Migalhas de Peso

Mediação como forma de enfrentamento da violência doméstica

A mediação pode ser uma alternativa eficaz e humanizada de resolução de conflitos de baixa gravidade na violência doméstica.

3/6/2025

1. Introdução

A lei Maria da Penha representa uma conquista na luta contra o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. Estruturada para oferecer proteção célere e efetiva, a lei prevê, entre seus principais instrumentos, as medidas protetivas de urgência. No entanto, essas medidas são atualmente aplicadas de forma binária: ou são concedidas integralmente, com todas as restrições, ou são indeferidas. Essa rigidez impede que o Judiciário disponha de meios intermediários e mais adequados a casos de menor gravidade. Diante disso, de forma humilde, sugerimos a incorporação da mediação na lei Maria da Penha como mecanismo adequado para resolver conflitos familiares em contextos de violência de baixa ofensividade, sempre que houver consentimento expresso das partes e ausência de risco atual à vítima.

Essa proposta não retira a proteção da mulher, mas oferece um caminho de diálogo assistido, humanizado e potencialmente mais eficaz para determinadas situações.

2. Desenvolvimento

2.1. A lacuna da lei Maria da Penha diante dos casos de menor gravidade

A atual sistemática da lei Maria da Penha concentra-se na imposição de medidas restritivas, muitas vezes severas, ao suposto autor da violência. Tais medidas incluem o afastamento do lar, proibição de contato, aproximação, suspensão do porte de arma, entre outras. No entanto, a lei não prevê soluções graduais para casos de baixa intensidade, como desentendimentos pontuais, ofensas verbais ou ameaças em contexto isolado, especialmente quando não há histórico de violência reiterada.

Essa ausência de alternativas faz com que situações resolvíveis por vias consensuais sejam judicializadas de forma desproporcional. Ao tratar todos os casos com a mesma rigidez, o sistema perde a oportunidade de prevenir a escalada do conflito por meio de métodos restaurativos.

2.2. A mediação como alternativa autocompositiva

A mediação é um método de resolução de conflitos em que as partes, por meio de um terceiro imparcial denominado mediador(a), constroem juntas uma solução para o problema. Diferente da decisão imposta pelo Judiciário, a mediação fortalece a autonomia, promove escuta ativa e busca restabelecer, quando possível, o diálogo interrompido.

Sua aplicação na seara da violência doméstica deve, evidentemente, ser limitada a situações de baixa gravidade, em que não há risco iminente à integridade da vítima. Casos de ameaças isoladas, injúrias ou conflitos motivados por rompimentos, por exemplo, poderiam se beneficiar de uma abordagem mais dialógica e menos punitiva.

2.3. Requisitos para a mediação no contexto da lei Maria da Penha

A proposta aqui defendida não ignora os riscos envolvidos no tratamento de conflitos domésticos. Por isso, estabelece critérios claros para que a mediação seja aplicada:

Esses critérios garantem que a mediação não substitua o sistema de proteção, mas atue como ferramenta complementar, voltada à pacificação de conflitos incipientes.

2.4. A aparente indisponibilidade dos direitos e a autonomia da vontade

A crítica mais recorrente à proposta de mediação em violência doméstica repousa na indisponibilidade da ação penal nos crimes dessa natureza. De fato, a maioria dos delitos praticados em ambiente doméstico se processa mediante ação penal pública incondicionada. No entanto, a presente proposta não visa renunciar à persecução penal, mas permitir que, no plano das medidas protetivas - que são de natureza cível e autônoma - as partes possam construir soluções consensuais.

A própria jurisprudência reconhece que as medidas protetivas podem ser revistas ou até revogadas a pedido da mulher, evidenciando o grau de autonomia da vítima em relação a essas medidas. Logo, a submissão dessas questões à mediação não viola o princípio da indisponibilidade da ação penal, pois atua em outro plano jurídico.

2.5. Precedentes e respaldo institucional

O enunciado 23 do FONAVID - Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher admite a possibilidade de mediação em determinadas situações, desde que garantida a segurança da vítima. Ainda que genérico, o enunciado demonstra que há espaço institucional para discutir a aplicação responsável da mediação no contexto da lei Maria da Penha.

Países como Portugal, Canadá e Espanha já adotam práticas semelhantes com bons resultados em casos de baixa lesividade. A proposta, portanto, não é inédita, mas parte de uma tendência internacional de tornar os mecanismos de enfrentamento à violência mais eficazes, humanos e proporcionais.

3. Conclusão

A lei Maria da Penha é um instrumento fundamental para a proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade. Contudo, seu uso eficiente exige equilíbrio entre firmeza e sensibilidade. A proposta de inclusão da mediação como alternativa nos casos de menor gravidade visa preencher uma lacuna legal existente, permitindo soluções mais adequadas e menos traumáticas para as partes envolvidas. Longe de reduzir a proteção da mulher, a mediação pode ser uma ferramenta poderosa de pacificação, especialmente quando aplicada com critérios rigorosos e sob a supervisão do Estado.

A proposta aqui apresentada é uma provocação legítima ao debate público e legislativo, em busca de soluções que promovam não apenas justiça, mas também reconciliação social e familiar. Afinal, o enfrentamento à violência doméstica deve ser multifacetado, abrangendo punição, proteção e, quando possível, diálogo como meio preventivo de novos conflitos.

Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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