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Mulheres negras no centro da democracia

A presença de mulheres negras no poder é essencial para uma democracia plena. Políticas públicas, leis e ações afirmativas são passos para reparar essa exclusão histórica.

29/7/2025

A democracia brasileira só poderá ser considerada plena quando deixar de ser exceção a presença de mulheres negras em posições de decisão, formulação de políticas públicas e construção de futuros. O 25 de Julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, é uma oportunidade para reafirmar essa urgência. Não se trata de data comemorativa, mas de um marco político, um lembrete de que a igualdade ainda não chegou aonde mais importa.

É perceptível o aumento da participação de movimentos sociais, coletivos e organizações na busca pela inclusão, lutando pelo empoderamento econômico da população afrodescendente, em especial para as mulheres negras. Os mecanismos utilizados para reivindicar direitos e reparação possibilitam avanços reais na pauta pela igualdade racial. Contudo, não se pode ignorar a situação ainda presente de vulnerabilidade social e econômica na vida das mulheres negras no nosso país.

Mulheres negras são facilmente percebidas nas periferias das cidades, nos postos de trabalho informal, nos serviços ofertados pela rede socioassistencial. Ainda recebem os menores salários, enfrentam os maiores índices de violência doméstica, têm menos chances de ascender profissionalmente e são as que mais sofrem com a regressividade do nosso sistema tributário, segundo estudo realizado pela Oxfam Brasil1. Esse retrato em nada se relaciona com meritocracia. Trata-se de consequência direta da sub-representação desse grupo nas esferas institucionais do poder. O racismo, somado ao machismo, impõe barreiras concretas que as políticas públicas, até hoje, não conseguiram romper.

Diante desse cenário, é fundamental que o Congresso Nacional avance cada vez mais na construção de marcos legais que levem em conta a realidade das mulheres negras. A Agenda Legislativa dos Movimentos Negros, organizada pelo Instituto de Referência Negra Peregum2, é um exemplo de como a sociedade civil tem atuado para transformar essa realidade. A publicação apresenta os projetos que impactam a vida da população negra. A iniciativa aponta propostas legislativas que visam combater a violência de gênero e racial (PL 481/25, PL 68/25, PL 2999/22), garantir ambientes de trabalho mais seguros (PL 699/2025) e proteger mulheres negras em espaços de liderança (PL 2540/23), entre outras. Esses projetos não resolvem tudo, mas indicam um caminho possível: o de um Estado que reconhece suas dívidas e se compromete com a mudança social.

Na esteira dos marcos legais necessários para impulsionar mais mulheres negras nos centros de poder, vale citar duas leis novas conquistadas que merecem ser celebradas: a lei 15.177/25 e a lei 15.142/25.

A primeira e mais recente estabelece a reserva mínima de 30% das vagas para mulheres nos conselhos de administração de empresas estatais, determinando ainda que, dentro dessas vagas, 30% deve ser destinada a mulheres negras ou com deficiência. A demanda induzida gerará oportunidades para mulheres negras em conselhos de administração de empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, e também outras companhias em que União, estados, municípios ou o Distrito Federal detenham a maioria do capital social com direito a voto nos próximos três anos, quando a nova regra passará a ser gradualmente implementada.

A segunda lei mencionada amplia a política de cotas no serviço público federal. Pela nova regra, a reserva de vagas de pessoas negras passa de 20% para 30% em concursos públicos, tendo agora incluído também pessoas indígenas e quilombolas. Sabemos que os concursos são porta de entrada de muitas carreiras importantes no Estado brasileiro e essa ação afirmativa apoiará a aceleração desse ingresso.

A Advocacia Geral da União lançou o Programa Esperança Garcia com o Ministério da Igualdade Racial como uma estratégia de mitigação das desigualdades na ocupação de espaços na advocacia pública por pessoas negras, incentivando a participação democrática nos concursos públicos, bem como o fortalecimento e a valorização das políticas de ações afirmativas. Instituto de Referência Negra Peregum foi selecionado em edital de chamamento público para executar o programa em parceria. 

Copo meio cheio de esperança pelas formulações e conquistas, copo meio vazio pela ausência de resultados mais expressivos. Temos que avançar ainda mais.

A democracia se constrói na escuta ativa, na alocação justa de recursos, na proteção à vida e na redistribuição de poder. Abrir espaço é um passo importante e necessário, mas é preciso garantir condições para que mulheres negras permaneçam, floresçam e transformem os lugares que ocupam, o que só será possível com políticas públicas estruturantes e ações afirmativas em funcionamento. Por isso, as lutas por direitos são tão necessárias.

Reparação histórica não é concessão. É justiça. Exige ação coordenada, recursos públicos, legislação robusta e, acima de tudo, compromisso ético com a dignidade humana. É necessário romper com a lógica que naturaliza a ausência de mulheres negras em conselhos, tribunais, secretarias, diretorias, gabinetes e parlamentos. O país que queremos não será construído por uma minoria que fala por todos, mas por uma maioria que, até hoje, mal teve o direito de falar por si.

Assegurar a presença das mulheres negras nos espaços de poder é enfrentar o racismo estrutural com a seriedade que ele exige. O Brasil do futuro, mais justo, democrático e plural, tem mulheres negras no centro do presente.

_______

1 Disponível em https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/arqueologia-da-regressividade-tributaria-no-brasil/#:~:text=A%20publica%C3%A7%C3%A3o%20%E2%80%9CArqueologia%20da%20Regressividade,uma%20elite%20econ%C3%B4mica%20predominantemente%20branca. Acesso em: 27 jul. 2025.

2 Disponível em https://programas.peregum.org.br/agenda-legislativa-de-movimentos-negros. Acesso em: 27 jul. 2025.

Laís de Figueirêdo Lopes
Mestre em Direito pela PUC/SP e Doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra. Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados). Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP e Vice-Presidente do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração, vinculado à Secretaria-Geral da Presidência da República, representando o Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor da PUC/SP.

Janaína Rodrigues Pereira
Mestre em Democracia e Bom Governo pela Universidade de Salamanca. Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados (SBSA Advogados). Atuou na Administração Pública Federal (Ministério do Desenvolvimento Social) e municipal (Prefeituras de Osasco/SP e Campinas/SP) com foco em direito público, CEBAS e direitos das pessoas com deficiência.

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