No contexto contemporâneo dos métodos adequados de resolução de disputas, as chamadas “janelas de mediação” ou “mediation windows” têm emergido como ferramenta estratégica no curso de procedimentos arbitrais. Trata-se de momentos processuais específicos nos quais se abre a possibilidade - formal ou informal - para a mediação entre as partes, com vistas à composição consensual do conflito, sem prejuízo da continuidade da arbitragem.
Na prática, a “janela de mediação” nada mais é do que um momento pré-definido pelas partes no cronograma da arbitragem, em que elas poderão, se assim quiserem, buscar a celebração de um acordo. Não havendo acordo, encerra-se a janela de mediação, e a arbitragem retomará seu curso normalmente, de onde tiver parado, até o proferimento da decisão final.
As partes podem prever uma tal janela antes mesmo do surgimento do conflito, incluindo a previsão já na cláusula compromissória ou no compromisso arbitral. Podem, alternativamente, estipulá-la no termo de arbitragem (instrumento processual que formaliza o início da arbitragem, estabelecendo as regras e limites do procedimento), incluindo essa janela como uma das etapas do cronograma procedimental. Isso, é claro, sem prejuízo de, no curso do procedimento, poderem as partes, a qualquer tempo e de comum acordo, requerer a suspensão da arbitragem para viabilizar uma tentativa de acordo, seja pela via da mediação ou, puramente, da negociação direta – independentemente da prévia previsão de uma janela específica com essa finalidade.
A incorporação de tais “janelas de mediação” no procedimento arbitral reflete prática já consolidada em jurisdições como Singapura, Reino Unido e Estados Unidos. Em tais sistemas, instrumentos híbridos como o “arb-med-arb” vêm sendo incentivados pelas câmaras arbitrais, inclusive com previsão específica nas cláusulas compromissórias.1
No Brasil, a resolução 125/10 do CNJ e a lei de mediação (lei 13.140/15) fornecem respaldo normativo ao incentivo da autocomposição, mesmo em disputas previamente submetidas à arbitragem, assim como, na jurisdição estatal, o CPC estimula a mediação quando já em curso o processo (por exemplo, nos arts. 3º, § 3º; 166 e 359). Ainda que a lei de arbitragem (lei 9.307/1996) não trate diretamente das janelas de mediação, a autonomia da vontade e o princípio da flexibilidade procedimental tornam a sua implementação plenamente defensável.
É nesse sentido que a Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem, por exemplo, incluiu no seu novo regulamento de arbitragem, de janeiro de 2025, a expressa recomendação de inclusão de janela de mediação no calendário procedimental da arbitragem:
“11.6. (…) É recomendável, ainda, que o Tribunal Arbitral incentive as partes a prever janelas de mediação no curso do procedimento, fazendo-as constar desde logo no Termo de Arbitragem e/ou no calendário estimativo, bem como informe as partes que elas podem, a qualquer momento e no curso do procedimento, com ou sem a suspensão da arbitragem, solicitar a instauração de mediação.”2
A crítica mais comum que vem sendo formulada a cláusulas compromissórias no formato arb-med-arb vai no sentido de que, se a função de mediador for desempenhada pelo árbitro, surgiria às partes o receio de expor suas tratativas diante do mesmo julgador que, ao final, seria o responsável por solucionar o litígio, em não havendo composição. A solução ao problema da identidade entre mediador e árbitro parece razoavelmente simples e já vem sendo posta em prática por Câmaras estrangeiras: basta que, caso assim prefiram as partes, seja nomeado outro profissional como mediador, pela Corte ou pelas próprias partes.
As vantagens de uma solução consensual já são amplamente conhecidas pela comunidade jurídica. Dentre elas, em especial, encontram-se i) a segurança, no sentido de que as partes têm menos chances de virem a impugnar uma solução consensual (transação), do que uma solução heterônoma (a sentença arbitral); e ii) a economia de tempo, uma vez que, ainda que a celeridade seja um predicado-chave das arbitragens quando comparadas a procedimentos judiciais, disputas comerciais de vulto, envolvendo a produção de provas técnicas complexas, tendem a consumir muito desse recurso que é tão caro a qualquer companhia – o tempo.
Convida-se, nesse sentido, ao seguinte questionamento: se a mediação já pode, por lei, ser requerida a qualquer tempo pelas partes (a regra vale para a arbitragem tanto quanto para o processo judicial), qual o benefício de se prever, de antemão, essa janela específica?
Uma primeira vantagem diz respeito à escolha calculada do momento procedimental em que essa janela será alocada. A pré-definição cuidadosa de um momento específico tem o condão de incentivar que as partes sentem à mesa quando o procedimento já estiver maduro o suficiente para que se tenha ideia mais clara de suas chances de êxito e do (des)interesse econômico em permitir que aquela disputa se estenda por tempo adicional. Esse “momento ideal” pode variar de acordo com o objeto da arbitragem, como bem coloca CCI - Corte Internacional de Arbitragem3. Para maximizar sua eficiência, essa janela pode ser estipulada, por exemplo, após a produção de determinada prova relevante ou mesmo de toda a fase instrutória. Se estipulada quando o procedimento ainda estiver muito incipiente, as partes provavelmente não terão capacidade de julgar suas chances de êxito com mais acuidade do que eram capazes de fazer ainda à época em que trocavam notificações. O fato de a janela de mediação poder ser prevista pelas partes desde a cláusula compromissória tem, ainda, a virtude de que, nesse momento, anterior ao surgimento do conflito, as partes ainda nutrem bom relacionamento e, por isso, estarão mesmo mais propensas a preverem sua sujeição voluntária a um método autocompositivo.
Há, ainda, um segundo benefício relevante da opção por alocar uma tal janela de antemão. A prática demonstra que, muitas vezes, há barreiras intangíveis que podem coibir uma parte e seus assessores de formular proposta de acordo. É possível, por exemplo, que um lado da disputa nutra o receio de que, caso se aproxime da contraparte com uma proposta de acordo em pleno curso do procedimento, sua atitude venha a ser equivocadamente interpretada pela contraparte como uma admissão de que sua posição processual estaria enfraquecida.
Assim, a estipulação a priori de uma janela de mediação retira esse ônus das partes, que terão, à sua disposição, uma oportunidade para sentar à mesa e discutir a possibilidade de acordo, sem que isso implique, ainda que aparentemente, em qualquer tipo de admissão de fragilidade quanto à sua posição processual. Pelo contrário, cuidar-se-á de mais uma etapa do procedimento.
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1 Confira-se um exemplo, extraído de câmara arbitral de Singapura: https://simc.com.sg/arb-med-arb#:~:text=Arb%2DMed%2DArb%20is%20a,neutrality%20with%20enforceability%20and%20finality.
2 Disponível em: https://cbma.com.br/wp-content/uploads/2025/01/CBMA-Regulamento-de-Arbitragem-CBMA-02.01.2025.pdf
3 Disponível em: https://iccwbo.org/wp-content/uploads/sites/3/2023/09/2023_Facilitating-Settlement-in-International-Arbitration-900.pdf