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Honorários por equidade: Instrumento de defesa da advocacia

No CPC/15, a equidade visa proteger a advocacia, mas decisões judiciais têm desvirtuado sua função, ignorando limites legais e vilipendiando esta prerrogativa.

9/7/2025

Introdução

Os honorários advocatícios constituem verdadeiro pilar da atuação profissional, são verbas de natureza alimentar ligadas à dignidade da advocacia e à viabilidade do exercício pleno deste múnus público.

Reconhecendo essa relevância, o CPC/15 promoveu importante avanço normativo, com o objetivo de assegurar uma remuneração condizente com o trabalho desenvolvido pela advocacia.

Uma das reformas mais significativas foi a delimitação expressa das hipóteses de apreciação equitativa na fixação dos honorários sucumbenciais, tradicionalmente aplicada de forma arbitrária e lesiva durante a vidência do revogado CPC/1973.

Atualmente, a fixação dos honorários por apreciação equitativa passa a ser admitida somente nas hipóteses excepcionais do §8º do art. 85, ou seja, quando a causa for inestimável, o proveito econômico for irrisório ou quando o valor da causa for muito baixo.

O objetivo do Legislador foi a proteção da advocacia, impedindo o Judiciário de utilizar a equidade como forma de redução indevida dos honorários sucumbenciais. Tal intenção é corroborada com a inclusão do §8º-A, art. 85 do CPC/15, evitando o arbitramento de honorários abaixo do mínimo fixado na tabela da Seccional da OAB.

No entanto, a prática forense insiste em subverter a lógica da fixação por equidade, ignorando os critérios objetivos elencados no CPC, como pode ser observado nos casos já noticiados por este portal de notícias jurídicas

           Juiz fixa honorários em R$ 15 em ação contra plano de saúde.1

           Advogado que ganhou R$ 3,50 de honorários consegue majorar para R$ 500.2

No primeiro caso, uma ação de exibição de documentos com valor da causa de R$ 158,00. O magistrado ficou honorários de 10% sobre o referido valor, ocorre que, sendo o valor da causa muito baixo, deveria ter aplicado os honorários por equidade no mínimo da tabela da Seccional da OAB (art. 85, §§8º e 8º-A do CPC/15).

No segundo caso a sentença fixou honorários em 20% da condenação de R$17,00, mas como o proveito econômico era irrisório, deveria ter sido fixado por equidade. Na sequência, o Tribunal de Justiça corrigiu o equívoco, contudo, aplicou honorários por equidade em valor ínfimo.

Vejam a relevância do estudo sobre honorários! A advocacia precisa estar preparada para lutar por seus direitos.

Entendendo a estrutura do art. 85 do CPC

A reestruturação dos honorários de sucumbência no CPC/15 não foi um simples ajuste técnico, mas uma resposta as constantes violações dessa prerrogativa da advocacia.

A interpretação do art. 85 do CPC deve respeitar a lógica da técnica legislativa prevista na LC 95/1998, ou seja, o caput do art. 85 estabelece a regra matriz; os §§2º ao 6º-A detalham os aspectos normativos complementares e obrigatórios; enquanto os §§8º e 8º-A cuidam das hipóteses excepcionais, aplicáveis somente quando os parâmetros anteriores não puderem ser observados.

Assim, é errado utilizar a fixação por equidade quando há elementos objetivos para a fixação dos honorários em percentual sobre o benefício econômico obtido pelo cliente com o processo, ainda que necessária a liquidação de sentença.

A jurisprudência do STJ reconhece a aplicação do art. 85, §§8º e 8-A do CPC como regra subsidiária e excepcional, utilizada apenas na hipótese de inaplicabilidade dos parágrafos anteriores.

AgInt nos EDcl nos EREsp n. 1.866.671, Corte Especial, julgado em 21/9/2022:

“[...] Em relação à base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais, o acórdão embargado encontra-se em dissonância com a recente jurisprudência da Corte Especial - firmada por ocasião do julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.076/STJ) - no sentido de que:

‘I) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC [...]

II) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo’ (REsp 1.850.512/SP, relator ministro Og Fernandes, Corte Especial, por maioria, julgado em 16.3.2022).

Na referida assentada, a maioria dos Ministros considerou nítida a intenção do legislador em correlacionar a expressão inestimável valor econômico - prevista no § 8º do artigo 85 do CPC - somente para as causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, nas causas de estado e de direito de família, não se devendo confundir o termo ‘valor inestimável’ com ‘valor elevado’ [...].

E, à luz do provimento jurisdicional condenatório fixado nas instâncias ordinárias - cujo montante econômico poderá ser aferido em liquidação da sentença -, afigura-se de rigor o arbitramento dos honorários advocatícios em 10% do aludido quantum, com base no § 2º do artigo 85 do CPC, não retratando hipótese de proveito econômico inestimável. [...]”.

Portanto, a estrutura do artigo 85 e a jurisprudência do STJ não deixam dúvidas: a utilização direta da equidade, sem a prévia análise dos critérios objetivos previstos nos §§2º ao 6º-A, viola frontalmente a lógica legislativa, despreza o comando legal e esvazia a valorização da advocacia promovida pelo CPC/15.

O retrocesso do Tema 1.313/STJ, verdadeiro julgamento político

O Tema 1.313 do STJ - ainda pendente de trânsito em julgado - fixou tese no sentido de que as demandas de saúde contra o Poder Público devem ser consideradas causas inestimáveis, admitindo a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade.

