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As disputas antitruste nos esportes chegaram ao basquete britânico

SLB ajuíza ação contra federação britânica por abuso de posição dominante e condutas anticompetitivas, acirrando disputa pela gestão do basquete no Reino Unido.

15/7/2025

Após as disputas antitruste nos esportes1 chegarem ao mercado do futebol2, da patinação do gelo3, das lutas4, do futebol americano5, do tênis6, chegou a vez de o basquete receber em suas quadras o debate concorrencial.

A SLB - Super League Basketball ajuizou, em uma Corte de Londres, ação em face da BBF - British Basketball Federation, alegando (i) violação às normas anticoncorrenciais do Reino Unido; (ii) abuso de posição dominante; e (iii) quebra, por parte da federação, dos seus deveres como órgão regulador do desporto, de agir de forma racional, justa e legal7.

A BBF é a entidade máxima responsável por regulamentar e supervisionar o basquete no Reino Unido, incluindo a organização de competições nacionais, a definição de normas técnicas e disciplinares e a representação do país em âmbito internacional8. Desde 1987, a liga licenciada pela BBF era a BBL - British Basketball League operada pela BLL - Basketball League Limited, a qual representava o mais alto nível do basquete profissional no Reino Unido.

Em junho de 2024, a BBF decidiu encerrar a licença da BLL para operar a liga britânica de basquete. Em sua fundamentação, a BBF destacou que informações financeiras recentes - incluindo acordos firmados pela BLL com alguns de seus maiores credores - demonstrariam que a empresa não teria mais condições de exercer suas funções como operadora da BBL de forma sustentável. Diante do risco de comprometer a estabilidade da liga, o conselho da BBF aprovou, por unanimidade, a rescisão imediata da licença de operação da BLL, enfatizando que medidas provisórias seriam adotadas para proteger os clubes, jogadores e torcedores, além de garantir a realização da temporada 2024-25. Para a BBF, a decisão foi justificada pela necessidade de “proteger os interesses de todos os envolvidos” e assegurar padrões mínimos de governança e transparência financeira, que estariam sendo colocados em xeque desde a entrada da 777 Partners como acionista majoritária da operação.9

A SLB surgiu nesse contexto, em agosto de 2024, a partir da formação de um consórcio de nove clubes10 - muitos deles fundadores e membros históricos da BBL - para organizar a Premier Basketball Limited. O grupo, liderado por Sarah Backovic, diretora do Sheffield Sharks, obteve da BBF uma licença provisória de três anos para administrar a principal competição de basquete profissional do Reino Unido, que agora passaria a se chamar “Super League Basketball”. No início de 2025, porém, a BBF optou revogar a licença provisória que havia sido concedida à SLB, e conceder uma licença de longo prazo (15 anos) para um outro consórcio norte-americano liderado pelo ex-diretor executivo interino da EuroLeague Basketball, Marshall Glickman, para operar o basquete britânico profissional a partir do início da temporada 2025-26. Essa decisão deu início ao que a mídia britânica tem chamado de uma “Guerra Civil” no basquete do Reino Unido11.

Ao passo em que a BBF manteve a licença concedida à Glickman, com o surgimento da nova GBBL - Great Britain Basketball League, os 9 clubes dissidentes da antiga BBL se mantiveram unidos no propósito de dar continuidade à SLB, mesmo sem uma licença concedida pela federação. Os clubes argumentam que, de acordo com o regulamento da FIBA, bastaria o reconhecimento esportivo para que uma liga profissional pudesse operar legitimamente, desde que cumpridos os requisitos técnicos, de governança e de integridade.

Segundo a SLB, a BBF estaria tomando diversas medidas anticompetitivas para impedir a operação independente da liga. Um dos principais pontos levantados na ação é a recusa da federação em emitir os GBEs - Governing Body Endorsements. Os GBEs são documentos indispensáveis para que clubes possam contratar jogadores estrangeiros que dependem de visto de trabalho no Reino Unido. Isto é: sem esses documentos, os clubes ficam impossibilitados de registrar atletas internacionais, o que compromete diretamente sua competitividade técnica, suas receitas de bilheteria e seus contratos comerciais12.

Outro fator apontado pelos clubes foi a decisão da BBF em recusar a inscrição do time Manchester Basketball13 na Basketball Champions League, maior competição internacional de basquete entre clubes europeus (similar à Champions League para o futebol). A federação alegou que não poderia autorizar o clube a jogar na Liga dos Campeões do basquete pois eles não faziam mais parte de uma competição nacional oficialmente licenciada.

