“Sunlight is said to be the best of disinfectants.”
- Louis D. Brandeis
Há uma figura que está sempre presente em qualquer mesa de negociação, desempenhando um papel fundamental no trato negocial - e aqui não me refiro às partes ou a seus assessores. Falo da assimetria informacional.
É ela quem serve de farol para a avaliação de adequação entre o preço pedido pelo vendedor e as informações acessadas pelo comprador. Claro que há outros elementos formadores de preço, alguns inclusive subjetivos, mas, para os fins deste texto, concentremo-nos no componente informacional.
Em tese, quem vende conhece melhor o objeto da venda: quem detém o ativo geralmente tem um histórico, uma convivência que, ainda que parcial, é superior àquela de quem pretende adquiri-lo. Já o comprador, por mais diligente que seja (via due diligence), costuma se deparar com zonas de sombra - nas quais ou não tem informação nenhuma, ou esta é incorreta, imprecisa ou incompleta -, impedindo uma tomada de decisão verdadeiramente informada naquele ponto cego.
É nesse contexto que ganham relevância as declarações e garantias (reps and warranties), cláusulas hoje amplamente disseminadas, tanto em contratos de compra e venda de ações (SPAs) quanto em operações de M&A de ativos específicos, como imóveis ou unidades produtivas.
Essas cláusulas não eliminam a assimetria. Elas a reconhecem e tentam administrá-la. Ao declarar a veracidade de certas informações, o vendedor assume responsabilidade caso estas se revelem inverídicas. O comprador, por sua vez, precifica com base nessa moldura contratual. Cria-se, assim, um espaço formal de alocação de risco e, ao mesmo tempo, um critério probatório, dentre outros possíveis, para eventuais litígios futuros.
Esse mecanismo, no entanto, não opera apenas no plano da responsabilidade. Ele também tem uma função sinalizadora: ao aceitar prestar determinadas declarações, o vendedor comunica o quanto conhece sobre o ativo objeto da transação, o que também contribui na gradação da confiança do comprador.
A efetividade dessas cláusulas, porém, depende de sua densidade informacional. Cláusulas genéricas, sem critérios objetivos de materialidade, tendem a ser menos acionáveis e, portanto, menos eficazes. Além disso, o sistema funciona melhor se houver disclosure efetivo: aqui podem entrar em cena os chamados disclosure schedules, nos quais o vendedor aponta as exceções às declarações e garantias prestadas.
Importante também lembrar que nem toda declaração e garantia não fidedigna (misrep) gera, automaticamente, direito à indenização. Em muitos casos, será necessário demonstrar que:
- eram relevantes no contexto da transação;
- houve reliance (isto é, que o comprador apoiou-se nessa informação para fins de decidir pelo prosseguimento da transação); e
- ocorreu efetivo impacto econômico.
Mesmo quando essa cadeia probatória se forma, o enforcement pode encontrar barreiras contratuais significativas: cláusulas de limitação de responsabilidade, como baskets, caps e de minimis, atuam como condicionantes relevantes da reparação, reduzindo, na prática, o alcance das declarações e garantias.
Isso significa que as declarações e garantias representam uma asserção qualificada, que pode produzir efeitos jurídicos diretos, mas cujo acionamento depende não apenas da prova, mas também dos contornos contratuais previamente pactuados.
Estruturalmente, declarações e garantias se distinguem: as primeiras se referem a fatos passados ou presentes; as segundas, a projeções futuras. Na prática, atuam como um sistema único, organizado em torno de um fato gerador (o vício ou a falsidade) e de um fato revelador (o momento em que ele é descoberto). É dessa articulação que surge a violação e a possibilidade de acionar os remédios contratuais, entre eles, os mecanismos de indenização (indemnities).
Declarações e garantias também funcionam como eixo da própria decisão de contratar. Sua violação representa a quebra de uma expectativa juridicamente relevante e, em consequência, confere ao contrato um papel central na organização da prova (ancoragem probatória), e não apenas na execução das obrigações. É nesse duplo papel, de fonte de obrigações e meio de prova, que o contrato passa a operar como ferramenta ativa de gestão da assimetria informacional.
Por oportuno, vale distinguir dois prazos frequentemente confundidos:
- o prazo de garantia, que diz respeito ao período em que o vendedor permanece vinculado à veracidade das declarações e garantias; e
- o prazo prescricional, que se refere ao tempo disponível para o exercício da pretensão.
Uma vez expirado o prazo de garantia, a responsabilidade contratual cessa, mesmo que a violação venha a ser descoberta posteriormente.
É verdade que nada disso elimina o risco. Mas, quando cuidadosamente estruturadas, as declarações e garantias colocam esse risco sob alguma forma de controle: jurídico, probatório e econômico.
Por fim, é importante destacar que qualquer informação, para ser exigível, deve passar por um critério de pertinência. O dever de informar do vendedor não é absoluto: ele se limita às informações essenciais à decisão do comprador. Esse filtro de relevância atua como baliza para a extensão das declarações e garantias, evitando que se transformem em um dever geral de revelação.
O tema é fascinante e, de fato, não seria o caso de esgotá-lo neste artigo.
Por ora, vale lembrar: se a assimetria informacional é um dado inevitável da negociação, o contrato é o instrumento por meio do qual podemos administrá-la. E, como antecipou Brandeis, na citação com a qual iniciei este texto, “sunlight is said to be the best of disinfectants.”