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A inconstitucionalidade parcial da lei 12.830/13 (ADIn 5.043/DF)

Para o STF, a lei 12.830/13 não pode limitar investigações a delegados, pois a CF distribui competências a outros órgãos do Estado.

20/5/2025

A lei 12.830/13, que regula a atuação do delegado de polícia na condução de investigações criminais, tem gerado debates sobre sua interpretação no que tange à restrição de competências investigativas de outros órgãos, como o Ministério Público e demais autoridades administrativas. Essa interpretação, que busca limitar a atuação investigativa desses entes, de acordo com o STF, vai de encontro ao disposto na CF/88, especificamente nos arts. 129, I, VI e IX, que atribuem ao Ministério Público competências claras nesse sentido.

A jurisprudência do STF reforça que não há, na CF, qualquer dispositivo que estabeleça a investigação criminal como uma atribuição exclusiva ou privativa da polícia. Isso significa que a exclusividade da polícia não encontra amparo no texto constitucional, sendo uma interpretação que desconsidera a pluralidade de competências investigativas previstas na Carta Magna. A própria CF, em diversos momentos, reconhece a atuação de outros órgãos no campo investigativo, o que desmonta a tese de exclusividade policial.

Um exemplo claro dessa pluralidade, de acordo com a Corte. está no art. 58, § 3º, da CF/88, que confere às CPIs - comissões parlamentares de inquérito poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Da mesma forma, o art. 129, III, assegura ao Ministério Público a possibilidade de promover investigações, desde que relacionadas às suas funções institucionais. Esses dispositivosvidenciam que a atividade investigativa não é monopólio de uma única instituição, mas sim uma competência compartilhada, regulada por lei e alinhada aos princípios constitucionais.

Nesse contexto, é importante destacar que a polícia civil detém a condução do inquérito policial, mas isso não se traduz em exclusividade sobre todas as formas de investigação criminal. Diversos outros órgãos e entidades possuem poderes investigativos específicos, conferidos tanto pela CF quanto por leis infraconstitucionais. Entre eles, a Receita Federal, que investiga questões tributárias, e o Banco Central, com atribuições na fiscalização do sistema financeiro.

Além disso, outros entes são citados pelo STF, como a CVM - Comissão de Valores Mobiliários, o TCU - Tribunal de Contas da União, o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social e até o Poder Judiciário, em casos envolvendo seus próprios membros, possuem competências investigativas específicas. Essas atribuições são essenciais para garantir a eficácia da fiscalização e do controle em diferentes esferas da Administração Pública e da sociedade, demonstrando que a investigação criminal não pode ser concentrada exclusivamente nas mãos da polícia.

A Administração Pública, de maneira geral, também desempenha um papel relevante na apuração de infrações, especialmente no âmbito funcional. Por meio de sindicâncias e processos administrativos, é possível investigar condutas que violem normas internas ou estatutárias, muitas vezes com desdobramentos que podem subsidiar ações criminais. Essa competência, embora distinta da investigação policial, reforça a ideia de que o poder investigativo é distribuído entre diversas instâncias, respeitando as especificidades de cada área.

Portanto, embora as polícias tenham um papel central na apuração de infrações penais, conforme previsto no art. 4º, parágrafo único, do CPP, essa atribuição não é nem privativa nem exclusiva. Outros órgãos e autoridades administrativas podem exercer funções investigativas, desde que autorizados por lei, o que garante uma atuação coordenada e complementar no sistema de justiça criminal. Essa visão pluralista é fundamental para evitar a concentração excessiva de poderes em uma única instituição.

Com base nesses fundamentos, o plenário do STF, por unanimidade, julgou procedente uma ação direta de inconstitucionalidade relacionada à lei 12.830/13 (ADIn 5.043/DF). A decisão declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da interpretação do art. 2º, § 1º, da referida lei, que atribuía exclusivamente ao delegado de polícia a condução de investigações criminais. Tal entendimento violava a distribuição constitucional de competências e ignorava a multiplicidade de atores envolvidos na apuração de ilícitos.

Em síntese, para o STF, a lei 12.830/13 não pode ser interpretada de modo a restringir as competências investigativas de outros órgãos, como o Ministério Público e demais autoridades administrativas, sob pena de inconstitucionalidade. Ao reconhecer a pluralidade de competências investigativas, conforme a decisão, o STF reafirma os princípios constitucionais de repartição de poderes e funções, garantindo um sistema de justiça mais equilibrado e alinhado aos preceitos da CF/88.

João Paulo Orsini Martinelli
Advogado Criminalista, Consultor Jurídico e Parecerista; Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra; Autor de livros e artigos jurídicos; Professor.

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