Ao longo de minha trajetória profissional, observei que uma parcela significativa dos clientes que buscam atendimento psicológico é composta por advogados(as) atuantes na área de Direito de Família. Essa constatação levou-me a refletir sobre os motivos que tornam esses profissionais particularmente propensos a quadros de sofrimento psíquico. A resposta, embora multifacetada, revela-se bastante clara: essa área exige do(a) advogado(a) um envolvimento emocional intenso, frequentemente desgastante, o que pode comprometer de forma significativa sua saúde mental.
A atuação na vara de Família expõe o profissional a conflitos interpessoais profundos, frequentemente permeados por sentimentos de frustração, perda, violência emocional e tensão afetiva. Disputas relacionadas à guarda de filhos, pensão alimentícia e partilha de bens evocam emoções intensas não apenas nas partes envolvidas, mas também no(a) advogado(a), que se vê imerso em um ambiente de forte carga emocional.
É importante destacar que o(a) advogado(a), nesses casos, não lida apenas com o ordenamento jurídico, mas também com a dor, o medo, a raiva e a desesperança de seus clientes. Esse impacto é ainda mais acentuado quando o profissional possui vivências pessoais semelhantes não elaboradas, muitas vezes oriundas da infância, adolescência ou de experiências recentes, tornando o processo de envolvimento emocional ainda mais sensível.
Dentre os principais fatores de risco psicossocial associados a essa prática, destacam-se:
- Exposição recorrente ao sofrimento humano e a relatos de violência, abandono e conflitos familiares;
- Ambiguidade de papéis, sendo comumente confundido com conselheiro, mediador ou suporte emocional;
- Sobrecarga empática, que dificulta o necessário distanciamento emocional frente aos casos;
- Pressões por soluções rápidas em questões que envolvem vínculos afetivos e vidas em transformação;
- Ausência de preparo psicológico para lidar com o luto, a frustração e os sentimentos hostis das partes.
Tais condições favorecem o surgimento de sintomas como estresse crônico, ansiedade, esgotamento emocional e, em casos mais graves, quadros depressivos - sobretudo quando o profissional não dispõe de suporte institucional ou não adota práticas sistemáticas de autocuidado.
Mas como mitigar esses impactos e proteger a saúde emocional na prática da advocacia familiar?
Buscar acompanhamento psicológico com profissionais que compreendam as particularidades do exercício da advocacia é um passo importante. Além disso, investir em capacitação em habilidades socioemocionais, participar de grupos de apoio entre colegas para o compartilhamento de experiências e fortalecer o uso de ferramentas extrajudiciais - como mediação, conciliação e advocacia colaborativa - são estratégias eficazes para reduzir o litígio e o desgaste emocional associado.
Também é fundamental estabelecer limites éticos e emocionais bem definidos na relação com os clientes, de forma a evitar que os sentimentos, dores e expectativas alheias sejam absorvidos de maneira prejudicial por quem representa a causa.
Diante de tudo isso, convido você, advogado(a) atuante na área de família, a refletir: qual tem sido sua estratégia para lidar com o estresse inerente à sua atuação? Há espaço em sua rotina para o cuidado com a própria saúde mental? O primeiro passo pode ser reconhecer que, antes de qualquer papel técnico, você também é humano - e merece cuidado.