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Uso de IA na análise de requerimentos administrativos do INSS

A inteligência artificial no INSS agiliza análises, mas pode gerar indeferimentos automáticos ao ignorar documentos essenciais, levando segurados a recorrer à Justiça.

13/6/2025

Atualmente, a sociedade moderna vem se familiarizando cada vez mais com o mundo digital, com isso vemos a evolução constante de sites, funcionalidades tecnológicas e meios de agilizar atividades que antes demoravam muito mais caso fossem realizadas de forma presencial ou manual.

Nos últimos anos, o que vem chamando atenção dos humanos com sua crescente evolução, é a chamada inteligência artificial. A popularmente chamada IA, é a capacidade de máquinas aprenderem e executarem tarefas que antes só poderiam ser feitas por humanos.1 A inteligência artificial utiliza algoritmos e muitos dados para simular o raciocínio humano.

No âmbito do direito, a IA tem sido usada para análise de documentos, automação de pesquisas legais e gerenciamento de prazos processuais2. Do mesmo modo, no que diz respeito ao Direito Previdenciário, desde 2024 o INSS iniciou os testes de inteligência artificial no site Meu INSS, com o intuito de analisar e correlacionar dados para detectar padrões na emissão de atestados, evitando a concessão de benefícios indevidos.3

Nesse contexto, a utilização da IA vem se destacado como um instrumento promissor, especialmente na análise de requerimentos administrativos. A aplicação dessa tecnologia simboliza um marco na modernização da administração pública, visando a eficiência, a redução de filas e a melhoria na prestação de serviços.

No entanto, sob outro ângulo, apesar de aparentemente ser uma saída da famosa morosidade da Autarquia Previdenciária nas análises dos requerimentos, por se tratar de uma ferramenta relativamente nova, a utilização da IA, em muitos casos, vem trazendo efeitos contrários do que se esperava.

Cita-se como exemplo o segurado que ao acreditar que preenche os requisitos necessários para sua aposentadoria, realiza um requerimento pelo site/aplicativo Meu INSS. Insta salientar que não é incomum os segurados possuírem atividade rural ou especial, isto é, exposição à agentes nocivos a sua saúde no decorrer de sua jornada laboral.

Todavia, ao efetuar o pedido administrativamente, caso não responda corretamente o formulário feito pelo INSS, como por exemplo, deixando de responder “sim” para a atividade rural ou especial, o requerimento por muitas vezes será indeferido de forma automática, ainda que tenha sido anexada provas documentais das referidas atividades.

Isso se dá pelo fato de que a inteligência artificial que vem sendo utilizada pelo INSS se limita a análise do Cadastro Nacional das Informações Sociais (CNIS), este que não consta se o segurado possui ou não histórico de labor agrícola ou em contato com agentes nocivos, ignorando os documentos juntados no processo administrativo que corroboram com tais alegações.

A IA, por ser baseada em padrões e algoritmos pré-definidos, nem sempre consegue interpretar adequadamente os documentos anexados pelos segurados, como fichas de sindicato rural, notas fiscais de produtos agrícolas, laudos técnicos ou formulários como o PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário).

Assim, essa limitação resulta em indeferimentos precoces de requerimentos dos segurados que, em muitos casos, estariam plenamente aptos à concessão da aposentadoria, se tivessem sido avaliados da forma correta. A falta de análise aprofundada e individualizada dos documentos comprobatórios compromete o direito ao melhor benefício, conforme aduz o Enunciado 01 do CRPS:4

ENUNCIADO 01: A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o beneficiário fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido. (...)

Ainda, devido aos diversos indeferimentos automáticos na via administrativa, os segurados se veem obrigados a recorrer ao judiciário, seja por meio de Mandado de Segurança com pedido liminar a fim de que a Autarquia analise corretamente os documentos juntados, ou por meio de ação judicial para que o próprio Poder Judiciário avalie o pedido.

Nesse sentido, em diversas demandas judiciais, os magistrados vêm determinando que o INSS analise o processo administrativo novamente, mas dessa vez de forma mais profunda e detalhada. Vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE AVEBAÇÃO DE TEMPO RURAL NÃO ANALISADO NA ESFERA EXTRAJUDICIAL. ILEGALIDADE. VERIFICAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECONHECIMENTO. 

1. O encerramento do feito na via extrajudicial de forma precoce, sem a análise do pleito que fora formulado, que deve conter a devida motivação pelo deferimento, ou pelo indeferimento, ou a especificação das exigências devidas para o respectivo exame, implica ilegalidade em razão da ausência da observância do devido processo administrativo, sendo o caso, portanto, determinar-se a reabertura do processo administrativo com a análise efetiva (mérito) do tempo rural postulado e do pedido de aposentadoria (TRF4 5026662-26.2022.4.04.7200) (Grifou-se)

Por conseguinte, em recente despacho em um processo de concessão de aposentadoria que tramita na 2ª Vara Federal de Jaraguá do Sul/SC, o juiz intimou a CEAB-DJ-INSS (Central de Análises de Decisões Judiciais do INSS) para que reabrisse o processo administrativo, realizasse a análise efetiva do requerimento, assim como que houvesse o fundamento detalhado sobre os vínculos e/ou tempo de contribuições que foram desconsiderados e por mais motivos.

Tal determinação se deu pois o juízo concluiu após a leitura do processo administrativo, que houve o indeferimento de forma automática, sem a análise dos documentos apresentados. Colaciona-se parte do despacho:

Com efeito, da leitura do processo administrativo, extrai-se que o indeferimento foi proferido de forma automática, com base em mera simulação de tempo que não dispõe de validade probatória, sem que a autarquia tenha sequer gerado o Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de contribuição incontroverso, ou analisado os documentos apresentados. Contudo, tendo em vista que a listagem de períodos incontroversos é essencial para a delimitação objetiva da lide, intime-se a CEAB-DJ-INSS para que tome as providências necessárias à reabertura do processo administrativo referente ao protocolo nº 546610140 (NB 223.770.348-0, DER 22/112024), para, no prazo de 60 dias, realizar a análise efetiva do requerimento com expedição de RDCTC e despacho fundamentado detalhando quais vínculos e/ou tempos de contribuição eventualmente foram desconsiderados e por quais motivos. (TRF4 5000999-43.2025.4.04.7209) (Grifou-se)

Dessa forma, diante de todo o exposto, é possível notar que apesar do avanço tecnológico por parte do INSS em adotar o uso de inteligência artificial para a análise de seus requerimentos administrativos, essa medida precisa ser melhor formulada e adequada com a realidade dos segurados, para que haja a correta verificação de todos os documentos juntados no processo administrativo e que, consequentemente, não continuem ocorrendo indeferimentos automáticos.

________

1 https://tecnoblog.net/responde/o-que-e-inteligencia-artificial/

2 https://www.conjur.com.br/2024-mai-10/o-impacto-da-inteligencia-artificial-na-pratica-juridica/

3 https://www.gov.br/inss/pt-br/noticias/comeca-fase-de-testes-de-inteligencia-artificial-no-meu-inss

4 https://www.gov.br/previdencia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/conselho-de-recursos-da-previdencia-social/enunciados-e-editais/enunciadosn1aon18dou_19-12-2024.pdf

Marcos Roberto Hasse
Advogado (OAB/SC 10.623) com 30 anos de experiência, sócio da Hasse Advocacia e Consultoria, com atuação ampla e estratégica em diversas áreas jurídicas.

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