Migalhas de Peso

IOF: Continuam os equivocados debates sem o exame da lei de regência da matéria, a lei 8.894/1994

A majoração do IOF por decreto exige respeito aos limites da lei 8.894/1994. Debates ignoram que o §1º do art. 153 da CF depende de regulamentação legal.

29/7/2025

O § 1º do art. 153 da CF é norma de eficácia limitada, dependente de sua regulamentação por lei ordinária.

Neste breve artigo faremos uma abordagem estritamente técnica, com serenidade e longe das paixões políticas que tomaram conta nas discussões a respeito.

Dispõe o art. 153, § 1º da CF com lapidar clareza:

- Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

[...]

§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

O Executivo, mediante invocação da lei 8.894/1994 que fixa os limites e condições para a majoração do IOF, por meio do decreto 12.499/25 elevou as alíquotas incidentes sobre o câmbio, o seguro e as operações de crédito omitindo-se quando às operações de valores mobiliários.

A Câmara dos Deputados sustou a aplicação do decreto 12.499/25, por meio do decreto legislativo 176/25, sob o fundamento de que não mais se admite a majoração de tributos. Manteve silêncio sepulcral quanto aos limites e condições estabelecidos na lei 8.894/1994.

Judicializada a matéria perante o STF, o insigne ministro Alexandre de Moraes suspendeu tanto o decreto que aumentou o IOF, como também o decreto legislativo que sustou a majoração do imposto, assinalando o dia 15/7/2025 para conciliação.

A conciliação convocada fracassou, pois nenhuma das partes mostrou disposição de negociar.

Foi, então, que o insigne ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão liminar, validando parte dos aumentos e julgando inconstitucional apenas o aumento do IOF incidente sobre operações de “risco sacado”.

Não houve manutenção parcial do decreto legislativo 176/25 da Câmara dos Deputados como era de se esperar.

Seguiram-se debates apaixonados pelas redes sociais condenando a ação do douto ministro Alexandre de Moraes que teria desrespeitado a decisão soberana da Câmara dos Deputados que sustou o aumento por expressiva maioria.

Total prescindência da invocada lei 8.894/1994

Um importantíssimo aspecto vem sendo subtraído nos debates parlamentares, bem como no âmbito da judicialização, assim como nos comentários feitos pelas redes sociais.

O § 1º do art. 153 da Constituição é norma de eficácia limitada dependendo da sua regulamentação por lei ordinária, para deflagrar os jurídicos efeitos.

Refiro-me aos limites e condições fixados em lei, para o exercício do poder ordinatório. Ninguém tocou nesse assunto importantíssimo e essencial. Será uma prescindência  por desconhecimento da matéria, ou será uma prescindência  proposital? Não sabemos!

De fato, a Constituição Federal no § 1º do art. 153 subordina o aumento por decreto à observância dos requisitos legais, no caso, a lei 8.894/1994, que fixa os limites e condições para o Poder Executivo proceder ao aumento do IOF por decreto, no uso de sua função ordinatória.

Como se vê, esse § 1º do art. 153 da CF não é autoaplicável, mas  totalmente dependente de regulamentação por lei ordinária, no caso, a lei 8.894/1994. É norma que deve ser interpretada, necessariamente, em conexão com a lei de regência da matéria, e nunca, isoladamente.

Fora dos limites fixados na lei 8.894/1994, o aumento do IOF somente poderá ocorrer por via de projeto legislativo, para vigorar a partir do exercício seguinte ao da sanção da lei, em obediência aos princípios da legalidade e da anterioridade tributária (art. 150, I e III, b da CF)

Logo, antes de tudo, impõe-se o exame dessa lei, coisa que nem o Parlamento, nem o Judiciário fizeram e não vêm fazendo até hoje. De igual modo, os comentaristas da matéria vêm omitindo esse importante detalhe.

Tudo isso é muitíssimo estranho, pois, é elementarmente sabido que se a lei fixa limites e condições para aumento do imposto por decreto, a primeira providência do intérprete  deveria ser a de examinar essa lei, para verificar se o aumento ficou ou não dentro dos limites da lei.

Examinemos, pois, a lei 8.894/1994 para constatar que o decreto 12.499/25 extrapolou os limites legais.

Operações de crédito e de valores mobiliários

Art. 1º O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários será cobrado à alíquota máxima de 1,5% ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativos a títulos e valores mobiliários.

