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A sanção do assédio moral na lei de improbidade administrativa pós-reforma

O artigo trata da sanção do assédio moral como ato de improbidade administrativa após a reforma ocorrida no ano de 2021.

17/7/2025

A lei 8.429/92 que sanciona a prática de atos de improbidade administrativa surgiu no momento que o país havia realizado sua primeira eleição direta para presidente da República, após mais de 20 anos, ter promulgado uma constituição democrática e passar por um processo de combate à corrupção.

O diploma legal acima mencionado buscou incorporar o valor constitucional da moralidade administrativa à gestão pública, especialmente por meio dos conceitos da probidade, nos termos do art. 37, § 4º, da CF/88.

Nesse contexto, o art. 11 do diploma legal em comento, na sua versão original, trouxe a possibilidade da prática de atos de improbidade administrativa em razão da violação dos princípios administrativos, tendo sido sedimentado pelo STJ, jurisprudência no sentido de que as hipóteses previstas nos incisos no referido dispositivo eram somente exemplificativas.

Tal posicionamento possuía pontos positivos e negativos, entre os positivos estava a possibilidade de que condutas danosas à Administração Pública fossem sancionadas. Como ponto negativo podíamos citar a insegurança jurídica causada para o gestor público, que ficava refém da interpretação dos responsáveis pela propositura da ação de improbidade administrativa.

Pois bem, realizada uma breve análise acerca do surgimento da lei 8.429/92, passamos a tratar do ponto central do presente artigo - o assédio moral.

O assédio moral na Administração Pública se refere à conduta abusiva, repetitiva e intencional de um agente público, que causa danos à dignidade e à integridade física ou psíquica de outro servidor, em ambiente de trabalho, vindo a pôr em risco o seu emprego ou degradando o referido ambiente de trabalho.

Tais modalidades de condutas podem se manifestar através de ações, omissões, gestos ou palavras que visam degradar a autoestima, comprometer a saúde mental e prejudicar o desenvolvimento profissional do assediado, a exemplo da perseguição a servidor público subordinado, alterando-lhe a lotação sem motivo justificado, cobranças excessivas, determinação do cumprimento de tarefas impossíveis, provocar o isolamento social, manipulação de informações e divulgação de boatos, entre outras formas.

Praticado pelo gestor público, a conduta era enquadrada no art. 11 da lei 8.429/92 como violadora dos princípios da impessoalidade e moralidade, considerado, portanto, como ato de improbidade administrativa, sem prejuízo das sanções nas demais esferas punitivas.

Nesse sentido, o STJ possui julgados caracterizando a prática de assédio moral como ato de improbidade em razão da violação de princípios, nos termos do art. 11 da lei 8.429/92, a exemplo dos julgados (Ag. no REsp 7.179.170/SP, Ag. no REsp 1.804.136/SE, Resp. 1.219.915/MG e Resp. 1.286.466/RS).

No entanto, com a vigência da lei 14.230/21, que operacionalizou uma verdadeira reforma na lei 8.429/92, trazendo alterações em diversos pontos, principalmente atualizações.

No que se refere ao art. 11 da lei, conforme já mencionado, o STJ entendia que as hipóteses anteriormente elencadas no referido dispositivo eram apenas exemplificativas, no entanto a nova redação do art. 11 trouxe as hipóteses previstas em seu corpo como taxativas, o que acarreta, como consequência, para o tema em análise, a impossibilidade sanção do assédio moral como ato de improbidade administrativa tendo em vista que as hipóteses agora são taxativas.

Dentro desse quadro, constatamos que a alteração da lei 8.429/92, nesse ponto específico, prejudicou o combate ao assédio moral nos órgãos públicos, isso porque, ainda que possa ser sancionado na esfera cível, administrativa e penal, renunciou-se ao seu combate do ponto de vista da probidade administrativa, tão cara ao serviço público, tendo em vista que algumas sanções, a exemplo da impossibilidade de retornar ao serviço público por tempo determinado somente está prevista na lei que trata dos atos de improbidade administrativa.

Ante a importância do combate ao assédio moral, o que hoje já pode ser considerado como uma política pública, tramita no Congresso Nacional, o PL 4.525/21, de autoria do senador Paulo Paim, que “altera o art. 11 da lei 8.429, de 2/6/1992, para incluir entre os atos de improbidade submeter a autoridade pública o subordinado a assédio moral”1, de modo a sanar o vácuo legislativo deixado pela lei 14.230/21, nesse ponto.

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1 www.senago.gov.br

Acácia Regina Soares de Sá
Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT. Integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura - ENFAM.

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