De acordo com a SLB, tais práticas seriam uma forma indireta de restrição de mercado, na medida em que o não reconhecimento esportivo e a recusa de autorizações federativas essenciais (como a emissão dos Governing Body Endorsements e a inscrição em competições internacionais) criariam barreiras artificiais de entrada e permanência para os clubes que optaram por não se vincular à nova estrutura licenciada pela BBF à EuroLeague Basketball. Os clubes alegam que, ao realizar tais medidas, a federação estaria apenas abusando de sua posição dominante no mercado do basquete, bem como violando seus deveres como órgão regulador do desporto, de agir de forma racional, justa e legal.

Apesar das possíveis semelhanças entre o caso da SLB e o caso recente do mercado do tênis, tendo em vista disputas envolvendo os órgãos de governança do esportes, uma diferença (dentre outras possíveis) é que enquanto o Djokovic e a Professional Tennis Players Association sustentam que a restrição ao surgimento de novas ligas se daria de forma explícita, através da aplicação de sanções aos jogadores que optassem por aderir às ligas alternativas, os clubes integrantes da SLB defendem que esta restrição estaria ocorrendo de maneira implícita, a partir de decisões administrativas e regulamentares da federação que tornam inviável, na prática, a operação de uma liga concorrente. O julgamento do caso SLB x BBF no Reino Unido será, assim, mais um capítulo do conflito entre governança legítima e arranjos anticompetitivos no esporte, dessa vez capaz de moldar o mercado do basquete inglês.

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1 ATHAYDE, Amanda. FERNANDES, Victor Oliveira. Concorrência e Esportes. Ed. Amanuense, 2024.

2 No caso envolvendo FIFA, UEFA, e a Super League na Europa, a Super Liga questionou judicialmente a regra da FIFA e da UEFA de que os times filiados deveriam ter uma autorização prévia para participar de jogos não organizados por eles, mas jogados em seus territórios. Caso contrário, seria banido de suas competições (Copa do Mundo, Champions League, European Championship, etc.). Para maiores detalhes: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex:62021CJ0333. Ademais, em outro caso contra a UEFA e a Associação Belga de Futebol, a Royal Antwerp questionou as "home grown rules". Para maiores detalhes: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:62021CC0680.

3 No caso envolvendo a International Skating Union (ISU), dois patinadores denunciaram a regra da ISU de que o patinador no gelo incorreria em penalidades se participasse de qualquer competição de skating sem a autorização prévia da ISU. Para maiores detalhes: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex:62021CJ0124

4 No caso envolvendo Ultimate Fighting Championship (UFC), lutadores questionaram dois pontos. (i) O Poder de monopólio - UFC, como principal vendedora de lutas profissionais de MMA ao vivo de elite, tinha a capacidade de - e de fato fez - impedir que seus rivais promovessem lutas profissionais de MMA ao vivo de elite ou transmitissem nos Estados Unidos, na América do Norte e no mundo. E (ii) Poder de monopsônio - UFC impediria ilegalmente a concorrência ou potenciais concorrentes como o principal comprador de serviços de lutadores profissionais de MMA de elite, por meio de contratos de exclusividade, cláusula de "Right to Match" (que permite o direito do UFC de oferecer uma luta por um ano), cláusula de não concorrência, retaliação a atletas que trabalhassem com outras empresas. Para maiores detalhes: https://www.ufcclassaction.com/key-developments.

5 Há diversos casos envolvendo NCAA (National Collegiate student Athletes Associations), que basicamente partem da denúncia de estudantes que foram excluídos de universidades por violação de regras das associações de atletas estudantes ou de órgãos estaduais. No caso de Bewley, questiona-se a restrição ao pagamento para atletas-estudantes para além das "actual and necessary expenses", ou seja, remuneração para jogarem jogos de times profissionais. No caso do Tennessee, questiona-se a restrição à negociação, pelos atletas-estudantes que buscam transferência, de direitos sobre "name, image and likeness (NIL)" com universidades (Tennessee). Por sua vez, no caso de Ohio, questiona-se a proibição de que os atletas-estudantes joguem durante todo um ano acadêmico depois da segunda transferência entre universidades ("Transfer Eligibility Rules") (Ohio). Para maiores detalhes: https://www.ncaa.org/news/2024/7/26/media-center-settlement-documents-filed-in-college-athletics-class-action-lawsuits.aspx

