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Possibilidade de acumulação de pensões por morte de regimes distintos

A EC 103/19 alterou a pensão por morte, reduzindo valores e dificultando concessões. Impactos sociais e jurídicos podem ser contestados judicialmente.

23/5/2025

De acordo com o ordenamento jurídico, o falecimento de um segurado do RGPS - Regime Geral da Previdência Social ou do RPPS - Regime Próprio de Previdência Social, gera o direito ao recebimento de benefício previdenciário por seus dependentes, denominado pensão por morte, conforme preceituado na legislação pertinente.

Amparado no art. 74 e seguintes na lei dos benefícios, qual seja, lei 8.213/911, a pensão por morte possui determinadas condições a serem preenchidas para que assim, os dependentes do de cujus possam receber tal benefício.

O primeiro requisito é o óbito do segurado, que pode ser comprovado por meio da certidão de óbito, ou então, em caso de morte presumida, a comprovação judicial de desaparecimento.

O segundo requisito diz respeito a qualidade de segurado no falecido à época do óbito. A qualidade de segurado é nada mais que a condição da pessoa estar filiada ao RGPS, garantindo direitos aos benefícios previdenciários. Importante destacar que esse requisito pode ser comprovado quando o de cujus estava contribuindo regularmente para o INSS, ou ainda caso esteja no chamado período de graça, que diz respeito ao período após ao qual a pessoa deixou de contribuir, mas que ainda mantém a qualidade de segurado2 e por fim, caso já esteja aposentado.

O último requisito para a concessão da pensão por morte é a existência de dependentes habilitados. No art. 16 da lei 8.213/91, nota-se as classes de dependentes do segurado sendo elas, respectivamente: Cônjuge, companheiro(a), filho não emancipado menor de 21 anos de idade ou inválido; os pais, e por último, o irmão não emancipado menor de 21 anos de idade ou inválido. Insta mencionar que a existência de dependentes de uma classe, exclui o direito ao benefício da classe subsequente.

Ainda nas normativas do recebimento de pensão por morte, cumpre mencionar que há prazos de duração para tal benefício, observando as idades dos dependentes e desde que o segurado falecido tenha recolhido ao menos, 18 contribuições mensais. De acordo com o art. 114 do decreto 3.048/993, o benefício de pensão por morte cessará quando:

Art. 114. O pagamento da cota individual da pensão por morte cessa:

I - pela morte do pensionista;

II - para o filho, o enteado, o menor tutelado ou o irmão, de ambos os sexos, ao completar vinte e um anos de idade, exceto se o pensionista for inválido ou tiver deficiência intelectual, mental ou grave;               

III - para o pensionista inválido, pela cessação da invalidez, verificada em exame médico-pericial a cargo da previdência social.

II - para o filho, o enteado, o menor tutelado ou o irmão inválido, pela cessação da invalidez;             

III- A - para o filho, o enteado, o menor tutelado ou o irmão que tenha deficiência intelectual, mental ou grave, pelo afastamento da deficiência;

IV - pela adoção, para o filho adotado que receba pensão por morte dos pais biológicos;

V - para o cônjuge ou o companheiro ou a companheira:  

a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação do disposto nas alíneas "b" e "c";

b) em quatro meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido dezoito contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiver sido iniciado a menos de dois anos antes do óbito do segurado; ou

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas dezoito contribuições mensais e de, no mínimo, dois anos de casamento ou união estável:

1. três anos, com menos de vinte e um anos de idade;               

2. seis anos, entre vinte e um e vinte e seis anos de idade;               

3. dez anos, entre vinte e sete e vinte e nove anos de idade;              

4. quinze anos, entre trinta e quarenta anos de idade;              

5. vinte anos, entre quarenta e um e quarenta e três anos de idade; ou        

6. vitalícia, com quarenta e quatro ou mais anos de idade;

VI - pela perda do direito na forma do disposto nos § 4º e § 5º do art. 105; e              

VII - pelo decurso do prazo remanescente na data do óbito estabelecido na determinação judicial para recebimento de pensão de alimentos temporários para o ex-cônjuge ou o ex-companheiro ou a ex-companheira, caso não incida outra hipótese de cancelamento anterior do benefício (...) (Grifou-se)

Em relação aos regimes de previdência, destaca-se a existência de dois grandes grupos: O RGPS e o RPPS. No tocante ao primeiro, este é o regime em que a maioria dos trabalhadores estão vinculados. O RGPS é regido pelo INSS, sendo que grande parte de seu custeio advém das contribuições de seus segurados. Entre os benefícios pagos pelo RGPS, destaca-se as aposentadorias, os auxílios e a pensão por morte.

No que diz respeito ao RPPS, é a previdência dos servidores públicos, que fazem parte dos entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios), de acordo com o art. 40 da CF/88.4 A previdência social dos servidores públicos é regulada por um estatuto próprio5, sendo que é custeada pelas contribuições dos servidores e do ente federativo e os benefícios desse regime de previdência é a aposentadoria e a pensão por morte.

É de conhecimento notório que em regra, é vedada a acumulação de benefícios previdenciários no mesmo regime, ressalvadas hipóteses específicas definidas em lei. Todavia, o ordenamento jurídico permite, em determinadas circunstâncias, que uma pessoa receba simultaneamente mais de uma pensão por morte.

A viabilidade em questão é possível no caso de os benefícios supracitados advirem de regimes distintos, como por exemplo uma pensão por morte oriunda do RGPS e a outra pelo RPPS.

