No domingo, dia 13/7/25, o programa Fantástico, da Rede Globo, apresentou reportagem sobre leilões de terras em Paraty realizados em decorrência de procedimento sucessório do falecido José Maria Pollas. Comerciante português, adquiriu terras naquela região através de leilão realizado pela Receita Estadual em 1936.
Em abril do corrente ano foram leiloadas 32 áreas que compreendem 64 ilhas, terrenos de encosta, praias, montanhas e uma área dentro do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Grande parte dos lotes estão localizados na região de Mamanguá, conhecida como “braço de mar”.
Os caiçaras, população tradicional litorânea da região, habita o local há aproximadamente 200 anos. Há moradores que possuem documentos vinculados ao bem imóvel que data de 1912, fato este que garante ao menos a aplicação da usucapião. Isto é, se os bens alvos do debate forem considerados particulares durante o procedimento judicial em curso.
Além da habitação centenária, a região possui áreas de regime especial de proteção, regras e restrições de ocupação que são severamente respeitadas pelos caiçaras.
Por fim, além da habitação existente, com sociedades bem estruturadas e culturalmente protegidas, e áreas de proteção ambiental, os lotes foram leiloados em valores irrisórios, fato que indica a péssima aquisição realizada pelos arrematantes e a ausência de due dilligence jurídico-imobiliária para evitar problemas.
A ausência do histórico dominial dos lotes é o primeiro problema enfrentado pelos arrematantes. Esta busca revela a progressão de possuidores e proprietários do local, o que poderia evitar danos financeiros.
Quanto ao direito dos caiçaras da região, vale indicar que, a Convenção 169 da OIT protege, nos itens 1 e 2 do art. 3º, os direitos humanos e de liberdades fundamentais para estes povos. Já os arts. 13, 14, 15 e 16 apresentam o conceito de terras e expõe que compreendem a totalidade do “habitat” daquela população.
Além da Convenção 169 da OIT, o decreto 89.242/83 (dispõe sobre a criação da Área de Proteção Ambiental de Cairuçu) definiu áreas de dupla afetação ambiental e o decreto 6.040/07 (Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais) criou o FCT - Fórum de Comunidades Tradicionais que possui apoio da Fiocruz.
Direito dos caiçaras e áreas de proteção ambiental são pontos que afastam a segurança jurídica da arrematação realizada. Todavia, o histórico de conflitos de terras na região entre o interesse fundiário e os povos culturalmente protegidos também deveria ter sido levado em consideração por aqueles interessados em adquirir os lotes.
De acordo com o estudo realizado em 2024, entre 1946 e 1988 ocorreram 56 conflitos entre empreendimentos imobiliários e caiçaras, havendo agravamento com o período da Ditadura Civil-militar. Despejos e marginalizações das populações locais eram frequentes em Paraty.
Assim como, o debate sobre a área se estende com a atuação morosa do STF através da ACO - Ação Cível Originária 586, que ainda perdura por 35 anos sem solução.
Portanto, todos os pontos elencados neste artigo revelam o prejuízo em realizar transações imobiliárias sem qualquer análise prévia dos documentos inerentes à propriedade alvo. A due dilligence jurídico-imobiliária é o caminho crucial para evitar prejuízos e garantir sucesso nas relações negociais.
Importante indicar que o Ministério Público Federal, Advocacia Geral da União e Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ingressaram com meios jurídicos para cancelar os leilões realizados. Assim como, há o desencadeamento de manifestações populares contrárias ao leilão e a morosidade e conivência dos entes federativos.
Para aqueles que adquiriram lotes em Paraty, através dos leilões indicados neste artigo, sobrará a desistência (o que já ocorreu com um dos arrematantes) ou a luta judicial que poderá perdurar por anos. Problemas facilmente sanados com a análise consultiva prévia documental feita por um advogado qualificado.
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BELLO, E.; BENETTE, P. Direitos territoriais caiçaras: a luta por direitos humanos de comunidades tradicionais em Paraty/RJ. Revista de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, v. 5, e2413121, 2024. https://doi.org/10.24220/2675-9160v5a2024e13121. Acesso em 14 jul. 2025.