1. Introdução
O PL 5.355/19, de autoria do deputado Federal Bosco Costa PL/SE, pretende conceder isenção de IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados para mulheres vítimas de violência doméstica na compra de veículos. Embora a proposta tenha um viés de proteção e incentivo à autonomia feminina, ela peca por oferecer uma solução superficial para um problema estrutural e complexo. Ao invés de enfrentar as causas da violência doméstica, cria-se uma medida que abre brechas para fraudes, distorce o foco do enfrentamento e pode ser usada politicamente sem resultados práticos. Este ensaio analisará criticamente os principais aspectos do projeto.
2. Análise crítica do PL
O projeto baseia-se em argumentos frágeis. Um deles é a alegação de que mulheres dirigem melhor que homens, o que não possui respaldo técnico como critério para isenções fiscais, muito menos com o enfrentamento da violência doméstica. Outro argumento é a diferença salarial entre homens e mulheres, o que de fato é um problema social sério, mas que não se resolve com benefícios tributários específicos sem controle eficiente.
A proposta prevê que a mera condição de vítima de violência doméstica - comprovada por uma medida protetiva - já seria suficiente para o acesso ao benefício. Entretanto, as medidas protetivas podem ser concedidas com base apenas na palavra unilateral da mulher que se autodeclara vítima de violência doméstica, sem necessidade de comprovação naquele momento inicial. O projeto não exige sentença condenatória transitada em julgado, o que fragiliza a segurança jurídica da concessão.
O texto do projeto não esclarece questões fundamentais, como: a isenção seria vitalícia ou teria um prazo de validade? Caso a suposta vítima e o suposto agressor se reconciliem, o benefício seria revogado ou estendido? A falta de definição cria insegurança jurídica e abre margem para abusos e situações paradoxais.
A possibilidade de obtenção de um benefício econômico apenas com base na alegação inicial de violência doméstica pode incentivar o aumento de falsas denúncias ou a formação de esquemas fraudulentos. Casais poderiam se organizar para simular casos de violência visando obter isenções fiscais. A ausência de mecanismos de controle eficientes torna o projeto perigoso e vulnerável à má-fé, estimulando a indústria dos benefícios, com o aumento exponencial do número de situações fraudulentas de violência doméstica.
Infelizmente, projetos como este tendem a servir mais como plataformas de autopromoção do parlamentar e de sua sigla partidária do que como ferramentas efetivas de enfrentamento da violência. A pauta da violência de gênero, por sua grande repercussão social, tem sido cada vez mais capturada para fins eleitorais. Criar propostas que soam bem ao público feminino, mas que não têm aplicabilidade concreta, contribui para a banalização da luta contra a violência doméstica.
O projeto vende uma ideia de “empoderamento” das vítimas, mas na prática é uma solução paliativa que não enfrenta as raízes do problema. O enfrentamento sério da violência doméstica exige investimentos em educação de base, programas contínuos de conscientização e fortalecimento das redes de apoio às mulheres, e não medidas superficiais e suscetíveis a fraudes.
Políticas públicas voltadas à violência doméstica precisam ser estruturais, contínuas e respaldadas por mecanismos de fiscalização e acompanhamento. É preciso investir na formação de crianças e jovens, para combater padrões de comportamento violentos desde a origem. O combate à violência de gênero é um trabalho geracional, e não pode ser tratado com benefícios fiscais frágeis e de fácil manipulação.
9. Conclusão
O PL 5.355/19, apesar de sua roupagem protetiva, está longe de ser uma solução adequada para o enfrentamento da violência doméstica. Ao conceder benefícios fiscais com base em critérios frágeis e facilmente manipuláveis, o projeto cria riscos de fraudes, expondo risco o erário público, pois estimula falsas denúncias e, pior, desvia o foco das ações que realmente podem transformar a realidade social. O enfrentamento da violência doméstica deve ser feito com seriedade, investimento em educação e políticas públicas bem estruturadas, e não com propostas que servem mais para discursos políticos do que para efetiva proteção das vítimas reais de violência doméstica.