1. Casos recentes de suicídio relacionados ao bullying escolar:
No dia 29 de abril de 2025, uma adolescente de 15 anos, bolsista do Colégio Presbiteriano Mackenzie, localizado em Higienópolis, São Paulo, foi encontrada desacordada no banheiro da escola, com indícios de tentativa de suicídio. Segundo relatos da família, a jovem vinha sendo alvo constante de ataques racistas e homofóbicos por parte de colegas desde o ano anterior. Os insultos incluíam expressões como "cigarro queimado" e "lésbica preta", além de episódios de humilhação e chantagem, como a obrigatoriedade de beijar um colega sob ameaça de divulgação de vídeos comprometedores1.
Em 12 de agosto de 2024, Pedro, um adolescente de 14 anos e aluno do 9º ano do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, cometeu suicídio após ser alvo de bullying, racismo e homofobia por parte de colegas. Segundo relatos de familiares, Pedro enfrentava constantes "brincadeiras" ofensivas relacionadas à sua cor de pele e orientação sexual. A escola confirmou o falecimento, ocorrido fora de suas dependências, e declarou estar "profundamente abalada", comprometendo-se a oferecer apoio à família e à comunidade escolar2.
2. O fim da tolerância: Bullying não é “brincadeira de criança”
Não é mais “normal”, ou “brincadeira de criança”. A prática que infelizmente moldou o caráter de muita gente, não sem alguns traumas acumulados, não é mais tolerada em vários países do mundo. O Brasil segue essa tendência, especialmente após ter sido classificado pela UNICEF como o pior país avaliado no quesito evasão escolar por adolescentes que sofreram cyberbullying praticados por colegas de classe, conforme dados coletados no ano de 20193.
A legislação brasileira tem avançado de forma gradual e progressiva na proteção dos direitos das vítimas de bullying, tanto em idade escolar quanto na fase adulta. Esse progresso se reflete desde a formulação de diretrizes para políticas públicas e programas sociais de prevenção e enfrentamento, até a criminalização expressa de condutas como o bullying, o cyberbullying e, mais recentemente, o cyberbullycídio.
Portanto, é possível concluir que o Brasil vem se aproximando, ao menos no plano legislativo, dos países de tolerância zero com relação à prática do bullying. Isso é possível depreender quando a prática alcança o grau máximo de repressão pelo Estado, qual seja, sua tipificação penal4.
3. Principais leis brasileiras relacionadas ao bullying
A legislação atualmente em vigor no Brasil contempla, de forma específica, dispositivos destinados à prevenção e ao combate do bullying, conforme se observa nas seguintes normas:
- Lei 13.185/15: Programa de combate ao bullying.
- Lei 13.277/16: Institui o dia 7 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola.
- Lei 9.394/1996 c/c lei 13.663/18: atribuiu a incumbência aos estabelecimentos de ensino de promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática - bullying - no âmbito das escolas.
- Lei 13.968/19: trouxe alterações no CP, com o aumento de pena no induzimento ao suicídio quando o crime é praticado por meio de computador, rede social ou transmitida em tempo real (de que é exemplo o copycat, que ficou famoso no caso da “baleia azul”); e quando a vítima é menor.
- Lei 14.811/24, que também trouxe alterações no CP Lei 8.072/90 (crimes hediondos), e 8.069/90 (ECA), tipificando penalmente a prática de bullying e cyberbullying no art. 146-A; tornando crime hediondo o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real.
4. Definição legal e tipificação penal do bullying e cyberbullying
Atualmente, a definição legal de bullying está estabelecida na lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015: considera-se intimidação sistemática - bullying - todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
“Intimidar” é o mesmo verbo do tipo do art. 146-A do CP: Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. O cyberbullying corresponde ao parágrafo único do mesmo artigo: Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos (Whatsapp), de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real.
