1. Introdução
A lei Maria da Penha foi concebida para proteger mulheres em situação de vulnerabilidade. Dentro desse arcabouço legal, as medidas protetivas funcionam como instrumentos de prevenção, muitas vezes concedidas sem que o homem intimado tenha sequer a chance de apresentar defesa prévia. Em casos assim, a simples tentativa de restabelecer contato - mesmo que pacífica, amorosa ou aparentemente inofensiva - pode ser interpretada como descumprimento da ordem judicial e gerar efeitos jurídicos graves. Este ensaio examina um caso paradigmático, demonstrando que, sim, a situação do homem pode ser drasticamente agravada com base em seus atos após a intimação, mesmo que tenham sido motivados por arrependimento ou falta de compreensão jurídica.
2. A intimação das protetivas e a falsa sensação de normalidade
É comum que homens intimados de medidas protetivas minimizem seus efeitos. Muitos acreditam que não ameaçar a suposta vítima é o bastante para não infringirem a decisão judicial. Foi exatamente o caso de um cliente que, após ser intimado das medidas que lhe proibiam de se aproximar e manter contato com a suposta vítima, entendeu - erroneamente - que ainda poderia expressar sentimentos positivos e enviar presentes como forma de reconciliação.
2.1. O gesto de afeto que virou transgressão
Movido por culpa e desejo de reatar, e após ser intimado das medidas protetivas, o cliente nos contou que enviou flores, chocolates e mensagens amorosas. Não havia qualquer intenção de causar mal, ameaça ou constranger a suposta vítima. Relatou que sua intenção era nobre: pedir desculpa e buscar a reconciliação. No entanto, não sabia ele que qualquer ato de contato, independentemente do teor, configura descumprimento direto da ordem judicial, já que as protetivas são absolutas quanto à proibição de qualquer forma de comunicação, mesmo que bem-intencionada.
2.2. O que vale é a ordem judicial, não a intenção
Na prática jurídica, a intenção nem sempre é suficiente para afastar a materialidade de uma infração. Ainda que o cliente tenha agido de boa-fé, sem oferecer risco à suposta vítima, o simples contato foi interpretado como violação das medidas protetivas. A suposta vítima reuniu as provas e as apresentou ao juízo, que, diante do quadro, atendeu ao pedido do Ministério Público para instauração de inquérito policial por violação ao art.24-A da lei Maria da Penha.
2.3. As consequências jurídicas da imprudência
As consequências para quem descumpre medidas protetivas, ainda que esteja imbuído de boas intenções, são graves:
- Prorrogação da vigência das medidas protetivas por mais tempo do que se não houvesse o descumprimento;
- Instauração de inquérito policial;
- Possível denúncia criminal por descumprimento das medidas, crime com pena de 2 a 5 anos de reclusão;
- Risco real de prisão preventiva ou imposição de monitoramento eletrônico.
Ou seja, por um único ato impensado, o cliente transformou uma situação gerenciável em uma crise judicial com riscos concretos de encarceramento.
2.4. O erro comum de não contratar advogado
Outro fator que contribuiu para o agravamento da situação foi a ausência de assessoria jurídica especializada. O cliente, como tantos outros, acreditou que bastava “cumprir” a decisão judicial e que não haveria necessidade de contratar advogado. Esse erro custou caro. Um profissional experiente teria orientado com clareza sobre os limites da decisão e alertado para os riscos de qualquer forma de contato.
2.5. A justiça é objetiva, não subjetiva
Muitos acreditam que o juiz entenderá suas intenções ou relevará gestos afetivos. Isso é um engano. O sistema de justiça atua com base na objetividade da norma e da conduta praticada. Descumpriu a ordem? Está sujeito às sanções, independentemente de ter “agido por amor” ou não ter compreendido o alcance da decisão.
2.6. Uma lição que serve de alerta
Esse caso não é isolado. É o retrato de dezenas de situações similares em que a ausência de orientação e a subestimação do risco transformam homens comuns em réus criminais. Por isso, a principal lição é: não entre em contato com a suposta vítima em nenhuma hipótese após ser intimado de medidas protetivas. Nem por mensagem, nem por intermediário, nem com flores, nem com “bom dia”. A ordem judicial não faz distinção entre gestos violentos ou afetuosos: contato é contato.
2.7. Conclusão
Sim, o juiz pode - e frequentemente o faz - agravar a situação jurídica do homem intimado com base em sua própria conduta, especialmente se descumprir a ordem protetiva, ainda que motivado por amor, arrependimento ou desconhecimento. O sistema jurídico brasileiro, principalmente no âmbito das medidas protetivas da lei Maria da Penha, opera de forma rígida e implacável quando há desrespeito à decisão judicial. Essa rigidez é usada como instrumento de coerção, e o não cumprimento, por mais ingênuo que pareça, acarreta sérias consequências. Portanto, a orientação correta é simples e direta: cumprir integralmente a medida e procurar imediatamente um advogado.