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Negativa de radiocirurgia a idoso com câncer é considerada abusiva

Juízo do DF confirma liminar que obrigou o INAS-DF a custear radiocirurgia para paciente oncológico de 80 anos, considerando ao final a negativa como abusiva.

23/7/2025

Entenda o caso

A controvérsia teve início com a negativa da operadora ao tratamento prescrito pelo médico assistente. A justificativa apresentada “sem indicação para radiocirurgia pulmonar. Paciente com doença ativa abdominal” revelou-se genérica, descolada das particularidades clínicas do paciente e desprovida de respaldo técnico idôneo.

O procedimento indicado, radiocirurgia extracraniana (SBRT), é reconhecido como técnica moderna e eficaz de radioterapia, recomendada para tumores pulmonares pequenos e localizados, especialmente em pacientes com limitações clínicas à cirurgia invasiva. Sua natureza não invasiva, indolor e de rápida aplicação é, inclusive, fator determinante para indicação em pacientes idosos e fragilizados.

A recusa da cobertura foi fundada na alegada ausência de previsão contratual. No entanto, demonstrou-se já na petição inicial que o procedimento possui cobertura obrigatória nos termos do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, conforme previsto na RN 465/21, Anexo II, que expressamente inclui a radiocirurgia extracraniana - RTC entre os tratamentos obrigatórios.

Tudo isso motivou a busca de sanar a abusividade junto ao Judiciário.

O que entendeu o Judiciário?

Ao apreciar o pedido liminar, nos autos do processo 0723504-03.2025.8.07.0016 - TJ/DFT, o juiz Ernane Fidelis Filho observou que não cabe à operadora de saúde substituir-se ao médico assistente na definição do tratamento mais adequado ao quadro clínico do paciente. Segundo o magistrado:

“Não se justifica a negativa de cobertura fundada apenas na ausência de pertinência, ao ver da auditoria médica do plano de saúde, quando a doença e os tratamentos indicados estão incluídos na cobertura oferecida pelo plano.”

A tutela de urgência foi deferida com base na presença da probabilidade do direito e do perigo de dano irreparável, diante da gravidade da doença e da idade avançada do autor. A sentença proferida em junho de 2025 confirmou integralmente a liminar e reconheceu expressamente a abusividade da negativa imposta pela operadora.

A decisão reafirma importantes premissas consolidadas no STJ: a operadora pode definir quais doenças estão cobertas, mas jamais poderá limitar os meios terapêuticos indicados por profissional habilitado, desde que reconhecidos pela ciência médica e não vedados pela legislação. A jurisprudência também caminha no sentido de responsabilização objetiva da operadora diante de negativas injustificadas, embora, como neste caso, a configuração do dano moral continue a depender da demonstração de consequências mais graves ao segurado.

O caso reforça a importância de atuação técnica e célere na defesa judicial de pacientes oncológicos, sobretudo em contextos que envolvem negativas pautadas em pareceres administrativos desconectados da realidade clínica e da normativa vigente. A proteção da vida e da saúde não pode se submeter à burocracia contratual ou à conveniência econômica das operadoras.

Legislação aplicável

A negativa de cobertura imposta pelo plano de saúde confronta diretamente a legislação vigente que regulamenta a saúde suplementar no Brasil. A principal norma aplicável ao caso é a lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Essa lei garante que os contratos devem assegurar cobertura mínima para os procedimentos constantes do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar.

No caso em questão, o procedimento de radiocirurgia extracraniana (SBRT) está previsto no Anexo II da RN ANS 465/21, o que o torna de cobertura obrigatória por parte da operadora. Assim, a alegação de ausência contratual de cobertura revela-se incompatível com o caráter cogente da norma regulatória, que se sobrepõe à vontade contratual das partes.

Por fim, o CDC (lei 8.078/90) também é aplicável, por se tratar de relação de consumo. A negativa baseada em critérios unilaterais e desprovidos de justificativa técnica suficiente infringe os princípios da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade do consumidor, podendo configurar prática abusiva nos termos do art. 39, IV, da referida lei.

Conclusão

O caso analisado evidencia a persistência de condutas abusivas por parte de operadoras de saúde, mesmo diante de normas regulatórias claras e jurisprudência consolidada. A tentativa de desconsiderar a indicação médica e restringir o acesso a tratamentos reconhecidos pela ANS não apenas afronta o ordenamento jurídico, mas compromete direitos fundamentais à saúde e à dignidade humana.

Embora a sentença tenha afastado a reparação por danos morais, o reconhecimento da abusividade da negativa representa importante reafirmação do dever de cobertura contratual e da proteção do paciente, especialmente quando se trata de pessoa idosa, em condição de vulnerabilidade clínica e social.

O Judiciário, ao intervir, atua como garantidor de um equilíbrio que deveria ser espontaneamente observado pelas operadoras: o de que a medicina deve ser feita por médicos, e o contrato de saúde deve servir ao seu propósito essencial: proteger a vida.

Aline Vasconcelos
Advogada especialista em Direito da Saúde, com 15 anos de experiência na defesa de pacientes contra planos de saúde e na garantia de acesso a tratamentos e direitos essenciais.

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