Portanto, a partir dos 12 anos de idade completos, o adolescente pode responder judicialmente por ato infracional análogo aos crimes de bullying e cyberbullying (art. 103 do ECA), o que não impede o encaminhamento para programas de acompanhamento, tratamento psicológico, prevenção e conscientização das crianças antes dos 12 anos, conforme as medidas indicadas no art. 101 do mesmo Estatuto.
5. Formas de bullying reconhecidas pela legislação brasileira
Não bastou, à toda evidência, impor às escolas a tarefa de orientar e coibir (prevenção) a prática de bullying entre os alunos, através de programas de diretrizes básicas da educação (4º da lei 13.185/15). Desde 2024 as instituições de ensino não podem mais ficar inertes ou silentes acerca da prática criminosa no interior do estabelecimento, sob pena de conivência.
A própria lei 13.185/15 exemplifica as formas de bullying: I - ataques físicos; II - insultos pessoais; III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; IV - ameaças por quaisquer meios; V - grafites depreciativos; VI - expressões preconceituosas; VII - isolamento social consciente e premeditado; VIII - pilhérias.
Da mesma forma, dispõe serem exemplos de intimidação sistemática: I - verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente; II - moral: difamar, caluniar, disseminar rumores; III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar; IV - social: ignorar, isolar e excluir (famoso “cancelamento”); V - psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar; VI - físico: socar, chutar, bater; VII - material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem; VIII - virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.
Além da responsabilidade do autor do bullying pelo ato infracional, junto ao Juizado da Infância e da Juventude, a escola e os pais respondem civilmente pelos danos causados à vítima.
6. Responsabilidade civil dos envolvidos: Pais, escola e educadores
O dever de indenização surge da interpretação sistemática dos dispositivos afetos à proteção da criança e do adolescente, especialmente o art. 1º, inciso III da CRFB/88 e arts. 17 e 18 do ECA, que consagram a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral das crianças e dos adolescentes, inibindo qualquer tratamento vexatório ou constrangedor. Proteção universalmente conferida às pessoas em franco desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.
Já o fundamento da responsabilidade civil dos pais do agressor pelos danos morais suportados pela vítima encontra guarida nos arts. 186; 932, inciso I; 933; e 1.634, todos do CC, bem como art. 22 do ECA. Portanto, a responsabilidade dos pais, de acordo com o art. 933, independe do elemento culpa (in vigilando), ou seja, basta que a atividade do filho tenha causado abalo de ordem psíquica e/ou física na vítima.
A responsabilidade civil do estabelecimento de ensino, por sua vez, é objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa, nos termos dos arts. 932, inciso IV, e 933 do CC, bem como do art. 14 do CDC. No caso das instituições públicas de ensino, essa responsabilidade encontra fundamento no art. 37, §6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Nesse sentido, colhe-se o seguinte excerto de julgado do TJ/RJ:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. AGRESSÃO FÍSICA E PSICOLÓGICA SOFRIDA PELO AUTOR. ORA APELADO, POR PARTE DE OUTROS ALUNOS DENTRO DAS DEPENDÊNCIAS DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO . FATO QUE RESTOU INCONTROVERSO PELO VÍDEO DA CENA, TAMBÉM NÃO CONTESTADO PELA APELADA. RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DOS FORNECEDORES DE SERVIÇOS CONFORME O DISPOSTO NO ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PELOS DANOS SOFRIDOS POR SEUS ALUNOS DENTRO DE SUAS DEPENDÊNCIAS PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS . APELADA QUE NÃO ADOTOU MEDIDAS DE FISCALIZAÇÃO EFICIENTES PARA PRESERVAR A INTEGRIDADE FÍSICA DE SEUS ALUNOS. PENALIDADE DISCIPLINARES POSTERIORMENTE APLICADAS AOS AGRESSORES QUE NÃO AFASTA A FALHA DE SERVIÇO CONSTATADA E O DANO DELA DECORRENTE. EPISÓDIO, TODAVIA, QUE, APESAR DE GRAVE, SE AFIGUROU ISOLADO NÃO CARACTERIZANDO A PRÁTICA DE BULLYING DA LEI Nº 13.185/2015 . SENTENÇA QUE RECONHECEU TAL PRÁTICA O QUE ENSEJOU A EXARCEBAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE PARA R$8.000,00 (OITO MIL REAIS) QUE MELHOR SE ADEQUA ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO . (TJ-RJ - APELAÇÃO: 00084629220218190037, Relator.: Des(a). MARIA DA GLORIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO, Data de Julgamento: 28/11/2023, DECIMA TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA, Data de Publicação: 30/11/2023)
Ademais, quando ocorre bullying por parte dos próprios educadores, há violação ao art. 53, inciso II do ECA: A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se lhes: (...) II - direito de ser respeitado por seus educadores.
