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Medidas protetivas são unilaterais?

Medidas protetivas podem ser concedidas unilateralmente, mas sua prorrogação exige prova mínima, sob pena de violação a direitos fundamentais.

18/7/2025

Introdução

As medidas protetivas de urgência são instrumentos fundamentais da lei Maria da Penha, criadas para oferecer proteção imediata às mulheres que se declaram vítimas de violência doméstica. Por sua natureza, essas medidas são concedidas com base na palavra da mulher, sem a exigência inicial de provas robustas. Essa característica, amplamente aceita, visa atender à urgência das situações apresentadas e combater a histórica dificuldade de enfrentamento da violência no ambiente doméstico. No entanto, é necessário distinguir entre a concessão inicial e a prorrogação dessas medidas, pois ambas operam em momentos processuais distintos e devem ser tratadas com critérios diferentes, especialmente quando se trata da preservação de direitos fundamentais do acusado.

As medidas protetivas são unilaterais? Sim.

As medidas protetivas são, de fato, concedidas unilateralmente. O sistema jurídico brasileiro admite que, diante da declaração de uma mulher que se apresenta como vítima de violência doméstica, o juiz possa conceder imediatamente medidas de proteção, sem ouvir previamente a parte contrária. Essa forma de decisão busca evitar o agravamento da situação de risco e cumprir agendas internacionais de proteção à mulher.

A concessão unilateral das medidas protetivas não é um erro jurídico. Trata-se de uma necessidade imposta pela urgência e pelo contexto histórico da violência doméstica no Brasil. Exigir provas cabais no momento inicial seria inviabilizar a proteção e, possivelmente, colocar a vida da mulher em risco. É legítimo que, no início, a palavra da suposta vítima tenha um peso relevante para autorizar a concessão das medidas restritivas.

A proteção da mulher que se autodeclara vítima de violência doméstica não é apenas uma escolha legislativa, mas uma política pública afirmativa e uma exigência internacional. O Brasil assumiu compromissos internacionais para combater a violência de gênero e, por isso, criou um sistema de resposta rápida para atender às supostas vítimas. Esse sistema justifica a concessão unilateral das medidas protetivas.

O grande ponto de reflexão está na prorrogação das medidas protetivas. Temos a alegria e ao mesmo tempo a responsabilidade de ter trazido de forma pioneira essa distinção no Brasil. A defesa aqui sustentada é que, enquanto a concessão inicial pode ser unilateral, a prorrogação não pode se basear exclusivamente na vontade da suposta vítima. Após a concessão inicial, o tempo decorrido permite ao Estado reunir elementos mínimos de prova para justificar a manutenção das restrições. Sem essas provas, a prorrogação pode se tornar desproporcional e violar direitos fundamentais.

O argumento principal é que o tempo deve trazer responsabilidades processuais. Se no início é aceitável que não existam provas concretas, após seis meses, um ano ou até dois anos de restrições, é inaceitável que a prorrogação das medidas continue a ser fundamentada apenas no relato da suposta vítima. O sistema jurídico deve exigir a apresentação de elementos mínimos ou evidências concretas que justifiquem a necessidade da manutenção das restrições.

Não se pode esquecer que medidas protetivas impõem restrições severas a direitos fundamentais, como o direito de ir e vir, o direito à convivência familiar e até o direito de propriedade. Por isso, não é razoável admitir prorrogações sucessivas baseadas exclusivamente na declaração da vítima, sem o mínimo de respaldo probatório.

Importante destacar que, mesmo que uma medida protetiva seja revogada por falta de provas para a sua prorrogação, a suposta vítima não perde o direito de solicitar novas medidas caso surja uma nova situação de risco. Isso mantém a lógica de proteção integral sem abrir espaço para restrições eternas e injustificadas contra a parte requerida.

Prorrogar medidas protetivas por longos períodos, apenas com base na vontade da mulher que se autodeclara vítima, gera um desequilíbrio processual grave. Isso coloca em risco a liberdade e outros direitos fundamentais da parte contrária, sem a devida contrapartida de provas. Esse tipo de postura fere princípios constitucionais e pode transformar a exceção em regra.

Conclusão

Medidas protetivas são, sim, unilaterais em sua concessão inicial, e isso é correto dentro da lógica de proteção urgente e integral. No entanto, sua prorrogação deve obedecer a critérios mais rigorosos, exigindo a apresentação de provas mínimas para justificar a continuidade das restrições. A distinção entre concessão e prorrogação é essencial para equilibrar a proteção da vítima e a preservação dos direitos fundamentais do acusado. A manutenção indiscriminada das medidas apenas com base no desejo da suposta vítima desvirtua o sistema jurídico e precisa ser revista com urgência. O equilíbrio é o caminho para garantir Justiça para todos.

Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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