Migalhas de Peso

Responsabilidade civil: Indenização para vítimas de violência psicológica

Reparo material e moral como forma de minimizar os abalos suportados por vítima de pessoa com TPN - transtorno de personalidade narcisista.

7/8/2025

1. Psicologia: Quando o amor vira uma armadilha emocional

Você já conheceu alguém que parecia perfeito no começo, mas aos poucos foi revelando um lado controlador, frio e emocionalmente desgastante? Esse é um relato muito comum de quem se relacionou com pessoas com traços narcisistas patológicos. O narcisismo, quando extrapola o saudável, vai muito além de “alguém que se ama demais”. Ele se transforma em um padrão de comportamento tóxico, que destrói a autoestima e a autonomia de quem convive com ele.

O narcisismo tem um espectro. Em doses equilibradas, é saudável e necessário, afinal, todos precisamos de autoestima. Contudo, quando se transforma em um TPN - Transtorno de Personalidade Narcisista, descrito no DSM-5 - Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais, ele passa a ser marcado por grandiosidade, necessidade insaciável de admiração, ausência de empatia e marcada pela manipulação. Pessoas assim constroem relacionamentos para atender às suas necessidades, e não para criar vínculos genuínos.

Segundo um estudo de Miller et al. (2017), indivíduos com esse perfil oscilam entre sentimentos de superioridade e insegurança profunda, o que os leva a manipular e explorar emocionalmente os outros.

O narcisismo patológico envolve uma autoimagem inflada, porém instável, associada à exploração interpessoal e à necessidade incessante de validação externa (Miller et al., 2017). 

Os narcisistas não são iguais, pesquisas (Pincus & Lukowitsky, 2016) identificam quatro subtipos e todos compartilham a dificuldade de estabelecer relações saudáveis e recíprocas:

Pessoas com traços narcisistas patológicos utilizam um conjunto de estratégias emocionais e psicológicas que, combinadas, perpetuam o abuso e a dependência da vítima.

Relacionar-se com um narcisista é entrar em um ciclo de abuso emocional, quase sempre repetido. Os principais padrões incluem:

Geralmente isso acontece de forma sutil e progressiva, com estratégias como:

Difamar pessoas próximas “Sua amiga tem inveja de você ou só se aproxima quando quer algo.” Criar conflitos ou ciúmes artificiais “Sua família não gosta de mim, você precisa escolher.” Fazer a vítima se sentir culpada por ter outros vínculos. Distorcer fatos ou manipular situações (gaslighting social). “Eles disseram coisas horríveis sobre você pelas costas.” Desgaste emocional: tornam qualquer contato com terceiros motivo de briga, cansaço ou punição, até que a vítima, por exaustão, se afaste.

Relacionar-se com um narcisista é profundamente destrutivo e identificar os sinais é essencial para interromper o ciclo de abuso. Se no início da relação tudo foi rápido e intenso demais, com elogios exagerados e promessas de futuro, e depois vieram as críticas constantes e o distanciamento, é um alerta. Se a relação representa “pisar em ovos”, com medo de como o outro vai reagir, ou se vive confuso(a), duvidando da própria percepção da realidade, isso não é normal, é um dos efeitos do gaslighting.

As vítimas de relacionamentos com indivíduos narcisistas podem apresentar sintomas de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sentimento de inadequação, dificuldades para estabelecer novos vínculos e, em casos graves, TEPT - Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Freitas, 2020). A perda de identidade e a sensação de aprisionamento emocional são consequências frequentes da exposição prolongada a essas práticas abusivas, a pessoa não sabe mais quem é, do que gosta ou no que acredita, relacionar-se com um narcisista é viver em um campo minado.

Sob a ótica jurídica, a violência psicológica praticada por parceiros com tais traços encontra respaldo na lei Maria da Penha (lei 11.340/06), que possibilita medidas protetivas de urgência mesmo na ausência de agressão física. Também é viável ajuizar ações indenizatórias por danos morais e materiais (Gonçalves & Castro, 2021). A articulação entre apoio jurídico e psicoterápico é essencial para a reconstrução emocional e o fortalecimento da autonomia da vítima.

O narcisismo patológico, no contexto dos relacionamentos afetivos, configura um padrão de abuso emocional que combina estratégias e práticas que causam danos emocionais profundos e duradouros. A compreensão dessas dinâmicas é essencial para a prevenção, enfrentamento e reabilitação das vítimas, reforçando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar que una suporte jurídico e psicológico com profissionais qualificados.

2. Direito: Indenização como forma de reparar o abalo sofrido

Como mencionado, o abuso emocional e psicológico causado pela pessoa com Transtorno de Personalidade Narcisista possui viés não só no campo da psicologia, em que a vítima deve procurar ajuda de profissionais da saúde como psicólogo e/ou psiquiatra para reestabelecer sua saúde emocional, mas também existe a possibilidade de buscar amparo jurídico para tentar reparar os danos causados e prejuízos suportados, tanto material quanto moral.

O tema, embora ainda pouco discutido, chama a atenção, pois recentemente, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022) revelou que a violência psicológica afeta aproximadamente 12% das mulheres no Brasil, ou cerca de 10 milhões de pessoas.

Além disso, o Mapa da Violência Doméstica e Familiar no Brasil (2021) indicou que 34,5% das mulheres que denunciaram violência doméstica foram vítimas de abuso psicológico, ou seja, sem a presença de agressão física. São números significativos.