7. Bullying como problema de saúde pública e social
O bullying vem sendo encarado como um problema social, educacional, bem como traz questões de saúde pública, em razão das sequelas deixadas nas vítimas: medo; tristeza; vergonha; baixa auto estima; depressão na infância, época em que são estabelecidas conexões afetivas e construção da personalidade da criança, o que pode acarretar em consequências devastadoras; evasão escolar; compensação de atos de violência com mais violência; ideação suicida; retardo no desenvolvimento; entre outros5.
Sua prática provoca na vítima constrangimento e/ou sentimento de medo, incapacitando sua reação. Por vezes, a vítima em idade escolar não reporta a violência por necessidade de sentir-se pertencido ao grupo de iguais. Ela sabe que, em havendo consequências aos colegas de classe por aquela conduta, a tendência é que fique ainda mais isolada, e acaba por não denunciar o fato aos pais, responsáveis ou ao próprio estabelecimento. Eis a necessidade de alerta constante aos primeiros sintomas.
Por estas e outras razões o Sistema Único de Saúde, através do programa de ESF - Estratégia Saúde da Família, foi direcionado ao atendimento das crianças vítimas do bullying6.
8. A importância do acompanhamento dos agressores
Observe-se, no entanto, que toda essa temática ainda é recente no nosso ordenamento, e urge seja difundido com a máxima urgência para que os números disponibilizados pela UNICEF não voltem a ser reproduzidos.
Ainda mais relevante é a conduta que deve ser adotada pelos responsáveis pelos agressores, os chamados “bullies”. A própria lei 13.185/15 ressalta a importância do acompanhamento e do encaminhamento adequado dos autores de atos de bullying, diretriz que é corroborada pelo art. 101 do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Embora haja pouca divulgação - e escassez de estudos aprofundados - sobre os impactos psicológicos que o bullying causa nos próprios agressores ao longo do tempo, uma vez que a literatura tende a privilegiar a ótica das vítimas, é possível observar, na experiência prática, que indivíduos que praticam o bullying de forma recorrente raramente alcançam êxito pessoal ou profissional significativo em sua trajetória.