[...]

§ 2º O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal.                      

Verifica-se que ficou facultado ao Executivo reduzir ou aumentar as alíquotas do IOF respeitada a alíquota máxima de 1,5%.

E o aumento do IOF ficou rigorosamente dentro dos limites legais.

Nota-se, outrossim, que o Executivo, por esquecimento ou desconhecimento, deixou de alterar a alíquota incidente sobre operações de valores mobiliários que poderia ter seguido o mesmo caminho da elevação de alíquotas das operações de crédito.

Operações de câmbio

Art. 5º - O IOF - Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários, incidente sobre operações de câmbio será cobrado à alíquota de vinte e cinco por cento sobre o valor de liquidação da operação cambial.    

Parágrafo único. O Poder Executivo poderá reduzir e restabelecer a alíquota fixada neste artigo, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal.

A primeira observação que se impõe é a de que em relação ao IOF incidente sobre o câmbio, a lei de regência da matéria não autorizou o Executivo aumentar a sua alíquota, mas, apenas  reduzir e reconduzir à alíquota original.

Ao contrário do que ocorre na hipótese de aumento do imposto nas operações de crédito, nas operações de câmbio a lei de regência da matéria qualificou essa alteração por meio da expressão “ reduzir e restabelecer a alíquota fixada”.

Logo, o aumento da alíquota do IOF incidente sobre o câmbio é ilegal e inconstitucional por desobedecer ao comando constitucional que faz remissão à lei de regência.

Esse importantíssimo aspecto passou ao largo das discussões travadas na Câmara dos Deputados e no STF.  E os comentaristas, igualmente, não se aperceberam desse relevantíssimo aspecto legal.

Operações de seguro

A Constituição facultou à lei possibilitar a alteração da alíquota do IOF incidente sobre as operações de seguro, mas, a lei 8.894/1994 não regulou os limites e condições para o exercício do poder ordinatório pelo Executivo.

Logo, sem fixação dos limites e condições, não há como o Executivo exercitar o seu poder regulatório.

Em consequência, o aumento do IOF incidente sobre as operações de seguro é absolutamente ilegal e inconstitucional. Deixou de majorar o IOF onde era lícito aumentar (operações sobre valores mobiliários) e elevou a alíquota onde não era permito, por ausência de norma regulamentadora.

Se o IOF é um imposto regulatório, pressupõe-se uma lei ordinária traçando os limites e condições para alteração de suas alíquotas por decreto.

Infelizmente, nenhum desses relevantíssimos aspectos abordados neste sucinto artigo, expostos de forma clara e didática, foram apreciados pela Câmara dos Deputados ou pelo insigne ministro Alexandre de Moraes que concedeu a medida liminar no bojo da ADC 96, para validar a maior parte dos aumentos do IOF.

Considerações finais

Os debates ficaram no plano meramente  teórico e abstrato, para saber se o aumento do imposto tem natureza arrecadatória, ou se situou no plano da regulamentação dos setores alcançados pela elevação de alíquotas, com total prescindência das disposições da lei 8.894/1994 que cuida da matéria.

Com todas as vênias, os debates em torno da natureza arrecadatória ou regulatória do aumento do IOF estão totalmente prejudicados à medida que o governo, por meio de seu Ministro da Fazenda, Sr. Fernando Haddad, reafirmou categoricamente que o aumento é necessário para cobrir as despesas públicas, e não para regular setores desorganizados por acontecimentos atípicos, a exigir pronta intervenção do governo. Aliás, esses acontecimentos atípicos não ocorreram quer no plano interno, quer na órbita internacional.

É preciso que o Plenário do STF, a quem cabe julgar em definitivo por força da cláusula de reserva do Plenário (art. 97 da CF), analise o § 1º do art. 153 da CF em conexão com a lei 8.894/1994 que  confere eficácia ao preceito constitucional referido.

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Autonomia patrimonial e seus limites: A desconsideração da personalidade jurídica nas holdings familiares

2/12/2025

Pirataria de sementes e o desafio da proteção tecnológica

2/12/2025

Você acha que é gordura? Pode ser lipedema - e não é estético

2/12/2025

Tem alguém assistindo? O que o relatório anual da Netflix mostra sobre comportamento da audiência para a comunicação jurídica

2/12/2025

Frankenstein - o que a ficção revela sobre a Bioética

2/12/2025