A violência doméstica contra a mulher é tema de suma importância tanto no tocante ao combate e prevenção, quanto no que se refere à necessidade de compreender os fatores que propiciam as crescentes ocorrências.
Ao longo da história os modelos sociais destinados ao corpo feminino sempre mantiveram a mulher à margem da sociedade. Ao contrário do homem a quem é atribuído poder, patrimônio e controle das estruturas socioeconômicas, a mulher esteve relegada às funções de cuidado e maternidade, afastada dos ambientes de decisão e muitas vezes, deixou de ser enxergada como sujeito de direitos.
Essas desigualdades estruturais se refletem nas diversas esferas da sociedade contemporânea desde a sub representatividade política, a disparidade salarial em prejuízo da mulher que desempenha funções idênticas as do homem. A faceta mais cruel dessa relação desigual é sem dúvida a violência contra a mulher.
Desde o fim da segunda guerra mundial, as nações envidaram esforços no sentido impedir reiteração do genocídio que assolou a Europa. Para tanto, foram assinados diversos tratados internacionais que buscavam garantir os direitos humanos.
Esses instrumentos uniram os diversos países em prol de uma política de respeito aos direitos fundamentais e individuais, com reflexos no bem comum e paz mundial. Alguns dos instrumentos foram específicos em garantir a observância dos direitos de grupos especialmente vulneráveis como mulheres, imigrantes, pessoas com deficiência e com marcadores relacionados a fatores raciais.
Inobstante previsões das convenções internacionais e das legislações internas as desigualdades persistem e o desafio é neutralizá-las.
Na mesma esteira estão as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos que procuram lançar luz sobre os invisíveis socialmente buscando condenar violações de direitos e estabelecer o instituto da reparação integral aos Estados que vêm descumprindo os acordos vinculantes firmados internacionalmente.
Resultado de uma condenação internacional, a lei Maria da Penha representa valioso diploma no combate, prevenção e punição aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.
Essa lei também representou resultado da advocacy feminista conferindo eficácia prática a artigos da CF/88 que já previam a premente realidade de erradicar a violência contra a mulher do panorama nacional.
Foi inspirada na lei espanhola contra a violência de gênero, embora essa última abarque tão somente a violência decorrente de relacionamentos íntimos de afeto, berço mais incidente da violência contra a mulher. A lei brasileira engloba também a violência contra a mulher decorrente de coabitação e relacionamentos familiares sendo, portanto, mais abrangente.
No que toca a mediação1, modalidade de solução de conflitos através do consenso e da comunicação não violenta, existem posicionamentos inclinados a sua inaplicabilidade na seara da violência contra a mulher, seja pelo caráter da relação de poder x submissão incidente na violência doméstica, seja porque essas condutas, na grande maioria encontram-se tipificadas e equiparadas a crimes contra os direitos humanos (art. 6° da lei Maria da Penha), o que não se mostraria compatível com aplicação de soluções consensuais.
No entanto, a mediação1 vem sendo utilizada com sucesso em conflitos subjacentes aos casos que geraram a situação de violência doméstica, como desavenças familiares e as que envolvem guarda de filhos, desde que seja do interesse das partes em questão.
Importante trazer à tona essa discussão expondo os argumentos pró e contra a aplicação da mediação nos conflitos envolvendo a matéria da violência doméstica contra a mulher de modo a robustecer o posicionamento a ser tomado para que esteja em concordância com os princípios internacionais e para que produza os resultados esperados: constituição de uma sociedade mais justa e equânime.
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1 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Mediação – técnicas de condução de sessões e postura do mediador. São Paulo: Método, 2016