9. A responsabilidade das escolas: Tolerância zero ao bullying
Já com relação às instituições de ensino, recomenda-se passem a observar, dentre suas diretrizes, a política de tolerância zero para a prática de bullying em ambiente escolar. A enxurrada legislativa sobre o tema vem chegando aos tribunais, o que tende a fazer com que essa responsabilização fique cada vez mais comum
É o que se extrai da decisão proferida pelo TJ/SC, em 23 de abril de 2024, a qual, ao reformar a sentença de primeira instância, reconheceu a responsabilidade do ente federativo em razão da omissão da instituição de ensino diante de sucessivos episódios de bullying devidamente reportados, evidenciando a falha no dever de vigilância e proteção no ambiente escolar:
RECURSO INOMINADO. JUIZADO DA FAZENDA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS . BULLYING EM ESCOLA PÚBLICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECLAMO DO REQUERENTE, REPRESENTADO PELA GENITORA. ACOLHIMENTO . PROVAS DOS AUTOS QUE COMPROVAM A OCORRÊNCIA DE INSULTOS PESSOAIS, UTILIZAÇÃO DE EXPRESSÕES PRECONCEITUOSAS, COMENTÁRIOS SISTEMÁTICOS E APELIDOS PEJORATIVOS ATRELADOS À ORIGEM NORDESTINA DO ALUNO. CONDUTAS QUE SE CARACTERIZAM COMO INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA (BULLYING), NOS TERMOS DA LEI N. 13.185/2015 . INSTITUIÇÃO DE ENSINO (OU NO CASO O ESTADO, TRATANDO-SE DE ESCOLA PÚBLICA) QUE RESPONDE OBJETIVAMENTE EM CASO DE OMISSÃO ESPECÍFICA, OU SEJA, QUANDO DEIXA DE TOMAR MEDIDAS EDUCACIONAIS, VISANDO CONSCIENTIZAR E OBSTAR ESSA ODIOSA PRÁTICA PELOS ALUNOS. OITIVA TESTEMUNHAL. CONFIRMAÇÃO PELA CONSELHEIRA TUTELAR QUANTO À AUSÊNCIA DE APOIO DA EQUIPE PEDAGÓGICA DA ESCOLA. DIRETORA E ORIENTADORA ESCOLAR QUE SE LIMITARAM A INFORMAR QUE MANTINHAM "CONVERSAS COM A TURMA" . ATOS PALIATIVOS, QUE NÃO SURTIRAM QUALQUER EFEITO DISCIPLINAR, ORIENTADOR OU CORRETIVO. DEVER DO ESTABELECIMENTO DE ENSINO DE ASSEGURAR MEDIDAS DE CONSCIENTIZAÇÃO, PREVENÇÃO, DIAGNOSE E COMBATE À VIOLÊNCIA E À INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA - ARTIGO 5º, DA LEI N. 13.185/2015 . INSTITUIÇÃO PATENTEMENTE OMISSA NA HIPÓTESE. ABANDONO DO ANO LETIVO PELO ALUNO. PREJUÍZO AO SEU DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL. CONSEQUÊNCIA GRAVE QUE DEVE SER CONSIDERADA PARA QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS . SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA INICIAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, RECURSO CÍVEL n. 0300592-20 .2017.8.24.0005, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel . Margani de Mello, Segunda Turma Recursal, j. 23-04-2024).
10. Recomendações aos pais das vítimas: Notificação formal
Aos pais ou responsáveis das vítimas, recomenda-se que, antes da propositura de eventual ação indenizatória, seja realizada notificação formal e escrita ao estabelecimento de ensino, comunicando a ocorrência dos fatos e identificando os supostos agressores, a fim de que providências administrativas possam ser adotadas. Tal medida não apenas demonstra a boa-fé da parte interessada, como também pode servir como elemento probatório em eventual demanda judicial.
11. A instrução da ação judicial e o ônus da prova
Importa destacar que, em grande parte das ações julgadas improcedentes, o fundamento tem sido a ausência de provas concretas ou a caracterização dos episódios como meras “brincadeiras” isoladas, sem continuidade ou gravidade suficientes. Ademais, embora o instituto da inversão do ônus da prova seja aplicável em certas hipóteses, especialmente com fundamento no CDC, ele ainda encontra resistência na jurisprudência, como evidencia o enunciado 330 do TJ/RJ, que dispõe:
“Os princípios facilitadores da defesa do consumidor em juízo, notadamente o da inversão do ônus da prova, não exoneram o autor do ônus de fazer, a seu encargo, prova mínima do fato constitutivo do alegado direito."
Esta ação, como qualquer outra, precisa ser minimamente instruída, e a documentação das tratativas de resolução extrajudicial do conflito constituem um elemento importante para o êxito esperado.
