O prontuário médico-veterinário é atualmente, considerado o principal documento da medicina veterinária, com vasta aplicação, ênfase no diálogo entre profissionais do setor, diálogo entre veterinários e consumidores pet, perícias judiciais envolvendo possível erro médico-veterinário e nas questões criminais.
Nessa perspectiva, elaborar, preencher e entregar no prazo correto o prontuário, é premissa do profissional que se preocupa com a eficiência da prestação de serviço, assegurando o registro das informações que demonstre a boa aplicação técnica do ato médico e questões éticas e jurídicas, às quais os profissionais estão obrigados, bem como, uma preocupação do consumidor pet sua entrega, a fim de assegurar seu direito à informação clara, objetiva e compreensiva e o bem-estar do paciente.
A obrigatoriedade da elaboração e entrega do prontuário foi preconizada no Código de Ética do Médico-Veterinário em vigor desde 2017, disciplinada através da resolução 1.321/20 do CFMV, a qual institui normas sobre os documentos no âmbito da clínica médico-veterinária, expressando em seu art. 9º, informações que devem conter o documento.
Contudo, a resolução supra é motivo de constante questionamento entre profissionais do setor, juristas e consumidores pet, razão pela qual, o CFMV elaborou, e, publicou no último dia 2/7/25 a resolução 1.653/25, em vigor desde então, que trata questões sensíveis com mais clareza, buscando maior segurança jurídica aos envolvidos, o que fez necessário, a alteração dos incisos III e VIII, dos parágrafos 1º e 2º e a inserção do inciso X no art. 9º da resolução 1.321/20, o que tem causado repercussão, o que requer atenção e comparação entre as resoluções, vejamos:
A alteração do inciso III, apenas muda a nomenclatura do proprietário ou tutor do animal para responsável pelo animal, o que deve causar para alguns, uma pequena alteração na ficha de cadastro, mantendo-se a obrigatoriedade de registro do relato e informações prestados pelo responsável pelo animal no prontuário:
Resolução 1.320/2021 art. 9º, inciso III:
III - relatos e informações prestados pelo proprietário ou tutor do animal;
Resolução 1.653/25, que alterou o inciso III, art. 9º da resolução 1.321/20 para:
III - relatos e informações prestados pelo responsável pelo animal;
Lembrando que, a resolução 1.321/20 traz em seu bojo, no art. 2º, inciso XI, o conceito de responsável pelo animal “toda pessoa capaz, civilmente identificada, que encaminhe animal(is) para os serviços veterinários”.
No inciso VIII, a resolução 1.653/25, expressa a necessidade do registro de procedimentos realizados no animal ser mais detalhada, pois alguns registros não estavam sendo realizados de forma a prestar a informação, clara, objetiva e compreensiva sobre a evolução diária do paciente, o que causava alguns problemas:
Resolução 1.320/21 art. 9º, inciso VIII:
VIII - procedimentos realizados no paciente.
Resolução 1.653/25, que alterou o inciso VIII, art. 9º da resolução 1.321/20 para:
VIII - procedimentos realizados no paciente com sua evolução diária, com data, hora e discriminação de todos os procedimentos aos quais o mesmo foi submetido, com identificação dos profissionais responsáveis pela sua realização (nome completo e número de inscrição no CRMV)
Ainda sobre os incisos do art. 9º, houve a inserção do inciso X, que trata sobre a obrigatoriedade de constar no prontuário cópia impressa ou digitalizada dos exames, obrigação esta que já era expressa na resolução 1.321/20, só que no § 2º, que atualmente disciplina o extravio do prontuário, como veremos adiante:
Resolução 1.321/20, § 2º:
§ 2º Uma cópia impressa ou digitalizada de cada exame complementar clínico-laboratorial especializado ou de imagem deve ser sempre anexada ao prontuário do animal.
Resolução 1.653/25, que inseriu o inciso X no art. 9º da resolução 1.321/20:
X - Cópia impressa ou digitalizada de cada laudo de exame complementar clínico laboratorial especializado ou de imagem
Ou seja, as alterações dos incisos III, VIII e a inserção do inciso X no art. 9º, não demonstra nenhuma mudança que acarrete muitos ajustes no dia a dia da medicina veterinária, principalmente para aqueles que preenchem o prontuário visando prevenção ética e jurídica, porém, as alterações dos §§ 1º e 2º do art. 9º, exigem maior atenção e cautela, vejamos:
A resolução 1.321/20 expressava no § 1º, que após solicitação expressa do prontuário pelo tutor, responsável ou proprietário do animal, a entrega deveria ser imediata.
