A “cláusula arbitral”, também conhecida como “cláusula compromissória”, é um ajuste, inserido em um contrato, pelo qual as partes contratantes se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir em decorrência dessa relação.
A submissão à arbitragem, claro, precisa ser livremente convencionada entre as partes.
Mas e se a parte contratante não pôde contribuir para a redação das cláusulas contratuais, restando-lhe apenas aceitá-las, aderir à contratação, no chamado contrato de adesão?
O contrato de adesão é definido pela jurisprudência pátria como aquele “onde a parte aderente aceita condições e cláusulas sem oportunidade para negociá-las” (STJ, REsp 39.638-7/RS, relator ministro Antônio Torreão Braz), e “em que uma das partes é destituída da liberdade de estipular o conteúdo do contrato” (STJ, REsp 628.458/RN, relator ministro Luiz Fux), tendo “como principal característica o fato de ser desprovido de fase pré-negocial, porquanto é elaborado unilateralmente, cabendo à outra parte contratante, que figura na condição de aderente, apenas aceitar as cláusulas padronizadas ali contidas, de modo que não lhe é assegurada interferência no conteúdo do ajuste” (STJ, REsp 1.424.074/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva).
Portanto, o simples fato de a parte contratante não poder contribuir para a redação das cláusulas é suficiente para tornar assimétrico o contrato de adesão, o que justifica a interpretação mais favorável ao aderente, consagrada pela milenar regra de Direito Romano interpretatio contra stipulatorem e incorporada nos arts. 113, §1º, IV, 423 e 424 do CC.
Há quem associe o contrato de adesão exclusivamente à relação de consumo. Esquece, porém, de sua expressa previsão no CC, aplicável também às relações comerciais (B2B), como na maioria dos contratos bancários, securitários e de franquia. Nesse sentido, “o contrato de adesão, mencionado nos arts. 423 e 424 do novo CC, não se confunde com o contrato de consumo” (enunciado 171 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal).
Diante desse contexto, surge a dúvida quanto à validade e à eficácia da cláusula compromissória inserida nos contratos de adesão, seja a relação de consumo ou não, nos quais a parte aderente manifesta seu consentimento por simples adesão às cláusulas predispostas pela parte predisponente, sem possibilidade de negociar seu conteúdo - independentemente da hipossuficiência técnica ou econômica da parte contratante.
A desigualdade inerente a esse tipo de contrato, marcada pela ausência de negociação prévia e pela imposição unilateral das condições, justifica a necessidade de proteção ao aderente.
Por isso, na hipótese de cláusulas ambíguas ou contraditórias, sua interpretação deve ser orientada no sentido de favorecer quem adere ao contrato, conforme determinado pelo art. 423 do CC, plenamente aplicável às relações não-consumeristas.
De igual modo, nos contratos de adesão, as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio são consideradas nulas, nos exatos termos do art. 424 do CC.
Como o óbvio também precisa ser dito, o enunciado 172, aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, reforça que “as cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas de consumo.”
Em tese, a existência, validade e eficácia da cláusula compromissória devem ser analisadas pelo próprio juízo arbitral (princípio da kompetenz-kompetenz), conforme estabelecem os arts. 8º, parágrafo único, e 20 da lei 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem no país.
Todavia, o art. 4º, § 2º, da mesma lei 9.307/19961 condiciona expressamente a eficácia da cláusula compromissória nos contratos de adesão à iniciativa do aderente de instituir a arbitragem ou sua concordância expressa com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
Em síntese, as condições de eficácia da cláusula compromissória nos contratos de adesão, em que o aderente não tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, são:
- A redação da cláusula de arbitragem em negrito e em destaque; e
- A assinatura ou visto do aderente especialmente para a cláusula de arbitragem.
Nota-se que não são condições alternativas, mas, sim, cumulativas.
Consequentemente, para que tenha eficácia, não basta estar escrita em negrito e em destaque. A cláusula compromissória em si precisa também ser assinada ou vistada, sendo clara a intenção do legislador de dar ênfase a essa condição com o emprego do termo “especialmente”. Em outras palavras, a cláusula compromissória deve receber uma assinatura ou visto próprios.
A respeito, deve ser mencionada a jurisprudência do STJ no sentido de que “cabe ao Poder Judiciário, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral ‘patológico’, i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula” na hipótese de não ter sido “conferido o devido destaque, em negrito, tal qual exige a norma em análise; tampouco houve aposição de assinatura ou de visto específico para ela” (REsp 1.803.752/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, julgado em 4/2/20).
A interpretação jurisprudencial deriva, não apenas da redação do art. 4º, § 2º, da lei 9.307/96, mas também de seu art. 8º, que dispõe que “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta”.
Em outras palavras, a autonomia da cláusula compromissória condiciona sua eficácia à concordância expressa da parte aderente mediante assinatura ou visto especialmente para essa cláusula, como um contrato autônomo realmente.
Em vista das disposições mencionadas, é possível concluir que a ausência de aposição de assinatura ou de visto da parte aderente especialmente para a cláusula compromissória embutida no contrato de adesão a torna ineficaz de pleno direito, conforme exigência legal para prevalência da cláusula arbitral.
Em tal hipótese, resta configurado o que a jurisprudência convencionou denominar “compromisso arbitral patológico”, apto a justificar a intervenção do Poder Judiciário para declaração de sua nulidade. Justa solução para uma renúncia antecipada imposta ao aderente, preservando seu direito constitucional de acesso à Justiça.
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1 Lei 9.307/96
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
[...] § 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.