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Imunidade do ITBI na incorporação de bens para subscrição de capital social

Decisão do STF reconhece imunidade do ITBI para integralização de bens ao capital social, mas permite tributar valor que exceder o capital subscrito.

22/7/2025

Continua a controvérsia sobre a matéria em epígrafe.

Os donos de holdings familiares sustentam a tese de imunidade objetiva, isto é, sempre que a transferência de imóveis ocorrerem para integralizar o capital a imunidade estaria assegurada.

Na verdade, o art. 156, § 2º, I da Constituição Federal prevê dois tipos de imunidade:

a) a imunidade incondicional para as hipóteses de transferência de bens imóveis para integralização do capital; e b) a imunidade condicional para as hipóteses de transferências decorrentes de fusão, cisão, incorporação e extinção  de pessoas jurídicas, hipóteses em que a incorporadora não pode ter como atividade preponderante a compra e venda de imóveis, a locação de imóveis e o leasing.

As duas hipóteses aparecem de forma nítida no dispositivo constitucional citado, sendo que essas hipóteses distintas estão separadas pela conjunção aditiva “nem”.

Durante décadas defendemos a existência dessas duas espécies de imunidade, sem eco na jurisprudência de nossos tribunais que dificilmente estão dispostos a rever posições consolidadas.

Entretanto, na sessão virtual encerrada em 5/8/2020, o ilustrado ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, sustentou a existência de dois tipos de imunidade do ITBI, citando abundantemente a nossa doutrina a respeito.

Decidiu pela imunidade incondicional do ITBI para integralização do capital, mas determinando a tributação do valor excedente não utilizado nas integralizações do capital subscrito (RE 796.376-RG, Tema 796. j. de 5/8/2020).

Seu voto foi seguido pela maioria dos ministros do STF.

Foi o suficiente para uma enxurrada de críticas à lúcida decisão do ministro Alexandre de Moraes que estudou profundamente a questão à luz das alterações constitucionais em relação a essa imunidade tributária, desde a Constituição Federal de 1946 que tributava a incorporação de bens ao capital subscrito; à emenda 18/1965 que estabelecia imunidade condicional do ITBI para integralização ao capital subscrito; e a Constituição de 1967/1968 e 1988 que separou as duas imunidades, sendo a primeira uma imunidade incondicionada e a segunda, uma imunidade condicionada à inexistência de atividade preponderante da incorporadora nas hipóteses de transferências resultantes de incorporação de empresas, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas (figuras societárias previstas na lei de sociedades anônimas).

Só que no caso examinado pelo ministro Alexandre de Moraes sob a égide de repercussão geral (Tema 796) ficou assentada a tese de que:

“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado." 

Claro. Esse RE 796.376, julgado sob égide de repercussão geral, cuidava da integralização do capital social de R$ 24.000,00 ficando a diferença de R$ 778.724,00 escriturada na conta reserva de capital, isto é, não foi integralmente destinada à transferência de bens imóveis para a integralização do capital.

Daí a determinação de tributar a diferença mediante a invocação de nossa posição doutrinária.

Tratou-se de um caso peculiar em que parte dos valores de imóveis não foi utilizada na integralização do capital.

Com base nesse precedente do STF, as municipalidades vêm tributando o excedente confrontando o valor histórico do capital social com o valor real dos bens imóveis transferidor.

Trata-se de um grande equívoco que não tem amparo na jurisprudência do STF, nem na Constituição Federal.

A integralização de bens imóveis pode ocorrer tanto pelo valor histórico consignado na declaração anual do IRPF, como pelo valor de mercado, conforme art. 23 da lei 9.249/1995, pois é indiferente para o fisco.

Se a integralização for feita pelo valor de mercado como querem os fiscos municipais, o capital da sociedade deverá ser atualizado levando em conta os valores dos imóveis incorporados.

O que não pode é confrontar o valor nominal das cotas do capital com o valor de mercado dos imóveis integralizados.

O confronto deverá ser feito entre os valores históricos do capital e dos bens imóveis, ou entre o capital atualizado e os bens incorporados pelo valor de mercado. Isso é lógico! Uma sociedade com capital social baixo ao receber a incorporação de bens imóveis de elevado valor logo terá reflexo na avaliação das cotas pelo seu patrimônio líquido. Onde o prejuízo à municipalidade?

Nesse sentido foi a recente decisão proferida pelo TJ/MT em que ficou reconhecida a imunidade na transferência de seis imóveis de uma mesma família para a empresa, pelo valor histórico. No caso não houve qualquer reserva de capital, pelo que foi aplicado o Tema 796 da repercussão geral do STF (Proc. 0050811.33.2025.8.11.0041).

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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