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Tema 1.350 do STJ: A flexibilização das hipóteses de alteração da CDA frente à segurança jurídica

Tema 1.350 do STJ discute se é válida a alteração do fundamento legal da CDA após sua emissão, contrapondo interesse arrecadatório e segurança jurídica.

15/7/2025

Após a constituição definitiva do crédito tributário por meio do lançamento, caso o contribuinte não realize o pagamento da dívida, a autoridade administrativa competente deve, nos termos do art. 201 do CTN, inscrever o débito em dívida ativa.

A partir da inscrição, o Fisco expede a CDA - Certidão de Dívida Ativa, que, segundo a lei de execuções fiscais (lei 6.830/80), é o título hábil a instruir a petição inicial da execução fiscal.

Para que a CDA seja válida e goze da presunção de certeza e liquidez, o art. 202 do CTN e o art. 2.º, § 5.º, da lei de execuções fiscais exigem que ela contenha os seguintes elementos: (i) o nome do devedor; (ii) a quantia devida com a fórmula de cálculo dos juros; (iii) a origem e a natureza do crédito, com a indicação precisa do fundamento legal do tributo; (iv) a data e o número da inscrição; e (v) o número do processo administrativo que originou o crédito.

A inobservância desses requisitos essenciais acarreta a nulidade da inscrição e, por consequência, do processo de execução fiscal. Contudo, o legislador previu a possibilidade de correção do título executivo em determinadas situações.

Essa previsão está disposta no art. 203 do CTN e no art. 2.º, § 8.º, da lei de execuções fiscais, que concedem à Fazenda Pública a faculdade de emendar ou substituir a CDA que contenha vícios formais.

O marco temporal para essa correção, conforme consta dos referidos dispositivos, é a decisão de primeira instância. O STJ, ao julgar o Tema 1661, em conformidade com a sua súmula 392, pacificou o entendimento de que é permitida a substituição da CDA para corrigir erros formais ou materiais até a prolação da sentença dos embargos à execução fiscal, mas vedou expressamente a possibilidade de modificação da materialidade da CDA.

Ou seja, a identidade do devedor e o fundamento legal do tributo indicados na CDA não podem ser alterados com o processo já em curso - trata-se de vício insanável.

Contudo, recentemente, o STJ afetou os REsp. 2.194.708/SC, 2.194.706/SC e 2.194.734/SC, dando origem ao Tema 1.350 para decidir a seguinte questão2: “Definir se, até a prolação da sentença nos embargos, é possível que a Fazenda Pública substitua ou emende a CDA - Certidão de Dívida Ativa, para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito tributário." (g.n.)

A justificativa para a afetação, como apontado nos leading cases, reside no vasto impacto da questão no processo arrecadatório estatal. Busca-se dar contornos mais flexíveis à cobrança dos tributos pela Fazenda Pública, o que pode ocorrer em detrimento do devido processo legal e da segurança jurídica.

Contudo, a segurança jurídica tem como um de seus limites objetivos a noção de estrita legalidade que há (ou deveria haver) no âmbito tributário. A observância do princípio da legalidade serve para conduzir o intérprete a buscar por enunciados prescritivos que tenham sido introduzidos apenas através do veículo introdutor normativo adequado3. Em outras palavras, garante certo grau de previsibilidade e “certeza” em determinadas situações.

Assim, a autorização da modificação da CDA, para além de vícios formais, fere a literalidade do art. 203 do CTN e do art. 2.º, § 8.º, da LEF, gerando insegurança jurídica e, além disso, compromete a própria essência do lançamento tributário.

O lançamento é o ato administrativo que vincula a autoridade administrativa e o contribuinte, no qual se declara a ocorrência do fato gerador e se define a matéria tributável, o montante e o sujeito passivo (art. 142 do CTN).

É necessário pontuar que a CDA é como um espelho que reproduz os termos do lançamento do tributo. Logo, os equívocos que levam à necessidade de alteração do seu fundamento legal, sujeito passivo, nova apuração do débito fiscal com base em outros critérios e modificação da base de cálculo ou alíquota, questionam o próprio lançamento do tributo. Assim, não é possível a sua mera substituição sem que seja revisado o próprio lançamento4.

Ademais, considerando que a CDA corresponde ao veículo de linguagem responsável por fixar e delimitar o conflito entre a Fazenda Pública e o contribuinte, a alteração do seu fundamento legal no curso da execução fiscal significa, na prática, autorizar a alteração da própria causa de pedir.

Em caso de o tema ser julgado de modo a autorizar a modificação da materialidade da CDA, isso desequilibraria ainda mais a paridade de armas processual que há entre o fisco e o contribuinte, que já é, por natureza, vulnerável no ambiente processual.

A decisão a ser proferida pelo STJ no Tema 1.350 definirá não apenas uma mera questão procedimental, mas poderá alterar drasticamente a relação processual Fisco-contribuinte.

A prevalecer a tese da possibilidade de alteração, corre-se o risco de transformar a execução fiscal em um instrumento de cobrança com regras excessivamente flexíveis para o Estado, fragilizando garantias constitucionais e incentivando que eventuais falhas no procedimento de lançamento sejam corrigidas a qualquer tempo, em prejuízo da segurança jurídica para o contribuinte.

_______

1 Tese firmada: A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=166&cod_tema_final=166

2 Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1350&cod_tema_final=1350

3 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 8ª ed. São Paulo: Noeses, 2021.

4 PAULSEN, Leandro; ÁVILA, René Bergmann; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário: Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

Flávio Vieira Campos Silva
Advogado na área de Recuperação Estratégica de Crédito Bancário do Escritório Medina Guimarães Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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