1. Introdução
As MPUs - Medidas Protetivas de Urgência, previstas na lei Maria da Penha, constituem um dos principais instrumentos legais para a salvaguarda da mulher em situação de violência doméstica e familiar. Embora a lei não estipule um prazo fixo de duração para essas medidas, na prática forense é comum que magistrados estabeleçam prazos de seis meses, um ano ou até dois anos para sua vigência. Quando esse prazo se esgota ou após a apresentação da defesa do autuado, geralmente o juízo determina a intimação da suposta vítima para se manifestar sobre o interesse na prorrogação das restrições. Contudo, na maioria das vezes os pedidos de prorrogação são apresentados sem qualquer comprovação da permanência do risco. Diante disso, este ensaio discute os limites e requisitos para a prorrogação das MPUs, destacando a importância de critérios objetivos e da exigência de elementos probatórios mínimos.
2. A ausência de limite legal para a quantidade de prorrogações
Não há, na lei 11.340/06, qualquer dispositivo que imponha um número máximo de vezes em que a suposta vítima pode requerer a prorrogação das medidas protetivas. A ausência desse limite, no entanto, não significa que os pedidos possam ser deferidos de maneira automática ou baseada unicamente no desejo da suposta vítima. O ordenamento jurídico brasileiro impõe que toda medida restritiva de direitos, ainda que de natureza cautelar, seja submetida ao crivo da razoabilidade, proporcionalidade e fundamentação concreta.
3. Diferença entre concessão e prorrogação
É necessário distinguir os requisitos para a concessão das MPUs daqueles exigidos para a sua prorrogação. A concessão, por sua natureza preventiva, pode se dar com base em elementos iniciais e fundar-se na versão da mulher, diante da lógica do in dubio, pro tutela. No entanto, a prorrogação deve ser encarada com mais rigor, tendo em vista o tempo decorrido. Ao contrário da fase inicial, onde há a urgência de prevenir um possível risco, a prorrogação exige a demonstração da continuidade do perigo, especialmente após decorrido o prazo fixado e apresentada a defesa da parte contrária.
4. A exigência de elementos mínimos para a prorrogação
Acreditar que uma medida tão invasiva quanto a protetiva possa ser prorrogada apenas com base no desejo de uma mulher que se autodeclara vítima, em pedido desprovido de fundamentação ou provas mínimas, é afrontar o devido processo legal. Em uma sociedade digitalizada, onde a quase totalidade da população tem acesso a smartphones com recursos de gravação de vídeo, áudio e mensagens, é pouco crível que uma vítima em situação de risco não tenha meios de documentar ou relatar adequadamente os episódios que justificariam a renovação da medida. Portanto, a ausência de qualquer indício de risco real deve ser interpretada como uma forte razão para a revogação das medidas protetivas.
5. A revogação não impede nova concessão em caso de novos fatos
Importa destacar que a revogação de uma medida protetiva não extingue o direito da suposta vítima de solicitar nova proteção, caso surjam fatos novos que evidenciem risco. A proteção estatal não deve ser permanente por mera conveniência de uma das partes, mas sim ser reavaliada constantemente à luz da realidade dos fatos. Dessa forma, não se nega proteção à mulher, mas exige-se responsabilidade na sua continuidade.
6. Riscos da banalização e da perpetuação indevida das protetivas
Permitir que medidas protetivas sejam renovadas indefinidamente sem a devida demonstração de necessidade fomenta o abuso. A perpetuação de medidas com base apenas no desejo da suposta vítima transforma um instrumento emergencial em uma punição estigmatizante e indefinida contra a pessoa que suporta as restrições, que muitas vezes já enfrentou audiência, apresentou defesa e não praticou qualquer novo ato. Tal situação promove uma inversão de garantias processuais e compromete a credibilidade da lei Maria da Penha, no Estado e em suas instituições.
7. Nossa recomendação diante de pedidos frágeis de prorrogação
Em casos de pedidos de prorrogação desacompanhados de qualquer elemento concreto, é recomendável que a defesa se manifeste de forma clara, pontuando a ausência de provas e demonstrando que a situação de risco original não subsiste. Essa resposta não apenas fortalece o contraditório e a ampla defesa, como também auxilia o juiz na correta apreciação do caso, protegendo os direitos fundamentais de ambas as partes.
8. Conclusão
A prorrogação das medidas protetivas de urgência, embora tenha como base a versão unilateral da suposta vítima, não pode ser automática, nem despida de critérios objetivos. É fundamental que os pedidos de prorrogação das protetivas venham acompanhados de elementos mínimos de convicção que demonstrem a permanência do risco alegado. A banalização das protetivas compromete sua função protetiva e fomenta abusos processuais, transformando um mecanismo legítimo de proteção em instrumento de vingança ou disputa pessoal. A busca por equilíbrio entre proteção e garantias processuais deve ser o norte de toda decisão judicial nesse âmbito.