Sugere-se, ainda, que na descrição da conduta delituosa caracterizada como bullying, sejam mencionadas, de forma alternativa ou cumulativa, as eventuais violações a outros dispositivos legais pertinentes, tais como os tipos penais de injúria, difamação, vias de fato, lesão corporal, entre outros delitos previstos nos arts. 225 e seguintes do ECA. Isso porque, mesmo que não se configure o elemento da sistematicidade - essencial para a caracterização formal do bullying conforme a lei 13.185/15 -, os fatos narrados ainda podem se enquadrar como infrações penais autônomas, constituindo atos ilícitos passíveis de responsabilização civil e/ou penal, ainda que ocorram de forma isolada.
Conclusão
Diante do exposto, é inegável que o bullying, em suas múltiplas formas, deixou de ser um comportamento tolerável ou culturalmente aceitável nas instituições educacionais e passou a ser objeto de expressa reprovação jurídica e social. O avanço legislativo no Brasil, especialmente a partir de 2015, revela uma tendência de alinhamento com modelos internacionais de “tolerância zero” à intimidação sistemática, com ênfase tanto na responsabilização dos agressores quanto na proteção integral das vítimas.
A atuação preventiva e repressiva deve ser compartilhada entre família, escola e Estado. Não basta atribuir à vítima o ônus da denúncia ou da busca por reparação; é indispensável uma mudança estrutural na forma como o problema é reconhecido e enfrentado. O ambiente escolar precisa ser um espaço seguro, de desenvolvimento afetivo e cognitivo, e não um cenário de medo e violência velada.
Além disso, o ordenamento jurídico nacional já oferece bases suficientes para fundamentar não apenas a responsabilização civil e penal dos envolvidos, mas também a adoção de medidas socioeducativas e psicossociais voltadas à recuperação do ambiente escolar e à reabilitação dos envolvidos - tanto vítimas quanto agressores.
Por fim, torna-se urgente e necessário o fortalecimento de práticas pedagógicas inclusivas, programas de saúde mental nas escolas, e o compromisso efetivo das instituições com a prevenção do bullying. A responsabilidade é coletiva, e a omissão, cada vez mais, se configura como conivência passível de responsabilização legal. Que a informação, o diálogo e a educação continuada sejam os caminhos para romper com ciclos de violência silenciosa e, por muitas vezes, devastadora.
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1 Fonte: https://revistaforum.com.br/brasil/2025/5/8/bolsista-de-15-anos-do-mackenzie-tenta-suicidio-apos-sofrer-bullying-178902.html?utm_source=chatgpt.com
2 Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/estudantes-protestam-apos-morte-de-aluno-de-colegio-tradicional-de-sp/
3 Fonte: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/mais-de-um-terco-dos-jovens-em-30-paises-relatam-ser-vitimas-bullying-online?utm_source=chatgpt.com
4 O artigo 146-A do Código Penal tem sido alvo de diversas críticas quanto à sua efetiva aplicabilidade, especialmente em razão de aspectos como a previsão de pena de multa isolada, o que, segundo parte da doutrina, poderia descaracterizar sua natureza e aproximá-lo de uma mera contravenção. Além disso, o tipo penal assume caráter residual, aplicando-se apenas quando a conduta não se enquadra em delito mais grave, o que limita ainda mais seu alcance. Soma-se a isso a complexidade de sua redação, que dificulta o enquadramento prático das condutas previstas. Apesar dessas fragilidades técnicas, o que se evidencia no dispositivo é a intenção clara do legislador de atribuir elevado grau de reprovabilidade à prática do bullying, sinalizando uma diretriz normativa de repressão firme e inequívoca a essa forma de violência.
5 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: mentes perigosas nas escolas. 1. ed. Rio de Janeiro: Fontanar, 2015.
6 Fonte: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/publicacoes/linha-de-cuidado-para-a-atencao-integral-a-saude-de-criancas-adolescentes-e-suas-familias-em-situacao-de-violencias-orientacao-para-gestores-e-profissionais-de-saude