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Reforma tributária 44: Tributação dos serviços financeiros

Texto inicial para introduzir o debate sobre o regime diferenciado do setor financeiro.

28/8/2025

Uma das grandes novidades da reforma tributária, ainda que menos debatida do que a tributação sobre imóveis, é a incidência do IBS/CBS sobre os serviços financeiros. Parte desses serviços saiu da tributação do IOF - Imposto sobre Operações Financeiras, que também perdeu a tributação sobre seguros. Assim, de acordo com o art. 181 da LC 214/25, os serviços financeiros passam a estar sujeitos a regime específico de incidência do IBS e da CBS.

A tributação dos serviços financeiros tem variados impactos na economia. A princípio, com a ampliação dos custos dos serviços de crédito, toda a cadeia produtiva se torna mais cara. No entanto, o debate sobre a tributação desses serviços, tanto no Brasil quanto no cenário internacional, já tem algumas décadas. François Chesnais já abordava a necessidade de tributar o segmento há mais de 20 anos, no livro A Mundialização do Capital.

Diversamente do que pensava Chesnais, não será o sistema financeiro que pagará a conta, mas a sociedade. Vejamos a solução que o legislador brasileiro conferiu ao tema.

1. Serviços financeiros tributados por IBS/CBS

A lista dos serviços financeiros sujeitos à tributação é extensa. Consideram-se serviços financeiros:

I - operações de crédito, incluídas captação e repasse, adiantamento, empréstimo, financiamento, desconto de títulos, recuperação de créditos e prestação de garantias, excetuando-se a securitização, faturização e liquidação antecipada de recebíveis de arranjos de pagamento;

II - operações de câmbio;

III - operações com títulos e valores mobiliários: aquisição, negociação, liquidação, custódia, corretagem, distribuição, intermediação, consultoria e assessoria;

IV - operações de securitização;

V - operações de faturização (factoring);

VI - arrendamento mercantil (leasing), operacional ou financeiro, e serviços relacionados;

VII - administração de consórcio;

VIII - gestão e administração de recursos, inclusive fundos de investimento;

IX - arranjos de pagamento e liquidação antecipada de recebíveis;

X - atividades de administradoras de mercados organizados e depositárias centrais;

XI - operações de seguros (exceto saúde);

XII - operações de resseguros;

XIII - previdência privada, aberta e fechada;

XIV - operações de capitalização;

XV - intermediação de consórcios, seguros, previdência complementar e capitalização;

XVI - serviços de ativos virtuais.

De acordo com o art. 183 da LC 214/25, os serviços financeiros ficam sujeitos ao regime específico se prestados por pessoas físicas e jurídicas supervisionadas pelos órgãos do Sistema Financeiro Nacional. Entre essas entidades, estão:

Essa longa lista de instituições e operações sujeitas à tributação indica que poderá haver aumento no custo das transações entre fornecedores e consumidores. Os efeitos reais no mercado serão mais perceptíveis a partir de 2027, com a entrada em vigor da CBS.

Chama a atenção a incidência sobre demais fornecedores que prestem serviços financeiros:

a) no desenvolvimento de atividade econômica;

b) de modo habitual ou em volume que caracterize atividade econômica;

c) de forma profissional, ainda que a profissão não seja regulamentada.

2. Hipóteses legais anômalas

Parece que o legislador busca tributar até mesmo empréstimos realizados por pessoas físicas - prática que, em muitos casos, se aproxima da agiotagem. Lembre-se que, para fins penais, a lei 1.521/51 trata do crime contra a economia popular. Independentemente disso, haverá incidência tributária nessas composições anômalas de empréstimo.

O art. 184 prevê que serão tributados os serviços prestados exclusivamente por instituições bancárias, remunerados por tarifas e comissões, como:

São consideradas instituições financeiras bancárias os bancos e as caixas econômicas. Também se incluem os serviços de contas pré-pagas e pós-pagas prestados por instituições de pagamento.

Essas hipóteses indicam que poderá haver aumento imediato no custo de circulação da moeda.

3. Qual será a base de cálculo?

A base de cálculo do IBS e da CBS no regime específico será composta pelas receitas das operações.

Prejuízos do sistema bancário decorrentes de inadimplência, pagamento de seguros, entre outros, comporão a base de cálculo se as respectivas provisões ou baixas de crédito tiverem sido previamente deduzidas.

As deduções são restritas às operações autorizadas por órgão governamental, desde que realizadas dentro dos limites operacionais legais. É vedada a dedução de despesas administrativas.

Ainda haverá intenso debate sobre a base de cálculo: por exemplo, se as reservas técnicas das seguradoras e entidades previdenciárias serão incluídas ou não.

Conclusões

_______

Referências

BRASIL. Lei Complementar n.º 214, de 30 de abril de 2025. Dispõe sobre o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) nos termos da Emenda Constitucional n.º 132, de 2023. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 2 maio 2025.

BRASIL. Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951. Define os crimes contra a economia popular. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 1951.

CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

Rosa Freitas
Doutora em Direito pelo PPGD/UFPE, advogada, professora universitária, Servidora pública, , palestrante e autora do livros "A nova Dogmática da tributação.dos Serviços no Brasil" e outros.

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