Migalhas de Peso

Controle dos charts musicais: Questões jurídicas acerca do pagamento por destaque

A manipulação de charts musicais por impulsionamentos pagos levanta questões jurídicas como concorrência desleal, publicidade enganosa e fraude contra consumidores.

4/7/2025

No mundo digital, onde o sinônimo de sucesso é medido em números, ocupar as primeiras posições dos “charts” nos streamings pode representar muito mais do que a fama propriamente dita: traz consigo os olhares mais aguçados de patrocinadores, o fechamento de novos contratos de publicidade e, consequentemente, o lucro.

Os rankings musicais ou “charts”, são teoricamente os principais indicativos de como esse fonograma está andando no mercado, onde estão sendo mais executados e em qual período. Esses indicativos são para direcionar a percepção e o gosto do público ouvinte, e tendem a influenciar cada vez mais as mídias e as carreiras dos artistas.

Quando esses indicativos deixam de refletir o real consumo e passam a ser moldados por pagamentos diretos para impulsionamento, surgem questões jurídicas sérias, que pairam sobre todo o cenário musical: há a indução em erro? Trata-se de uma publicidade enganosa? Há uma concorrência desleal? O volume excessivo de propagandas que o algoritmo encaminha pode levar à saturação do público?

Para elucidação dessas questões, podemos realizar a analogia a alguns artigos, como por exemplo, o art. 37, §1° do CDC, que aduz que:

“É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.1

Trazendo para a realidade, a manipulação dos charts ou até mesmo a utilização de bots (robôs) prejudica a concorrência justa entre os artistas, afetando principalmente os artistas independentes que não possuem o financiamento necessário para entrar nessa disputa.

Já a lei de propriedade industrial, que trata da concorrência desleal, em seu art. 1952, descreve diversas condutas que são consideradas ilegais e prejudiciais aos concorrentes, como a divulgação de informações falsas e o desvio de clientela. Aplicando ao caso, o pagamento de bots ou a criação de fazendas de cliques3 são utilizados para inflar os números de “plays”. Isso não só manipula os números dos charts como também frauda o sistema de pagamento dos royalties, que se baseia em execuções reais.4

Essa conduta já é considerada como estelionato digital, conforme elencado no CP combinado com a lei 12.965/14 - Marco Civil da Internet, além de infração ao CC pela fraude contratual e infração ao CDC pela propaganda enganosa.

Os julgados e a jurisprudência ainda são prematuros sobre a manipulação de charts, porém existem decisões sobre publicidade disfarçada e concorrência desleal em ambientes digitais. O CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária recomenda a identificação clara de conteúdo patrocinado mesmo em se tratando de playlists e ranking dos streamings.5

A música, que é uma expressão cultural, também se trata de negócios. Quando os charts se tornam espaço para manipulação comercial velada, o público perde, os artistas perdem, a indústria perde e a cultura perde muito mais. Mais do que uma questão comercial, estamos diante de um problema muito grande de ética, ausência de transparência e legalidade. O consumidor precisa estar ciente do quanto está sendo influenciado, e os artistas menores, o direito de competir em condições minimamente aceitáveis de concorrência.

Cabe então às plataformas, aos órgãos de defesa do consumidor e às entidades do setor cultural trazer esse debate para a mesa e estabelecer normas concisas e reflexivas para que, principalmente os artistas menores, não sejam prejudicados com as fraudes como estratégia de marketing dos maiores.

Referências

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 jul. 2025.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 jul. 2025.

BRASIL. Lei nº 2.848, de 07 de dez de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 02 jul. 2025

BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em 02 jul. 2025.

BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Institui o Código Civil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 02 jul. 2025.

CHRIST, GIOVANA. em 22 de março 2024. Fazendas de cliques: entenda o que são e como funcionam. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/fazendas-de-cliques-entenda-o-que-sao-e-como-funcionam/. Acesso em 02 jul. 2025.

LEMOS, EDUARDO. em 16 de novembro de 2022. Fraudes, fazenda de cliques, falsas autorias: desafios no streaming. Disponível em: https://www.ubc.org.br/publica coes/noticia/20793/fraudes-fazenda-de-cliques-falsas-autorias-desafios-no-streaming. Acesso em 02 de jul. 2025.

CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA, em 2021. Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais.. http://www.conar.org.br/pdf/CONAR_Guia-de-Publicidade-Influenciadores_2021-03-11.pdf. Acesso em 02 de jul. 2025.

_______

1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm

2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm

3 https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/fazendas-de-cliques-entenda-o-que-sao-e-como-funcionam/

4 https://www.ubc.org.br/publicacoes/noticia/20793/fraudes-fazenda-de-cliques-falsas-autorias-desafios-no-streaming

5 http://www.conar.org.br/pdf/CONAR_Guia-de-Publicidade-Influenciadores_2021-03-11.pdf

Flávia corrêa Galvão Moraes
Advogada do Núcleo de Entretenimento do OVA Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

A força da jurisprudência na Justiça Eleitoral

3/12/2025

Edição gênica e agronegócio: Desafios para patenteabilidade

3/12/2025

Abertura de empresas e a assinatura do contador: Blindagem ou burocracia?

3/12/2025

Como tornar o ambiente digital mais seguro para crianças?

3/12/2025

Recuperações judiciais em alta em 2025: Quando o mercado nos lembra que agir cedo é um ato de sabedoria

3/12/2025