Incorporação imobiliária em terrenos de marinha e patrimônio da União: Entraves, exigências e jurisprudência atual do STJ
Introdução
A realização de empreendimentos imobiliários em terrenos da União, especialmente aqueles classificados como terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, exige do incorporador não apenas o enfrentamento das tradicionais questões urbanísticas, ambientais e registrais, mas também a observação de um regime jurídico específico e de jurisprudência consolidada sobre o uso e a transferência de tais bens. Este artigo examina os principais entraves jurídicos enfrentados por incorporações imobiliárias sobre bens do patrimônio da União, o regime de aforamento e ocupação, bem como as recentes teses firmadas pelo STJ em sede de recursos repetitivos, que impactam diretamente a viabilidade e a segurança jurídica desses empreendimentos.
Entraves jurídicos e exigências específicas em terrenos da União
O ponto de partida para o desenvolvimento de empreendimentos em terrenos da União é a regularização da ocupação junto à SPU - Secretaria de Patrimônio da União. Quando se trata de terrenos de marinha ou acrescidos, a situação é ainda mais delicada, pois tais bens estão submetidos a um regime de dominialidade pública que impõe restrições ao uso, à alienação e à realização de obras. Entre as exigências estatais estão a averbação da demarcação da linha de preamar média de 1831, a inscrição do imóvel na SPU e o pagamento de taxas como foro e laudêmio, além da necessidade de anuência prévia da União para diversos atos negociais e registrais.
Essas exigências criam um ambiente de insegurança jurídica tanto para o incorporador quanto para os adquirentes das unidades imobiliárias, notadamente diante da dificuldade em definir a titularidade plena do domínio e os ônus incidentes sobre o terreno.
O regime jurídico do aforamento e seus reflexos nas incorporações
Nos termos do decreto-lei 9.760/1946, os terrenos de marinha podem ser objeto de aforamento, mediante o qual é conferido ao particular o domínio útil do imóvel, permanecendo a União como titular do domínio direto. Essa situação implica na necessidade de anuência da SPU para quaisquer transferências, no pagamento do laudêmio (5% do valor atualizado do domínio pleno) e na possibilidade de reversão do imóvel ao patrimônio da União em caso de inadimplemento ou uso irregular.
Nos casos em que o imóvel ainda é ocupado irregularmente ou por contrato precário, a insegurança é maior, pois a incorporação é obstada pela impossibilidade de registro do empreendimento no cartório imobiliário, tendo em vista a ausência de legítimo título dominial.
Jurisprudência atual do STJ: Teses repetitivas relevantes
A jurisprudência do STJ tem enfrentado questões essenciais para a estabilidade jurídica dos empreendimentos localizados em terrenos da União. Dentre os julgados em sede de recursos repetitivos, destacam-se:
- Tema 1.199 (REsp 2.015.301/MA): O STJ reconheceu a validade dos chamamentos por edital realizados entre 31/5/07 e 28/3/11, no âmbito dos procedimentos de demarcação de terrenos de marinha, mesmo que destinados a interessados incertos. Essa decisão confere maior segurança aos atos administrativos praticados na vigência do art. 11 do decreto-lei 9.760/46 com a redação dada pela lei 11.481/07, afastando anulações por vício formal nesse período.
- Tema 1.142 (REsp 1.952.093/SP): Firmou-se que o fato gerador do laudêmio é a alienação do imóvel, ainda que mediante "contrato de gaveta". O prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito só se inicia com o conhecimento da transação pela União. Assim, mesmo sem registro, a cessão de direitos pode ensejar a cobrança, dificultando estratégias de elisão da obrigação patrimonial.
- Tema 332 (REsp 1.150.579/SC): Estabeleceu-se que a transferência do domínio útil para fins de integralização de capital social é ato oneroso, ensejando a cobrança do laudêmio. A decisão afasta dúvidas sobre tentativas de burla à exigência do pagamento mediante operações societárias simuladas.
- Tema 451 (REsp 1.150.579/SC): O STJ reafirmou que não há necessidade de contraditório ou de notificação pessoal prévia para a atualização da taxa de ocupação, desde que observadas as diretrizes do decreto 2.398/87. A decisão favorece a Administração Pública, mas gera debate sobre os limites do devido processo legal nas relações dominiais com o Estado.
Considerações finais
A incorporação imobiliária em terrenos da União, especialmente os de marinha, exige do empreendedor não apenas conhecimento técnico e urbanístico, mas também proficiência jurídica para lidar com um regime dominial peculiar. As teses repetitivas do STJ prestam relevante papel na uniformização da interpretação legal e ajudam a mitigar incertezas, mas também reforçam a necessidade de planejamento jurídico minucioso desde o início do projeto, a fim de evitar embaraços futuros com a SPU, com o cartório de registro de imóveis e com o mercado consumidor.
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1 STJ, REsp 2.015.301/MA, Tema 1199, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues.
2 STJ, REsp 1.952.093/SP, Tema 1142, Rel. Min. Gurgel de Faria.
3 STJ, REsp 1.150.579/SC, Tema 332, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima.
4 STJ, REsp 1.150.579/SC, Tema 451, Rel. Min. Mauro Campbell Marques.