1. Introdução
As MPUs - Medidas Protetivas de Urgência, criadas para proteger mulheres em situação de violência doméstica, têm sido tratadas por muitos como instrumentos neutros em relação à convivência paterno-filial. A narrativa dominante e até oficial afirma que essas medidas não interferem no contato entre pai e filhos. Contudo, essa é uma visão míope e reducionista do problema. Mesmo quando as MPUs não trazem cláusula expressa impedindo visitas, elas criam obstáculos quase intransponíveis para a manutenção dos vínculos familiares. Apesar de o discurso oficial sustentar que as protetivas não interferem na convivência do pai com a prole, este ensaio desmentirá essa afirmação retórica, demonstrando que, na prática, tais restrições interferem sim na convivência com os filhos, ainda que de forma indireta, e destaca a importância da atuação imediata e estratégica do pai que se vê sob tais restrições.
2. A narrativa enganosa da “não interferência”
A ideia de que as MPUs não afetam a convivência familiar baseia-se em uma leitura extremamente reducionista e rasa do fenômeno. Quando o juiz determina, por exemplo, que o homem mantenha distância da suposta vítima, e não faz menção aos filhos, muitos concluem que o direito de visita está preservado. Essa conclusão é ingênua ou mal-intencionada, pois ignora que, na maioria dos casos, os filhos estão sob guarda materna e convivem cotidianamente com a genitora. Então, a aproximação do pai com os filhos acarretará uma inevitável aproximação indireta e não intencional da genitora dos filhos, com potencial risco dessa aproximação ser interpretada descumprimento das medidas protetivas, ensejar a prisão preventiva, ou a imposição de tornozeleira eletrônica.
3. A convivência paterno-filial esvaziada pelas consequências práticas das medidas protetivas
Mesmo sem uma proibição expressa, a convivência com os filhos é duramente impactada pelas medidas protetivas. Situações cotidianas tornam-se armadilhas: a criança tem uma apresentação escolar, uma consulta médica ou um aniversário com presença da mãe, e o pai se vê impedido de participar, porque se aproximar do filho equivale a se aproximar inevitavelmente da mãe. Qualquer tentativa de aproximação do filho, ainda que legítima, pode ser interpretada como descumprimento das MPUs, sujeitando o pai à prisão em flagrante ou ao uso de tornozeleira eletrônica. Assim, o medo de violar medidas restritivas faz com que muitos pais se afastem dos filhos como forma de autoproteção.
4. O silenciamento da paternidade
As medidas protetivas, embora voltadas à proteção da mulher, acabam por atingir indiretamente a figura paterna em sua dimensão mais sensível: a convivência com os filhos. Esse afastamento, ainda que não determinado diretamente, representa uma espécie de silenciamento da paternidade. O homem se vê excluído da rotina dos filhos e, muitas vezes, não possui ferramentas imediatas para reverter essa situação, especialmente se não for muito bem orientado juridicamente sobre como agir diante da medida.
5. A necessidade de reação imediata do pai intimado
Diante da concessão de medidas protetivas, é fundamental que o pai não permaneça inerte. A primeira providência é apresentar defesa nos autos das medidas protetivas, narrando sua versão dos fatos. Afinal de contas, as restrições foram impostas apenas e tão somente com base na versão unilateral da suposta vítima. Em paralelo, deve esse pai ingressar com ação própria de regulamentação da convivência paterno-filial na vara da Família. Ainda que haja medidas protetivas em vigor, o juiz da vara da Família pode estabelecer horários, locais e condições seguras para que o pai mantenha contato com os filhos, sem risco de descumprir as medidas protetivas. Esse movimento é essencial para evitar o completo esvaziamento do vínculo afetivo, que tende a se deteriorar com o tempo, se nada for feito pelo pai injustiçado pelas medidas protetivas.
6. O risco da alienação parental silenciosa
A manutenção prolongada de medidas protetivas sem qualquer diálogo com a questão familiar pode (in)evoluir para quadros de alienação parental. A criança, afastada do pai por longos períodos, pode ser influenciada por narrativas e desenvolver resistência ao contato. O Estado, ao não atuar de maneira coordenada entre as esferas criminal e familiar, contribui para a erosão dos vínculos afetivos entre pais e filhos, com prejuízos emocionais incalculáveis para ambos.
7. Conclusão
É falso dizer que as medidas protetivas não interferem na convivência entre pai e filhos. A experiência prática de muitos anos na área demonstra que, ainda que não exista restrição expressa nesse sentido, as protetivas impostas ao pai geram obstáculos reais, profundos e, muitas vezes, irreversíveis à vida familiar. O sistema jurídico precisa reconhecer essa interferência e garantir que, paralelamente à proteção da mulher, haja um espaço seguro e equilibrado para o exercício da paternidade. Aos pais, cabe a responsabilidade de não se omitirem: defender-se, narrar sua versão e buscar judicialmente a regulamentação da convivência na vara da Família é essencial para preservar o vínculo com seus filhos.