Migalhas de Peso

Medicamentos de alto custo e o Poder Judiciário brasileiro

A judicialização da saúde expõe o dilema entre garantir o acesso a medicamentos de alto custo e manter o equilíbrio financeiro do sistema público de saúde.

30/5/2025

O filme de ficção científica “O Preço do Amanhã”, lançado em 2011 e estrelado por Justin Timberlake e Amanda Seyfried, trata de um futuro distópico em que as pessoas não envelhecem, porém, precisam comprar o seu tempo de vida a mais na Terra. Portanto, a moeda passa a ser o tempo de vida de cada um e nos leva a refletir: quanto vale a nossa vida?

Para milhares de brasileiros, apesar da distante realidade da ficção que nos é apresentada nesse filme, essa questão ressoa com naturalidade. Isso porque, a lógica de que é necessário comprar por seu tempo a mais de vida possui um senso de realidade quando se necessita fazer uso de um determinado medicamento de alto custo. Trata-se, portanto, de uma realidade cruel quando se constata que a abstinência de determinado fármaco e, por consequência, a interrupção de seu tratamento médico, pode levar ao óbito da pessoa que dele necessita.

Nesse contexto, para garantir o seu direito à vida e à saúde, muitas pessoas precisam buscar o Poder Judiciário a fim de compelir o fornecimento destes medicamentos pelo Estado, situação que fez surgir intenso debate no Poder Judiciário e na sociedade acerca da possibilidade de fornecimento destes medicamentos pelos entes públicos, bem como de quem seria a responsabilidade pelo seu fornecimento.

O Poder Judiciário brasileiro tem se deparado, nos últimos anos, com um aumento alarmante de ações judiciais voltadas à saúde, o que gera impactos econômicos, sociais e administrativos, assim como, por muitas vezes, compromete o acesso universal aos benefícios disponíveis, em prol de uma ação individual.

Os sistemas de saúde contam com recursos limitados, de forma que, quando uma demanda judicial que busca a concessão de um medicamento de alto custo é julgada procedente, torna indubitável o prejuízo futuro para outros pacientes. Por outro lado, a negativa de tratamento a uma pessoa sob a justificativa de que o sistema não se sustenta financeiramente é razoável numa sociedade justa, solidária, pautada no princípio da igualdade e cujo objetivo fundamental é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3º, IV, CF)?

Os temas repetitivos 6, do recurso extraordinário 566471, e 1234, do recurso extraordinário 1366243, levaram o STF a entender pela possibilidade de determinação judicial para que o SUS - Sistema Único de Saúde forneça medicamentos de alto custo, registrados na Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, entretanto, em casos excepcionais.

Acerca do assunto, se faz necessário frisar que há diferença entre medicamentos de eficácia comprovada e medicamento de eficácia estimada.

Conforme estabelecido pelo Manual MSD, a eficácia de um fármaco “é medida sob a supervisão de um especialista em um grupo de pacientes com maior probabilidade de ter uma resposta a um fármaco, como em um ensaio clínico controlado.”1 e, apenas após a referida medição, é possível considerar o medicamento eficaz.

Já a eficácia estimada, é aquela que se espera ao utilizar um fármaco, mas sem respaldo científico para tanto.

Buscando afunilar os casos passíveis de concessão judicial desses fármacos, o Plenário do STF estabeleceu critérios que devem ser levados em conta pelo Judiciário no momento da apreciação das ações.

Definiu-se que, mediante avaliações técnicas baseadas na medicina de evidência, e sendo comprovado pelo autor da ação que não possui recursos para a aquisição do medicamento, bem como que não há a possibilidade de substituí-lo por outro fármaco previsto nas listas Rename (elaborada pelo Ministério da Saúde), Resme (elaborada pela Secretaria de Estado de Saúde) e Remume (elaborada pela Comissão de Farmácia e Terapêutica do município), o fornecimento pelo SUS será devido, independente do custo.

Com o estabelecimento dos critérios, foi homologado acordo, estabelecido por uma comissão especial formada por entes federativos e entidades envolvidas, criada pelo STF, que prevê que, nos casos de medicamentos registrados pela Anvisa e ainda não incorporados pelo SUS, com valor anual do tratamento igual ou superior a 210 salários mínimos, a tramitação da ação ocorrerá na Justiça Federal, correndo seu custeio pela União. Nos casos de valor anual do tratamento entre 07 e 210 salários mínimos, o processo tramitará na Justiça Comum, e a União ressarcirá aos estados e municípios 65% das despesas decorrentes de eventuais condenações - em se tratando de fármaco para tratamento oncológico, o ressarcimento será elevado a 80%.

O mesmo pacto decidiu por centralizar todas as informações acerca de demandas de medicamentos em uma única plataforma, de abrangência nacional, o que obriga àqueles que pretendem o fornecimento de determinada droga acessá-lo para preencher dados básicos e sujeitar o caso à análise do Poder Público, em sede administrativa. Essas mesmas informações ficarão disponíveis para acesso do Poder Judiciário, facilitando a condução dos casos judicializados.

O próprio presidente do STF, ministro Barroso, afirmou que "Essa questão da judicialização da Saúde passou a ser um dos maiores problemas do Poder Judiciário brasileiro, possivelmente um dos mais difíceis, porque é uma matéria que não há solução juridicamente fácil nem moralmente barata"2

Deste modo, inobstante as inúmeras questões morais, jurídicas, éticas e sociais que envolvem o tema em debate, é certo que o Poder Judiciário tende a uma decisão salomônica para a resolução da questão. O que somente o tempo nos dirá é se essa solução efetivamente foi justa para os pacientes que precisam de medicamentos de alto custo e também para a manutenção do próprio sistema de saúde.

_______

1 https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/farmacologia-cl%C3%ADnica/conceitos-em-farmacoterapia/efic%C3%A1cia-e-seguran%C3%A7a-dos-f%C3%A1rmacos

2 https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-10/stf-finaliza-acordo-sobre-%20judicializacao-de-remedios-de-alto-custo

Marina de Oliveira Machado Pita Fontinelli
Advogada no Escritório Pereira Gionédis Advogados Especialista em Direito Médico pelo Centro Universitário Curitiba - UniCuritiba Graduada pela FAE - Contro Universitário.

Greyce Caroline Suendrecki dos Santos Jacomassi
Sócia do Pereira Gionédis Advogados.

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