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Cirurgia robótica e plano de saúde: Quando a cobertura é obrigatória

Entenda quando o plano deve cobrir, com base na lei 9.656/98, normas da ANS e decisões judiciais sobre o direito ao melhor tratamento.

2/6/2025

A cirurgia robótica representa um dos maiores avanços da medicina moderna. Trata-se de uma técnica minimamente invasiva, realizada com o auxílio de sistemas computadorizados que ampliam a visão do cirurgião e permitem movimentos de alta precisão — como o consagrado robô Da Vinci.

Os benefícios para o paciente são evidentes: cortes menores, menor sangramento, redução do tempo de internação, menos dor e recuperação mais rápida.

Apesar disso, muitos beneficiários de planos de saúde enfrentam negativas de cobertura quando essa técnica é indicada por seu médico. O fundamento usual das operadoras é o suposto caráter “experimental” ou a existência de “alternativas convencionais”.

Entretanto, tais alegações não resistem à análise técnica nem jurídica.

Avanço tecnológico e regulamentação médica

A resolução CFM 2.311/22 regulamenta expressamente o uso da cirurgia robótica no Brasil, afastando qualquer alegação de experimentalismo quando o procedimento for realizado por médico habilitado e com equipamentos aprovados pela Anvisa.

Segundo o CFM, os principais benefícios clínicos da cirurgia robótica incluem:

O Conselho é claro ao afirmar que a indicação do procedimento cabe ao profissional de saúde, sendo vedada a interferência de terceiros, inclusive operadoras de saúde, na escolha da técnica mais adequada ao caso concreto.

Trecho da norma:

“A cirurgia robótica é um procedimento reconhecido pelo CFM e deve ser conduzido por profissional com formação específica para sua realização, observando os princípios da boa prática médica.”

Quando a cirurgia robótica é indicada?

A indicação da cirurgia robótica parte de critérios técnicos e clínicos. Em geral, preferida em:

A literatura científica já consolidou a superioridade dessa técnica em diversos cenários, inclusive em estudos revisados por pares. É, portanto, uma ferramenta plenamente validada, e não uma inovação experimental.

O que diz a lei e o Judiciário sobre a cobertura pelos planos de saúde?

As negativas de cobertura são frequentemente justificadas pelas operadoras com alegações como: “procedimento experimental”, “custo elevado” ou “existência de alternativa convencional”. No entanto, tais fundamentos são inconsistentes quando a cirurgia é prescrita por profissional habilitado e baseada em evidências clínicas.

Mas nenhuma dessas justificativas é válida se a cirurgia for indicada por profissional habilitado e baseada em evidências médicas.

Mesmo que a cirurgia robótica não esteja listada no rol de procedimentos da ANS, ela deve ser coberta quando for indicada pelo médico como a melhor alternativa disponível.

Isso porque:

Além disso, o art. 35-C da lei dos planos de saúde reforça que:

“É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos de emergência e urgência, e dos procedimentos que envolvam o tratamento da doença coberta pelo plano, ainda que o procedimento específico não esteja listado no rol da ANS, desde que haja prescrição médica fundamentada.”

E ainda diz que:

Art. 35-F. A assistência a que alude o art. 1º desta lei compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde, observados os termos desta Lei e do contrato firmado entre as partes.

Este dispositivo é um dos pilares interpretativos da lei dos planos de saúde, pois define o alcance da obrigação assistencial das operadoras, orienta a leitura de toda a lei 9.656/98 com uma finalidade teleológica (voltada para a efetiva proteção da saúde do consumidor).

Estabelece que o objeto do contrato de plano de saúde não é apenas o tratamento da doença, mas sim todas as ações de saúde necessárias à:

Esse caráter abrangente da assistência permite contestar negativas de procedimentos que, embora não estejam expressamente listados no rol da ANS, são essenciais ao tratamento da doença coberta, como ocorre com a cirurgia robótica.

Além disso, a jurisprudência dominante no país é no sentido de que a negativa de cobertura, quando o procedimento é indicado por profissional habilitado, configura prática abusiva, ainda que a técnica não esteja expressamente listada no rol de procedimentos da ANS.

STJ, enfrentando o tema, adotou o seguinte posicionamento:

  1. Discute-se nos autos acerca da obrigatoriedade de cobertura pelo plano de saúde do procedimento de prostatectomia radical robótica para o tratamento de câncer e a caracterização dos danos morais decorrentes da negativa de custeio.
  2. O STJ firmou entendimento no sentido de que é obrigatório o custeio pelo plano de saúde de exames, medicamentos e procedimentos para o tratamento de câncer, sendo irrelevante a natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS.

Precedentes. (AgInt no REsp 2.136.426/DF, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 18/11/24, DJe de 22/11/24.)

Assim, tratamentos não expressamente previstos podem (e devem) ser cobertos quando demonstrada a sua necessidade, eficácia e adequação.

Conclusão

A cirurgia robótica é uma realidade consolidada na medicina contemporânea e amplamente validada pelos órgãos técnicos competentes. Sua escolha como alternativa terapêutica legítima, quando feita por profissional qualificado, não pode ser desconsiderada por critérios meramente econômicos ou administrativos impostos por planos de saúde.

O direito à saúde, previsto na CF/88, nas normas infraconstitucionais e reiteradamente reconhecido pela jurisprudência, não admite retrocessos quando o que está em jogo é a dignidade e a segurança do paciente.

O art. 35-F da lei 9.656/98 amplia a interpretação do dever assistencial dos planos de saúde e serve como fundamento jurídico direto contra negativas injustificadas, especialmente em casos de tratamentos inovadores e mais eficazes, como a cirurgia robótica.

Ele reafirma que saúde do paciente é o objetivo final do contrato, e não pode ser restringida por formalismos contratuais ou omissões do rol da ANS, quando houver prescrição médica fundamentada.

Negativas injustificadas devem ser enfrentadas com base em argumentos técnicos e jurídicos sólidos, assegurando que o avanço da medicina esteja verdadeiramente a serviço da vida.

Aline Vasconcelos
Advogada especialista em Direito da Saúde, com 15 anos de experiência na defesa de pacientes contra planos de saúde e na garantia de acesso a tratamentos e direitos essenciais.

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