima de se garantir proteção imediata a quem se declara vítima de violência doméstica. No entanto, a ausência de critérios mínimos, aliada à fragilidade do contraditório nas decisões iniciais, abre margem para abusos e desvios de finalidades que afetam profundamente a vida de homens submetidos às medidas protetivas. A medida protetiva, apesar de sua natureza cautelar, tem efeitos práticos equivalentes a sanções penais e deve, por isso, ser aplicada com cautela, técnica e equilíbrio. Proteger a mulher é uma obrigação do Estado, mas assegurar justiça e evitar excessos também o são. O desafio está em encontrar esse ponto de equilíbrio, em que o combate à violência não sacrifique direitos fundamentais, nem se torne instrumento de injustiça em nome da proteção.