Recentemente foi anunciado no Rio de Janeiro um novo projeto urbanístico chamado Mata Maravilha, a ser desenvolvido em áreas revitalizadas pelo programa Porto Maravilha.Com uma área de 223,4 mil metros quadrados, o projeto prevê uma marina na Baía de Guanabara e um lago artificial de água doce, além de duas torres de 70 andares e um hotel. A orla será conectada à Praça da Harmonia por um novo parque implantado pelas ruas do bairro e contará com o plantio de 50 mil árvores de grande porte.
Um dos grandes trunfos do empreendimento é a criação de um ambiente favorável a instalação de empresas de tecnologia - com foco especial em companhias voltadas à proteção do meio ambiente, formando um “Vale do Silício” verde. A expectativa é atrair nômades digitais e engenheiros de empresas de inovação. Estima-se que o projeto movimente cerca de dez milhões de pessoas por ano, entre trabalhadores, consumidores e turistas.
Países que desejam atrair talentos, empreendedores e capital de estrangeiros têm repensado suas políticas tributárias, criando regimes especiais para residentes temporários ou recém-chegados. Um dos modelos mais emblemáticos é o regime britânico dos chamados non-domiciled residents (ou simplesmente nom-doms), que isenta de tributação os rendimentos auferidos no exterior, desde que não remetidos ao Reino Unido. Uma das “nom-doms” mais conhecidas é Akshata Murty, esposa do ex-primeiro-ministro britânico Rishi Sunak.
O sucesso do modelo britânico inspirou outros países europeus, como Itália, Grécia e Portugal, a criarem versões adaptadas. Inspirar-se nesse modelo não significa abrir mão da justiça fiscal, mas sim reconhecer que a mobilidade internacional de pessoas é um fato e que o Brasil, se quiser atrair esses perfis, precisa oferecer um ambiente tributário minimamente competitivo. É nesse contexto que surge a proposta de criação de um regime fiscal brasileiro “nom-dom”, com benefícios temporários e regras claras, e focado nos nômades digitais.
Como se sabe, no Brasil, o conceito de residência fiscal é definido de forma objetiva: em regra, basta permanecer no país por mais de 183 dias, consecutivos ou não, dentro de um período de 12 meses, ou estabelecer vínculo empregatício com pessoa jurídica brasileira, para ser considerado residente fiscal. A partir daí, aplica-se o princípio da tributação da renda universal: todos os rendimentos da pessoa, obtidos no Brasil ou no exterior, passam a ser tributados aqui.
Embora tecnicamente consistente, a consequência prática é que este modelo afasta indivíduos com patrimônio ou renda significativa fora do Brasil, justamente o público que outros países tentam atrair com regimes diferenciados. Hoje, não existe no ordenamento jurídico brasileiro qualquer tipo de regime fiscal específico para nômades digitais. Um estrangeiro que decide viver temporariamente no Brasil é imediatamente equiparado a qualquer outro contribuinte - mesmo que não tenha vínculo de longo prazo, investimentos locais ou intenção de permanecer. O resultado final é que muitos preferem não se estabelecer formalmente no país, mantendo uma presença irregular ou simplesmente escolhendo destinos mais amigáveis do ponto de vista tributário.
Em tempos de competição internacional por talentos e capital humano, essa ausência de flexibilidade coloca o Brasil em desvantagem. A proposta de criar um regime nom-dom à brasileira seria instituir um regime fiscal opcional e temporário voltado a pessoas físicas que se tornem residentes fiscais no Brasil, mas que mantenham patrimônio ou fonte principal de renda no exterior.
Um dos requisitos seria que, durante um período máximo de cinco anos, o contribuinte “nom-dom” pudesse optar pela isenção de Imposto de Renda sobre rendimentos obtidos no exterior, desde que comprovada sua atuação no setor de tecnologia - por exemplo, mediante a apresentação de contrato celebrado com empresas estrangeiras da área.
Com esse modelo, o Brasil poderia atrair residentes com alto poder de consumo; estimular o setor imobiliário, a educação privada e o turismo de longo prazo; e posicionar-se como um destino fiscalmente competitivo para nômades digitais e, até mesmo, profissionais globais.
Tal medida também poderá ensejar um incremento indireto na arrecadação tributária sobre o consumo - notadamente quanto ao ICMS, ISS e PIS/COFINS -, bem como na tributação patrimonial, a exemplo do IPTU incidente sobre imóveis locados por beneficiários do regime e do IPVA relativo a veículos adquiridos ou utilizados por esses contribuintes.
Além dos efeitos econômicos diretos e indiretos, a instituição de um regime fiscal diferenciado voltado a residentes não domiciliados pode representar uma estratégia eficaz para a atração de “cérebros”, especialmente jovens talentos da área de tecnologia e inovação.
Ao permitir que pessoas físicas com renda no exterior possam se estabelecer no país com segurança jurídica e previsibilidade tributária, o Brasil envia um sinal claro de que está aberto à economia global e disposto a atrair agentes que queiram viver, consumir e investir aqui.
O momento é oportuno: em meio à reforma tributária, debater a instituição um “nom-dom” brasileiro é abrir uma janela concreta de modernização do nosso sistema tributário, alinhado às práticas internacionais, mas com identidade própria.