Com a regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil pela lei 13.756/18, posteriormente aperfeiçoada pela lei 14.790/23, inaugurou-se uma nova etapa de regulação jurídica e econômica para o setor. A expansão vertiginosa das plataformas de apostas online, a exemplo de Betano, Bet365, KTO e outras, impôs novos desafios à tutela dos direitos dos apostadores, notadamente quanto a bloqueios de contas, publicidade enganosa, segurança de dados e transparência contratual.
Aposta é consumo
Consolidou-se no Judiciário o entendimento de que a relação entre usuários e operadoras de apostas configura típica relação de consumo. A jurisprudência reconhece que o apostador é destinatário final do serviço, e que a casa de apostas, enquanto fornecedora, deve observar os princípios da boa-fé, informação clara e equilíbrio contratual.
O Juizado Especial de Quedas do Iguaçu/PR, ao julgar o processo 0003048-74.2024.8.16.0140, condenou operadora a restabelecer conta suspensa sem motivação concreta. O juízo identificou que o bloqueio foi imposto após o apostador obter saldo positivo expressivo, sem prévia comunicação ou apresentação de infração contratual. A sentença ainda classificou como abusiva cláusula contratual que autoriza encerramento unilateral da conta, sem contraditório.
Entre o lucro legítimo e a restrição abusiva
A busca pelo lucro é um objetivo legítimo tanto do apostador, quanto da casa de apostas, eis que inerente a qualquer atividade empresarial, inclusive para operadoras de apostas esportivas. Contudo, há uma linha tênue que separa o exercício regular desse direito das práticas abusivas que comprometem a boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo. A jurisprudência tem apontado que práticas como o bloqueio ou encerramento unilateral de contas, especialmente quando realizadas sem justificativa objetiva ou clara, ultrapassam os limites da legalidade. A restrição abusiva geralmente ocorre após apostadores obterem resultados financeiros significativos, configurando-se, em muitos casos, como verdadeira retaliação velada ao sucesso do consumidor. Tal conduta afronta diretamente princípios fundamentais do direito consumerista, como o dever de transparência e a proteção à legítima expectativa dos apostadores. Portanto, é essencial que as operadoras compreendam que seu direito ao lucro não pode servir como justificativa para práticas abusivas que violam os direitos básicos dos consumidores.
Jogo responsável e seus limites
As operadoras justificam muitas vezes os bloqueios com base na política do “Jogo Responsável”, conceito que visa coibir práticas compulsivas e proteger o consumidor vulnerável. Embora legítima em tese, a aplicação genérica desse fundamento tem sido rechaçada pelos tribunais quando não acompanhada de prova de conduta indevida.
No processo 0011658-58.2024.8.16.0131, o Juizado Especial de Pato Branco/PR determinou o desbloqueio do CPF do apostador para novo cadastro, reconhecendo a falha na prestação do serviço por ausência de motivação. Ainda que não tenha sido concedida indenização por dano moral, o juízo reafirmou o dever de transparência e respeito à dignidade do consumidor.
Acesso à Justiça e proteção efetiva
A nova regulamentação impõe às operadoras obrigações claras quanto à identificação do usuário, vínculo entre conta bancária e CPF, e prestação contínua de informações. Apesar disso, continuam frequentes os relatos de encerramentos arbitrários de contas rentáveis, sob justificativas genéricas e sem observância do devido processo contratual. Nesse cenário, a atuação jurídica especializada torna-se fundamental. Apostadores que enfrentam restrições abusivas têm o direito de buscar reparação, seja por meio de medidas judiciais de obrigação de fazer, seja por indenizações por danos morais e materiais.
Ainda, destaca-se a importância das entidades reguladoras no monitoramento contínuo das operadoras. A ANJ - Agência Nacional de Jogos deve atuar de forma firme, aplicando sanções administrativas em casos de descumprimento das normas consumeristas e exigindo relatórios detalhados sobre as práticas internas das empresas quanto aos bloqueios e encerramentos de contas. Este controle preventivo tem potencial para reduzir significativamente a judicialização e aumentar a confiança do consumidor no setor.
Conclusão
A legalização das apostas esportivas no Brasil não pode ser acompanhada de retrocesso nas garantias fundamentais do consumidor. A transparência, o equilíbrio e o respeito à boa-fé devem nortear a atuação das operadoras, sob pena de responsabilização civil. A jurisprudência avança nesse sentido, firmando o entendimento de que lucro não é ilícito, e que sucesso financeiro não autoriza sanção disfarçada em nome da moralização do jogo. Portanto, a proteção jurídica efetiva e o rigor regulatório são pilares essenciais para o desenvolvimento sustentável e ético do mercado de apostas esportivas.