Logo a resolução 1.653/25 disciplinou a questão de forma mais ampla, expressando que, o prontuário deverá ser solicitado de forma presencial ou por meio físico ou eletrônico, pelo responsável pelo animal, constante da ficha de cadastro do estabelecimento ou por pessoa expressamente autorizada por ele, desde que seja passível de conferência de autenticidade da identidade do requerente, ou seu procurador constituído na forma da lei, devendo ser entregue mediante comprovante de recebimento, no prazo, em regra, de até 5 dias úteis.
Contudo, vale destacar que, a resolução em comento não expressa que o prontuário não mais precisará ser entregue de imediato, a resolução apenas estendeu o prazo, cabendo ao profissional estipular o prazo necessário, entre imediato ou até 5 dias úteis, conforme o caso.
Afinal, muitas vezes a solicitação do prontuário, visa, que o paciente possa seguir tratamento/procedimento com outro profissional, o que fará o prazo de entrega ser estipulado com cautela, principalmente para casos considerados uma emergência ou urgência, as quais outro profissional dependa das informações do prontuário, a fim de prescrever tratamento que entender mais adequado e que necessite o paciente.
No mais, a resolução permite ainda, que o prazo para entrega seja estendido em até 30 dias úteis, se por algum motivo não for possível a entrega em até 5 dias úteis, desde que, de forma justificada e escrita pelo responsável técnico, e então, digamos, a alteração mais problemática.
Primeiro, tanto o profissional como o consumidor pet, precisa compreender que o responsável técnico não será necessariamente o profissional que atendeu o animal, mas sim, o profissional da medicina veterinária que possui anotação de responsabilidade técnica junto ao Órgão de Classe, que poderá ser consultado no site do CFMV https://siscad.cfmv.gov.br/paginas/busca.
Nessa perspectiva, o RT, terá a função única e exclusiva de realizar a justificativa escrita para o responsável pelo animal, da razão pela qual o prontuário será entregue em até 30 dias úteis, mas quem deverá, elaborar e assinar o registro das informações no prontuário, continua sendo o médico-veterinário que realizou o ato médico.
Ademais, a justificativa deverá ser aceitável no tripé, protocolos da literatura da medicina veterinária, ética e jurídica, resguardando a informação clara, objetiva e compreensiva ao responsável pelo animal, de forma a não causar óbito prematuro ou dano ao animal e/ou ao seu responsável.
Destacando que, todos os documentos emitidos pelo médico-veterinário compõem o prontuário, logo, na hipótese do estabelecimento, o qual foi solicitado o prontuário, ter intermediado a realização de exame do paciente com terceiros, como laudos de tomografia computadorizada, exames histopatológicos e outros, a entrega deverá ser realizada em até 30 dias úteis, contados a partir do protocolo do pedido do prontuário.
Porém, caso o estabelecimento, o qual foi solicitado o prontuário, não tenha intermediado a realização do exame, tenha “apenas” requisitado, e a contratação se deu pelo responsável pelo animal, o resultado deverá ser solicitado no local que realizou o exame pelo próprio responsável pelo animal.
Claro e evidente que, utilizar o prazo para entrega do prontuário em até 30 dias úteis, exigirá responsabilidade e parcimônia, a fim de evitar imbróglio com o responsável pelo animal, a falta de diálogo assertivo e/ou a falha, provavelmente ocasionará maior incidência da judicialização e reclamações nos Órgãos de Classe, por dois vieses, justificativas realizadas por quem não é RT nos termos das normas dos Conselhos Federal e Regional, e se, a justificativa apresentada é aceitável, lembre-se a prestação de serviço da medicina veterinária é uma relação de consumo, regida também pelo CDC.
