Grandes empresas de entretenimento e tecnologia vêm apostando em modelos de negócio que integram, cada vez mais, o conteúdo audiovisual à oferta de produtos de consumo. A Amazon, por exemplo, lançou recentemente nos Estados Unidos o recurso Shop the Show no Prime Video, permitindo que os espectadores adquiram, em tempo real e sem sair da tela, os produtos exibidos durante a transmissão de séries e filmes. TikTok e Shopee seguem caminhos semelhantes: a primeira com a TikTok Shop, que estreou com a proposta de integrar consumo e entretenimento de forma contínua; a segunda, com um formato de vendas ao vivo que se aproxima de canais de televendas, com apresentadores, contagem regressiva e cupons promocionais.
Embora o conceito não seja novo - transmissões televisivas já exploravam esse modelo de venda direta há décadas -, o que se observa hoje é um movimento de migração desse formato para ambientes digitais como redes sociais e plataformas de streaming, ampliando o alcance e a sofisticação da experiência de compra. Esse fenômeno, chamado de live commerce, implica na adoção de medidas jurídicas adicionais, a serem aqui abordadas.
A partir do momento em que essas plataformas passam a intermediar ou ofertar diretamente produtos aos seus usuários e espectadores, passam também a se sujeitar ao regramento previsto no CDC e no decreto 7.962/13, que regulamenta o comércio eletrônico no Brasil (Decreto do Comércio Eletrônico). De acordo com o CDC, são considerados consumidores todos aqueles que adquirem ou utilizam produto ou serviço como destinatários finais - o que inclui, portanto, os usuários de plataformas que venham a adquirir produtos por meio das funcionalidades integradas de live commerce.
As plataformas e fornecedores de produtos devem observar deveres fundamentais, como a clareza na exposição de preços, transparência na descrição dos produtos, e a garantia do direito do consumidor se arrepender da compra realizada fora do estabelecimento comercial no prazo de sete dias, com direito à devolução integral dos valores pagos. Tais deveres protegem o consumidor e se aplicam aos modelos de live commerce, independentemente do formato interativo da transação.
Com relação ao dever de transparência, tais informações costumam ser apresentadas nos termos de uso das plataformas, os quais devem refletir de forma clara as condições aplicáveis às compras realizadas por meio do live commerce. Os documentos devem ser estruturados de modo a assegurar transparência sobre aspectos como prazos de entrega, formas de devolução, canais de atendimento e eventuais particularidades da experiência interativa de compra, dentre outras informações exigidas pela legislação aplicável.
Outro aspecto relevante diz respeito à identificação de quem está, de fato, ofertando os produtos nas plataformas de live commerce: se o operador da plataforma ou um parceiro comercial do referido operador. O decreto do Comércio Eletrônico determina que a identificação completa do fornecedor, incluindo razão social, CNPJ, endereço e canais de contato, esteja disponível de forma clara e acessível ao consumidor. Essa exigência se soma ao dever de informar previamente o consumidor sobre as características essenciais do produto, o preço total (incluindo encargos), as formas de pagamento, os prazos de entrega e a política de devolução, bem como à obrigatoriedade de se manter mecanismos eficazes de atendimento ao consumidor, inclusive para o exercício do direito de arrependimento e a resolução de eventuais conflitos decorrentes da transação.
A identificação do fornecedor também é fundamental porque, nos termos do CDC, todos os agentes que integram a cadeia de fornecimento respondem solidariamente perante o consumidor por eventuais vícios ou defeitos dos produtos ou serviços ofertados. Assim, mesmo que o produto anunciado durante a exibição de um conteúdo audiovisual seja ofertado por um parceiro comercial - e não pelo operador da plataforma em si -, este último poderá ser responsabilizado por eventuais vícios ou defeito nos produtos ou serviços ofertados por terceiros. Diante deste cenário, é recomendável que os contratos com parceiros comerciais (se for o caso) contenham disposições claras sobre a responsabilidade contratual entre as partes no que tange à oferta dos produtos e prevejam mecanismos de regresso nos casos em que a responsabilidade pelo defeito ou vício seja atribuível exclusivamente ao parceiro comercial, mas o operador da plataforma venha a ser acionado e obrigado a indenizar o consumidor.
Diante do avanço dos mecanismos de live commerce, é esperado que cada vez mais plataformas adotem esse modelo de integração entre entretenimento e consumo. Assim, para além de cumprir todas as obrigações estabelecidas no CDC e no decreto do Comércio Eletrônico relacionadas à oferta de produtos e serviços em plataformas online, recomenda-se que as plataformas revisem seus termos de uso e demais políticas aplicáveis, de forma a refletir adequadamente as particularidades da experiência de compra integrada e garantir transparência nas relações com os usuários, bem como revisem contratos com parceiros comerciais (se for o caso), com o objetivo de delimitar a responsabilidade pela oferta dos produtos de tais parceiros e mitigar riscos que possam recair no operador da plataforma de streaming.