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Os serviços dos sócios à sociedade podem ser fonte de conflitos

A falta de clareza nas funções dos sócios pode gerar conflitos e até exclusão. O artigo destaca a importância da formalização e de contratos bem estruturados.

11/8/2025

Ainda que na prática se confunda a condição de sócio com a de prestador de serviços, essa percepção é equivocada. De acordo com o ordenamento jurídico, o sócio se compromete apenas a aportar os bens ou valores correspondentes à sua participação no capital social. Uma vez integralizado o capital, não há, em regra, outras obrigações a serem exigidas, restando ao sócio apenas o direito à participação nos lucros, nos termos do art. 1.007 do CC.

Mas então, quem administra a sociedade? Quem contrata e demite funcionários? Quem representa a empresa perante terceiros?

A resposta está na figura do administrador, prevista no art. 1.011 do CC. Ele pode ou não ser sócio da empresa, e sua função é justamente a de gerir os negócios sociais. Quando o administrador é também sócio, a sobreposição de papéis costuma ocorrer com naturalidade, especialmente em sociedades limitadas de menor porte, nas quais os sócios são, simultaneamente, os idealizadores do negócio e os responsáveis técnicos, comerciais e operacionais.

Nesse cenário, é comum que os sócios dividam informalmente as tarefas entre si. Um cuida da produção, outro da área comercial, outro da gestão financeira. No entanto, essa divisão tácita de responsabilidades é uma das maiores fontes de conflito nas relações societárias.

Exemplo 1 - A sociedade informal de esforços

Imagine uma sociedade entre dois irmãos que abrem uma fábrica de móveis: João e Pedro. João cuida do administrativo, enquanto Pedro atua na oficina. No início, tudo vai bem, mas com o tempo, Pedro começa a se ausentar do trabalho e a alegar que, como sócio, não tem obrigação de “bater ponto”.

Sem qualquer contrato prevendo as obrigações operacionais dos sócios ou uma remuneração proporcional ao esforço de cada um, João sente-se lesado. Surge o conflito: João acredita estar “trabalhando para dois”, enquanto Pedro continua a receber sua parte nos lucros.

A importância da formalização das funções dos sócios

Quando há prestação de serviços pelos sócios, é fundamental formalizar esse arranjo. Essa formalização deve contemplar:

Além disso, a definição clara de direitos e deveres ajuda a evitar mal-entendidos e alimenta o compromisso dos sócios com os resultados da empresa. Um bom exemplo é a possibilidade de distribuição desproporcional de lucros, desde que haja justificativa econômica e previsão contratual, conforme autoriza o art. 1.007, parágrafo único, do CC.

"Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.”

Por outro lado, a negligência no cumprimento das obrigações acordadas pode ensejar a exclusão do sócio, inclusive por via extrajudicial, com base no art. 1.085 do CC, quando configurado comportamento grave ou desidioso:

"Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.”

Exemplo 2 - O sócio parasitário

Clara é sócia de uma empresa de tecnologia com outros dois sócios, que atuam diariamente no desenvolvimento dos produtos e na prospecção de clientes. Clara, no entanto, não contribui com capital intelectual, não comparece às reuniões e justifica sua ausência com o argumento de que já aportou capital suficiente no início do negócio.

Diante da ausência de cláusulas contratuais definindo as obrigações de atuação e permanência, os sócios ativos se veem presos a uma relação desigual: Clara continua a participar dos lucros, embora seu desempenho nada agregue à sociedade. Um contrato mais robusto, com critérios de desempenho e cláusula de exclusão por inatividade, poderia ter evitado esse desgaste.

O vesting como oportunidade e risco

Essa preocupação se intensifica com a entrada de novos sócios, especialmente por meio de instrumentos como o vesting, amplamente utilizado para atrair talentos em startups. Embora o vesting seja eficaz para estimular performance no início da relação, após o exercício do direito de aquisição de quotas (cliff), o sócio pode adotar uma postura passiva ou meramente financeira, destoando do esforço coletivo.

Exemplo 3 - O sócio por vesting que parou no meio do caminho

Luana foi contratada por uma startup com a promessa de adquirir 5% de participação societária por meio de contrato de vesting, vinculado ao cumprimento de metas durante 4 anos. Após dois anos, ela atinge o cliff, adquire a titularidade de 2,5% das quotas e passa a se afastar das atividades. Com isso, os fundadores se frustram, mas percebem que não previram cláusula de exclusão ou recompra das quotas em caso de descumprimento do cronograma de atividades.

Conclusão

A clareza nas obrigações dos sócios, especialmente quanto à prestação de serviços, é essencial para a saúde das sociedades empresárias. Formalizar o que hoje é apenas confiança entre sócios é a melhor forma de preservar relações e evitar litígios futuros. Um contrato bem estruturado pode não apenas evitar disputas, como também fortalecer a governança interna e proteger os interesses de todos os envolvidos.

Diogo Durau Sartori
Advogado; Graduado em Direito PUCMINAS; pós-graduação em Direito de Empresa e em Gestão Fiscal e Tributária pela PUCMINAS; Mestrando com linha de pesquisa em direito empresarial

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