Resolução 1.320/21 art. 9º, § 1º
§ 1º A solicitação expressa, pelo proprietário, responsável ou tutor do animal, de cópia de prontuário clínico deve ser atendida de imediato
Resolução 1.653/25, que alterou a redação do §1º e inseriu as alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e” e “f”, no art. 9º da resolução 1.321/20:
§ 1º A solicitação expressa, pelo responsável pelo animal, de cópia de prontuário médico-veterinário deve ser atendida na forma deste parágrafo e nos seguintes prazos:
a. Prazo para a entrega das cópias do prontuário médico-veterinário em papel ou em formato digital será de até 5 (cinco) dias úteis contados a partir da data do protocolo do pedido.
b. Se, por algum motivo, este prazo não puder ser cumprido, o Responsável Técnico deverá garantir a emissão, por escrito, de justificativa à parte interessada estabelecendo um novo prazo que não poderá ultrapassar os 30 (trinta) dias úteis, contados a partir da data do protocolo do pedido.
c. O prazo para o fornecimento de cópias de exames realizados por terceiros, cuja contratação do serviço foi realizada pelo próprio estabelecimento, tais como laudos de tomografia computadorizada, exames histopatológicos e outros, a entrega deverá ser realizada em até 30 (trinta) dias úteis, contados a partir do protocolo do pedido do prontuário.
d. O resultado dos exames contratados diretamente pelo responsável pelo animal em estabelecimentos terceiros devem ser por ele solicitados ao responsável técnico do estabelecimento onde foi executado o serviço.
e. O prontuário poderá ser solicitado pessoalmente ou por meio físico ou eletrônico, desde que seja passível de conferência de autenticidade da identidade do requerente, ou seu procurador constituído na forma da lei, devendo ser entregue mediante comprovante de recebimento.
f. Visando preservar o sigilo, o pedido de fornecimento de cópia do prontuário médico-veterinário somente poderá ser feito pelo responsável pelo animal constante da ficha de cadastro do estabelecimento ou por pessoa expressamente autorizada por ele
Outra questão sensível e que está gerando questionamento principalmente dos consumidores pets, é o fato da resolução disciplinar o extravio do prontuário, o que deve ser tratado com cautela, evidente a possibilidade do estabelecimento da medicina veterinária ou do profissional sofrer roubo, furto, ou até mesmo um ataque “hacker”, que cause o extravio do prontuário, por isso a necessidade de disciplinar a situação, sem qualquer incentivo, ou sinônimo de uma possibilidade para o profissional “enganar” o responsável pelo animal, como foi tratado por alguns em rede social.
Até porque a resolução traça a obrigatoriedade da comunicação do fato ao responsável pelo animal, além do registro e ciência no novo prontuário elaborado, e, em caso de suspeita de roubo, furto ou outra situação criminal, o RT deverá lavrar o Boletim de Ocorrência na delegacia policial e/ou comunicar o fato ao Conselho Regional de Medicina Veterinária competente.
Lembrando que, numa visão jurídica o extravio demanda a lavratura do B.O em qualquer circunstância e comunicar a situação somente ao Órgão de Classe, será um risco no compilado jurídico.
Além de que, na prática, caso ocorra o extravio, a presunção de veracidade das informações registradas no novo prontuário, provavelmente terá sua eficácia relativizada e questionada numa possível judicialização.
Ou seja, nenhum profissional utilizará o comunicado de extravio do prontuário, sem a devida necessidade, pois se assim o fizer, poderá sofrer consequências éticas e jurídicas na medida.
Resolução 1.320/21 art. 9º, § 2º:
§ 2º Uma cópia impressa ou digitalizada de cada exame complementar clínico-laboratorial especializado ou de imagem deve ser sempre anexada ao prontuário do animal.
Resolução 1.653/25, que alterou o § 2º do art. 9º da resolução 1.321/20 para:
§ 2º Em caso de extravio do prontuário, o Responsável Técnico deverá:
I - Comunicar o fato ao responsável pelo animal;
II - Elaborar novo prontuário, onde anotará a ocorrência de extravio do anterior, bem como registrar que o responsável do animal teve ciência do ocorrido;
III - Em caso de suspeita de roubo, furto ou outra situação criminal, deverá registrar o fato mediante um Boletim de Ocorrência na Delegacia Policial; e/ou
IV - Comunicar o fato ao Conselho Regional de Medicina- Veterinária competente
Como se vê, no comparativo de texto entre a resolução 1.321/20 e 1.653/25, ambas do CFMV, as alterações necessitam de cautela e atenção, ênfase ao § 1º, a fim de evitar uma maior incidência da judicialização da medicina veterinária e reclamações nos Órgãos de Classe, embora não apresente uma mudança consubstancial, sua interpretação ou aplicação equivocada poderá causar celeumas.