6 Em síntese, 12 tenistas e ex-tenistas profissionais, incluindo nomes como Novak Djokovic e Vasek Popsil, juntamente com a Associação de Jogadores Profissionais de Tênis, ajuizaram uma ação em face das quatro maiores organizadoras do esporte internacionalmente: a ATP Tour, a WTA Tour, a International Tennis Federation e a International Tennis Integrity Agency. Os requerentes alegaram a formação de um suposto cartel entre as operadoras dos torneios, que estariam, segundo eles, conspirando para fechar o mercado do tênis contra a competição externa, mantendo controle completo sobre os jogadores e as suas condições de trabalho. A ação levantou não apenas uma indagação quanto aos requisitos para a análise das legislações concorrenciais no cenário desportivo, como, também, acerca da inserção de cláusulas arbitrais nos regulamentos dos torneios como forma de blindar estes supostos carteis. ATHAYDE, Amanda; ARCURI, Arthur. Quando Djokovic encontra concorrência: tênis e antitruste. Migalhas, 27.03.2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/433047/quando-djokovic-assiste-ao-novo-conflito-da-arbitragem-e-concorrencia. ATHAYDE, Amanda; ARCURI, Arthur. Das quadras de tênis às Cortes: Quando Djokovic assiste ao novo conflito entre arbitragem e concorrência. Migalhas, 23.06.2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/433047/quando-djokovic-assiste-ao-novo-conflito-da-arbitragem-e-concorrencia

7 Veja mais em: https://www.superleaguebasketballm.co.uk/super-league-basketball-commences-legal-action-against-british-basketball-federation/

8 Veja mais em: https://gb.basketball/about/

9 Em dezembro de 2021, a 777 Partners, empresa americana de investimentos privados, com sede em Miami, comprou 45,5% das ações da BLL. A 777 Partners ser tornou conhecida no Brasil pelo caso envolvendo o Clube de Regatas Vasco da Gama: Em síntese, após o clube ter sido transformado em uma Sociedade Anônima de Futebol (SAF) e vendido à empresa americana, surgiram alegações de que a 777 Partners não estaria cumprindo integralmente as promessas de investimento e reestruturação financeira que fundamentaram a operação. CAPELO, Rodrigo. Entenda a guerra entre associação e 777 pelo futebol do Vasco — e como ela inclui venda para Crefisa. Globo Esporte, 2024. Disponível em: https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/2024/05/17/entenda-a-guerra-entre-associacao-e-777-pelo-futebol-do-vasco-e-como-ela-inclui-venda-para-crefisa.ghtml. Relatórios financeiros questionados por conselheiros do clube e atrasos em aportes previstos em contrato levaram a uma guerra jurídica pelo controle da SAF. Link para a decisão judicial que afastou a 777 do controle.

10 Bristol Flyers, Caledonia Gladiators, Cheshire Phoenix, Leicester Riders, London Lions, Manchester Basketball, Newcastle Eagles, Sheffield Sharks e Surrey 89ers

11 DALLERES, Frank. British basketball at war: Clubs split from federation over new league plan. CityAM, 2024. Disponível em: https://www.cityam.com/british-basketball-at-war-clubs-split-from-federation-over-new-league-plan/; HUGHES, Matt. Rival league forges ahead in fresh twist to British basketball’s civil war. The Guardian, 2025. Disponível em:https://www.theguardian.com/sport/2025/may/20/rival-league-forges-ahead-in-fresh-twist-to-british-basketballs-civil-war

12 WETSBY, Nick. British Basketball at war: SLB taking legal action against governing body. The Yorkshire Post, 2025. Disponível em: https://www.yorkshirepost.co.uk/sport/other-sport/british-basketball-at-war-slb-taking-legal-action-against-governing-body-5190561

13 Veja mais em: https://www.manchester.basketball/news/a-message-to-the-manchester-fans

Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

Arthur Romano Arcuri
Bacharelando na Universidade de Brasília (UnB). Diretor do Grupo de Estudos em Direito Empresarial e Arbitragem da UnB (GEA/UnB). Pesquisador voluntário do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nas áreas de arbitragem internacional, direito societário e M&A. Integrante da equipe de Reestruturação e Insolvência do Stocche Forbes Advogados.

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