Se reconhece que a litigância abusiva constitui o verdadeiro calcanhar de Aquiles na advocacia brasileira. De uma forma mais precisa, a advocacia abusiva nada mais é do que o uso inadequado da capacidade postulatória conferida a advogados para obter vantagens com ações infundadas.
Entretanto, ainda não houve reflexão sobre os danos que ela causa a todos que compõe o judiciário: Promovidos, magistrados e advogados que estão em busca de solucionar ações legitimas. Além de prejudicar aqueles que enfrentam demandas infundadas, essa prática compromete a eficiência do Judiciário, desviando recursos que poderiam ser aplicados em processos legítimos. Esse cenário não apenas retarda a resolução de litígios genuínos, mas também gera custos desnecessários que poderiam ser melhor empregados em áreas essenciais. A litigância abusiva não afeta apenas as partes envolvidas, mas desorganiza todo o sistema judiciário, comprometendo sua função social e a confiança da sociedade na Justiça.
Segundo um levantamento feito pela Rede de Inteligência do CNJ, com dados de Tribunais de Justiça de 20 unidades da Federação, os custos dos processos irregulares podem chegar 25 bilhões de reais por ano aos cofres públicos. Atualmente, observa-se uma crescente judicialização, com até os menores conflitos sendo levados ao Judiciário. Tendência que tem o objetivo de adquiri vantagem econômica. Dados do CNJ revelam que, em 2023, o Judiciário brasileiro atingiu um acervo de 83,8 milhões de processos em tramitação, recebendo um volume recorde de 35,3 milhões de novos casos, o que representa um aumento de 9,4% em relação ao ano anterior.
Os órgãos do Judiciário estão cientes da situação e têm adotado medidas para minimizar os impactos causados pela advocacia abusiva. No entanto, ainda não se encontrou a "cereja do bolo" que permita pôr fim a essas práticas de forma definitiva. Ao analisarmos o cenário, percebemos que advogados litigantes buscam uma segunda "via" como forma de se resguardar diante da possibilidade de insucesso em suas ações.
Muitos deles, por exemplo, utilizam-se de pessoas de baixa renda, pois, mesmo que não obtenham êxito, não há imposição de custas judiciais a esses indivíduos. E partindo desse contexto, seria o momento de revisar essa questão. Considerando a possibilidade de, confirmada a litigância de má-fé, o benefício da gratuidade ser revogado, os advogados litigantes passariam a arcar com todas as despesas geradas ao Judiciário por sua demanda.
Quando paramos para analisar, percebemos que não é apenas a quantidade de processos que interfere no funcionamento do Judiciário - a morosidade também se destaca. Os tribunais acabam demandando mais tempo para julgar as ações, muitas vezes porque esses processos parecem “não ter fim”, especialmente diante da ampla possibilidade de interposição de recursos. Afinal, por que não recorrer, se o recurso é “gratuito”? Será que, se essas custas fossem cobradas, o Judiciário enfrentaria o mesmo volume de recursos? E, no caso de comprovada má-fé, se houvesse a revogação da gratuidade da justiça, o advogado ainda assim proporia uma nova ação semelhante?
São questionamentos que, se analisados a fundo, podem gerar respostas e provocar atitudes que merecem atenção, produzindo resultados efetivos e benéficos de forma geral.
Atualmente, a ausência de penalidades - especialmente de natureza financeira - é um dos fatores que contribuem para a sobrecarga processual e para a desconfiança na efetividade do Judiciário. A morosidade tornou-se tão característica do nosso sistema que acaba desmotivando e desestimulando litigantes legítimos. No entanto, muitos não compreendem que o problema não é má qualidade do serviço prestado, mas sim no excesso de processos em tramitação. E nesse contexto, o litigante legítimo é prejudicado onde o maior foco são os setores públicos, bancários e telefônicas.
Apesar do reconhecimento do problema, pouco tem sido feito para conter a litigância abusiva. Algumas medidas contribuem para reduzir o número de ações, como as audiências de conciliação presenciais, exigência de emendas à petição inicial e apresentação de procurações atualizadas, mas nenhuma delas tem sido efetivamente capaz de eliminar a litigância predatória.
A questão central é que o sistema de justiça precisa repensar sua estrutura e reduzir os incentivos que hoje favorecem práticas advocatícias abusivas - como a manutenção da justiça gratuita mesmo diante do reconhecimento da má-fé processual. Não se trata aqui de proibir o benefício da gratuidade ou de dificultar o acesso ao Judiciário, mas de utilizar os mecanismos legais de forma adequada quando houver abuso desse direito.
A imposição de custas e taxas processuais cria a expectativa de que a litigância abusiva diminua, pois apenas quem tem um direito fundado e amparado pela lei se arriscaria a acionar o sistema judicial. A litigância abusiva, desde que devidamente caracterizada, deve ser enfrentada com firmeza, pois representa um prejuízo evidente tanto para o Judiciário quanto para a sociedade.