Neste sentido, nosso ordenamento jurídico, mais especificamente a lei Maria da Penha (lei 11.340/06) é uma ferramenta fundamental para o reconhecimento e combate à violência psicológica. O art. 7º, II da lei define a violência psicológica como qualquer conduta que cause dano emocional à vítima, afetando sua autoestima e liberdade de autodeterminação. Essa definição é particularmente relevante em casos de relacionamentos narcisistas, onde o dano psicológico é central, contínuo e duradouro.

Por outro lado, a responsabilidade civil no Brasil, prevista no art. 927, combinado com os arts. 186 e 187, todos do CC, estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, comete um ato ilícito, devendo reparar o dano. Nos casos de abuso psicológico, o comportamento abusivo do parceiro narcisista pode ser claramente enquadrado como ilícito, pois fere diretamente a integridade psíquica da vítima, afetando sua saúde mental, dignidade e bem-estar emocional. Esse tipo de abuso não é apenas uma questão ética, mas também jurídica, devido ao impacto psicológico e emocional causado à vítima. Trata-se de responsabilidade afetiva com o outro.

A busca de um reparo material visa compensar os prejuízos financeiros suportados pela vítima, tanto ao longo do relacionamento como, principalmente, após seu fim, com tratamentos médicos, uso de medicamentos, dentre outros.

Já a reparação por danos morais busca compensar o sofrimento emocional e psicológico da vítima. Para que haja responsabilização, é necessário comprovar três elementos fundamentais: a conduta ilícita do abusador, o dano sofrido e o nexo causal entre ambos.

Apesar da jurisprudência sobre o tema ainda ser tímida, os tribunais do país, bem como o STJ já vem reconhecendo a possibilidade de reparação moral e material por abuso psicológico, como é o caso da apelação 1009903-38.2020.8.26.0003 julgada pelo TJ/SP que entendeu que o relacionamento abusivo, caracterizado pela violência psicológica, fere os direitos de personalidade.1

Contudo, é importante mencionar que um dos maiores desafios enfrentados pela vítima ao buscar reparação civil é a dificuldade em comprovar o abuso psicológico. Ao contrário do abuso físico, que geralmente deixa evidências visíveis, o abuso emocional é sutil e muitas vezes invisível aos olhos de terceiros. Essa natureza intangível do abuso psicológico dificulta a produção de provas, mas não impossibilita.

Nestes casos, o depoimento da vítima, as provas testemunhais em que pessoas ao redor podem relatar a mudança de comportamento da vítima, o isolamento social, o estado deprimido, alteração de humor, são de extrema importância. Somam-se a isso as provas documentais, como o registro de mensagens trocadas entre a vítima e a pessoa com transtorno narcisista, a comprovação de uso de medicamentos para tratar quadros de ansiedade e depressão, além de relatórios médicos do psiquiatra ou psicólogo e laudos psicológicos detalhados que atestem o sofrimento emocional, são essenciais para a construção do caso.

Porém, considerando a dificuldade probatória nessas situações, os tribunais tem considerado a palavra da vítima e o laudo médico de seu estado emocional/psicológico como provas suficientes, como é o caso da 5ª turma cível do TJ/DFT ao julgar o recurso de apelação 0714788-03.2023.8.07.0001 entendeu que: “A palavra da vítima e o laudo do profissional de saúde que a acompanha, quando coesos, tem peso probatório relevante, porque o dano em questão é, em regra, praticado no seio privado, doméstico e familiar, logo na clandestinidade, ou seja, sem a presença de testemunhas”.2

3. Conclusão

Como abordado no presente artigo o relacionamento com pessoa narcisista causa estragos irreparáveis para a vítima. Este tipo de relacionamento é marcado pela falta de empatia, manipulação e instabilidade emocional em que a pessoa narcisista faz um movimento de “dá e tira”, como uma onda que vai e vem.

Tal comportamento faz com que a vítima se sinta confusa, insegura e com medo, principalmente de perder/ser descartada ou medo de gerar algum tipo de discussão. Então, para evitar conflitos e desgastes, ela se cala e começa a aceitar coisas que em situação normal não aceitaria. Ela vai se anulando e se diminuindo para caber num espaço que lhe deram e é ínfimo.

Muito embora o amor possa cegar, é importante estar atenta aos detalhes e aos sinais. Quando identificados tais comportamentos, é importante buscar ajuda de um profissional da saúde e também um advogado para reaver os prejuízos decorrentes deste relacionamento.

Fechar os olhos para essa situação é se automutilar dia a dia, é se acostumar com o sofrimento como forma de viver (ou sobreviver), é criar expectativa e esperar por algo que nunca chega e isso causa fadiga, cansaço, e uma exaustão terríveis.

A informação liberta e a liberdade cura.

_______________

1 TJSP; Apelação Cível 1009903-38.2020.8.26.0003; Relator (a): Lia Porto; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/11/2023; Data de Registro: 09/11/2023)

2 Acórdão 1921235, 0714788-03.2023.8.07.0001, Relator(a): FÁBIO EDUARDO MARQUES, 5ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 12/09/2024, publicado no DJe: 03/10/2024.

Roberta Mucare Pazzian
Advogada. Doutoranda pela Universidad de Salamanca. Mestre pela Fadisp. Pós-graduada em Direito Empresarial e Especialista em Processo Civil pela FGV-SP. Bacharel em Direito pelo Mackenzie-SP.

Soraia Finamor Neidenbach
Psicóloga, especialista em Psicopatologia pela USP, mestre em Gestão para a Competitividade pela EAESP/FGV. MBA em Gestão de Pessoas com período de extensão pela Ohio University focada em Strategic Business Leadership e Pós-MBA em Inteligência Empresarial pela FGV.

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