Anteriormente à promulgação da EC 103/19, os tribunais superiores, em especial o STJ, consolidaram entendimento favorável à possibilidade de acumulação de pensões por morte oriundas de regimes previdenciários distintos. Essa posição fundamentava-se na autonomia entre os sistemas, os quais possuem contribuições, financiamentos e normativas específicas, o que afastava qualquer impedimento legal ou constitucional à percepção simultânea dos benefícios, desde que fossem cumpridos os requisitos exigidos por cada regime.

Com a promulgação da EC 103/19, que instituiu a chamada reforma da previdência, o tema passou a receber tratamento mais restritivo. O art. 24, §2º6 da referida emenda passou a estabelecer limitações à acumulação de pensões por morte deixadas por cônjuge ou companheiro, impondo a regra do recebimento integral do benefício mais vantajoso e um percentual regressivo sobre os demais, conforme faixas de valor. No entanto, ainda assim, não houve vedação absoluta à acumulação entre diferentes regimes, mas sim a introdução de critérios para sua limitação econômica.

A regra atualmente vigente determina que, em caso de acumulação de pensões por morte, o dependente receberá integralmente a de maior valor e um percentual sobre o valor da outra, de acordo com faixas percentuais que variam entre 60% e 10%, a depender do valor do benefício secundário.7 Essa nova sistemática aplica-se aos óbitos ocorridos após a promulgação da EC 103/19, conforme entendimentos jurisprudenciais.

É importante lembrar que, nos casos de falecimentos ocorridos antes da reforma previdenciária, os beneficiários mantêm o direito de receber integralmente as pensões acumuladas, desde que já tivessem cumprido os requisitos exigidos pela legislação vigente na época do falecimento. Isso se deve ao princípio jurídico de que a lei aplicável é aquela que estava em vigor no momento do fato gerador – neste caso, o óbito –, o que garante a segurança jurídica dos direitos previdenciários.

Nesse sentido, cumpre mencionar que o TRF-4 vem decidindo de forma positiva para a acumulação de pensões por morte de cônjuges, desde que concedidas por regimes distintos. Senão, vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE PENSÃO PREVIDENCIÁRIA POR MORTE DE CÔNJUGE. ACUMULAÇÃO COM PENSÃO ESTATUTÁRIA POR MORTE DE COMPANHEIRO PAGA PELO IPREV. POSSIBLIDADE. REGIMES DISTINTOS DE PREVIDÊNCIA. 1. É possível a acumulação de pensão por morte de cônjuge, concedida pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), com pensão por morte de companheiro, concedida pelo Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina (IPREV), não só porque os benefícios possuem fatos geradores diversos, mas sobretudo porque decorrem de distintos regimes de previdência. Precedentes da Corte. 2. In casu, é devido à parte autora o restabelecimento do benefício de pensão por morte previdenciária 132.216 .942-7 desde a data da indevida cessação (04/09/2018). (TRF-4 - APL: 50172848520184047200 SC 5017284-85.2018.4 .04.7200, Relator.: PAULO AFONSO BRUM VAZ, data de julgamento: 17/03/2021, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC)8 (Grifou-se)

Do mesmo modo:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RENÚNCIA. RESTABELECIMENTO. POSSIBILIDADE. DIB. 1. É possível a acumulação de benefícios de pensão por morte instituídos por cônjuges/companheiros, desde que decorrentes de regimes de previdência diversos. Precedentes desta Corte. 2. A comprovação de cessação do benefício de pensão perante o Regime Geral de Previdência Social como um requisito de percepção de pensão por morte por outro regime de previdência, denota que houve vício na manifestação de vontade da parte autora no ato de renúncia. 3. Constatada a manifestação de vontade de forma viciada, a parte autora faz jus ao restabelecimento da pensão por morte pelo RGPS desde a data de sua cessação indevida.

(TRF-4 - AC: 50008857920214047101 RS, Relator.: ELIANA PAGGIARIN MARINHO, data de julgamento: 17/05/2023, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA) (Grifou-se)9

Assim, conclui-se que, é possível que um mesmo dependente receba cumulativamente, uma pensão por morte concedida pelo RGPS — em decorrência do falecimento de um cônjuge segurado pelo INSS — e outra oriunda de um RPPS, vinculada a um servidor público. Essa possibilidade decorre da separação entre os regimes, que possuem estruturas jurídicas e financeiras independentes. Contudo, conforme delineado, essa acumulação deve observar os limites e critérios definidos pela legislação após a EC 103/19.

________

1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm

2 https://previdenciarista.com/blog/periodos-de-graca-entenda-como-manter-qualidade-de-segurado-com-o-inss/

3 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm

4 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

5 https://www.jusbrasil.com.br/artigos/regimes-da-previdencia-no-brasil/830099724

6 https://www.jusbrasil.com.br/topicos/244574240/artigo-24-emenda-constitucional-n-103-de-12-de-novembro-de-2019

7 https://previdenciarista.com/blog/pensao-por-morte/?srsltid=AfmBOop5XRfOUXuPLJL7khokjbzvSBHNzX8NBijKWKhah32-XvvkNWhJ

8 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-4/1182615704

9 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-4/1840304665

Marcos Roberto Hasse
Advogado regularmente inscrito na OAB/SC 10.623. Proprietário da Hasse Advocacia e Consultoria em Jaraguá do Sul/SC. Pós Graduado em Direito Tributário e Processual Tributário (2002), pela UNIVILLE.

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