Ocorre que o próprio inteiro teor do julgado revela profundas contradições. Em diversos trechos, reconhece que “as prestações de saúde têm conteúdo econômico” e admite que, nas ações contra planos de saúde, os honorários devem ser fixados com um percentual do benefício econômico obtido, o qual considera o tratamento de saúde, e não fixação por equidade.

A distinção realizada no julgado, entre ações contra os entes públicos e ações contra pessoas jurídicas de direito privado, não se sustenta sob nenhuma ótica coerente. Em ambas as hipóteses a estrutura do pedido é idêntica: há uma pretensão condenatória (pedido imediato) voltada à obtenção de um bem da vida com valor mensurável (pedido mediato), o medicamento, a cirurgia, uma internação, por exemplo. Em outras palavras, ontologicamente não há diferença entre a natureza da obrigação imposta ao Estado ou ao plano de saúde.

Outro argumento utilizado foi de que o direito à saúde é “inestimável”, retoricamente sedutor, mas juridicamente superficial. Todo direito fundamental, por essência, é inegociável e inestimável em termos axiológicos. Isso, no entanto, não impede que a prestação concreta derivada desse direito - como a entrega de um remédio ou a realização de uma cirurgia - seja objetivamente quantificável, inclusive sob o aspecto econômico.

Na prática, a obtenção de um tratamento por meio de ação judicial evita que a parte autora tenha que despender recursos próprios ou se endividar para custear o tratamento. Logo, nas demandas de saúde, há “benefício econômico obtido”, seja para o autor, seja para o réu, pois a expressão não se limita ao acréscimo patrimonial, abrange também a não-redução/decréscimo patrimonial com os gastos do tratamento

Infelizmente, a 1ª Seção do STJ realizou um julgamento político e culturalmente enviesado, resgatando a lógica anterior ao CPC/15, segundo a qual, nas causas contra a Fazenda Pública, os honorários poderiam ser livremente fixados por equidade (§4º3, art. 20 do CPC/1973).

A Seção do STJ esqueceu-se que o CPC/15 ressignificou a fixação dos honorários por apreciação equitativa, estabelecendo critérios objetivos e excepcionais.

O mais grave, porém, está na inconsistência hermenêutica. Ao fixar a tese do Tema 1.313, o STJ ignorou a ratio decidendi dos votos no Tema 1.076, que definiu serem “causas de valor inestimável” aquelas sem qualquer repercussão patrimonial, como ações de estado, de guarda e outras relacionadas ao estado civil, por exemplo.

As ações de saúde, ao contrário, possuem valor econômico/patrimonial mensurável, como já reconhecido pelo próprio STF no Tema 1.234, ao estabelecer que o valor da causa nas ações de fornecimento de medicamentos não incorporados deve corresponder ao valor anual do tratamento postulado. Se o valor da causa representa o benefício econômico perseguido - como prevê expressamente o art. 292, §3º, CPC -, não é possível sustentar que esse mesmo benefício desapareça ao final do processo para fins de fixação dos honorários. Tal incoerência afronta não só a lógica processual, mas o próprio ideal de justiça remuneratória à advocacia que o CPC/15 buscou implementar.

Conclusão

Os honorários de sucumbência não são uma remuneração acessória, tampouco um favor judicial. São expressão da valorização da advocacia como função essencial à administração da justiça, com natureza alimentar e autônoma. O Código de Processo Civil de 2015, ao consolidar critérios objetivos para a fixação dos honorários, representou um avanço institucional e uma ruptura com o modelo do CPC/73.

Contudo, a plena efetividade desse avanço ainda encontra resistência cultural, hermenêutica e ideológica dentro do próprio Judiciário, que insiste em relativizar a aplicação dos dispositivos legais - especialmente no que se refere ao arbitramento por equidade após o CPC/15.

É dever da advocacia não apenas conhecer, mas proteger suas prerrogativas com rigor técnico e atuação combativa. A previsão de fixação por equidade no art. 85, §8º do CPC/15 busca evitar a perpetuação de práticas que conduzem à fixação de valores irrisórios, incompatíveis com o trabalho desenvolvido e com a função constitucional do advogado.

Mais do que conhecer a lei, é preciso fazer com que ela seja cumprida - inclusive por quem tem o dever de aplicá-la.

Por fim, a decisão da 1ª Seção do STJ ignora a função pedagógica dos honorários, premia a litigância abusiva reversa do Poder Público e prejudica os jurisdicionados hipossuficientes que buscam a tutela jurisdicional para a obtenção de tratamento via SUS, retirando interesse da advocacia qualificada nesse tipo de demanda, o que sobrecarregará as defensorias públicas; evidente prejuízo à administração da justiça!

_______

1 https://www.migalhas.com.br/quentes/421700/juiz-fixa-honorarios-em-r-15-em-acao-contra-plano-de-saude

2 https://www.migalhas.com.br/quentes/345020/advogado-que-ganhou-r-3-50-de-honorarios-consegue-majorar-para-r-500.

3 CPC/73, art. 20. [...]

§4º. Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do parágrafo anterior.

Felipe Caputti Teixeira
Advogado especialista em Direito Público pela Unesa/RJ, bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes (Centro/RJ), Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direito à Saúde - ABA.

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