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Resolução 19/25 da CONAREDD+: Amadurecimento da norma envolvendo o mercado de carbono

Breve análise da norma que estabelece diretrizes relacionadas ao mercado de carbono em áreas protegidas e reforça a salvaguarda aos direitos dos povos originários.

15/8/2025

No último dia 5, foi publicada a resolução 19/25 da CONAREDD+ - Comissão Nacional para REDD+, que estabelece diretrizes para implementação de programas jurisdicionais REDD+ e projetos públicos ou privados de crédito de carbono florestal, em terras públicas e territórios coletivos ocupados por povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares assentados da Reforma Agrária.

As diretrizes estabelecidas, voltadas a garantir a autonomia dessas comunidades, o uso tradicional da terra, dos recursos naturais e protegê-las de riscos financeiros e operacionais, estão em linha com as disposições trazidas pela lei federal 15.042/24 (lei do mercado de carbono), especialmente em seu art. 47, que confere aos povos indígenas e comunidades tradicionais o direito aos créditos de carbono gerados em projetos nos territórios que tradicionalmente ocupam (pelo menos 50% para aqueles dedicados a remoção dos gases do efeito estufa e 70% para os que se dedicam a REDD+).

A fim de assegurar a transparência e promover a formação e a autonomia desses povos, a resolução adota, como base de sustentação, o consentimento mediante atendimento ao processo de CLPI - Consulta Livre, Prévia e Informada, em observância à convenção 169 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, na qualidade de norma supralegal1.

Com esse objetivo, exige diálogo com conselhos gestores de unidades de conservação e instâncias de representações nacionais, regionais e locais de povos indígenas e comunidades tradicionais. Para os projetos públicos e privados, determina que divulguem a matriz de riscos dos resultados econômicos, sociais e ambientais, a fim de resguardar os modos e meios de vida tradicionais e evitar desequilíbrio na relação contratual. Ainda, veda a criação de áreas de restrição de acesso ou de uso, garantido o direito de caça, pesca, agricultura de subsistência, usos culturais e religiosos tradicionais, turismo comunitário, práticas de manejo florestal legalmente autorizadas e outras atividades sustentáveis.

Não se pode perder de vista que a autonomia dos povos indígenas e comunidades tradicionais já estava bem elucidada pelo art. 43, § 6º, V, da lei federal 15.042/24, que proíbe a venda de créditos de carbono quando houver manifestação de vontade, a qualquer tempo, do proprietário ou usufrutuário da área, de ter seu imóvel excluído do programa jurisdicional.

Os contratos devem conter linguagem clara e acessível, respeitar as especificidades culturais e socioeconômicas, prever cláusulas revisoras, rescisórias e de eleição do foro mais próximo à comunidade. Da mesma forma, os projetos privados devem garantir recursos financeiros suficientes para que os povos interessados possam realizar a contratação de assessoria técnica e jurídica independente. A forma e o valor de contratação serão acompanhados pelo Ministério Público Federal, cuja atuação não se restringe a esse ponto quando envolvem tais comunidades, conforme dispõem os enunciados 40 e 47 da 6ª CCR - Câmara de Coordenação e Revisão2.

A resolução também exige que os órgãos públicos formem ouvidorias e desenvolvam estratégias para receber e dar pronta resposta às reclamações e denúncias sobre os programas jurisdicionais REDD+ e projetos públicos e privados nesses territórios. Tais manifestações devem, preferencialmente, ser dirigidas por ouvidor indicado por um colégio eleitoral integrado por representantes dessas comunidades.

O processo de consulta ao povo indígena ou comunidade tradicional afetado é sabidamente complexo e, com efeito, muitas vezes custoso e demorado. A resolução não muda esse cenário, mas estabelece, contudo, diretrizes que tornam um pouco mais claros os requisitos que devem ser atendidos em consultas envolvendo a comercialização de crédito de carbono nas terras ocupadas por tais comunidades.

Como reflexo da complexidade e dificuldades enfrentadas no tema, apenas os Estados do Acre e Mato Grosso possuem programas REDD+ jurisdicional em funcionamento, enquanto os do Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará e Tocantins estão em fase de construção. Não se olvida o fato de que, até o momento, a posição oficial da FUNAI é de orientar lideranças indígenas a não participarem de negociações envolvendo a comercialização de crédito de carbono nas terras ocupadas até que haja definição de critérios e orientações para a inserção das terras dos povos originários no mercado voluntário3. Apresenta como principais fundamentos a preocupação quanto ao potencial lesivo dos contratos dessa natureza para o direito indígena e, justamente, a falta de arcabouço normativo. Assim, é possível que a FUNAI reveja essa orientação com a recente resolução 19/25 da CONAREDD+.

A resolução 19 caminha nesse cenário de indispensável amadurecimento acerca dos programas e projetos de mercado de carbono, acompanhando a evolução normativa para conferir maior segurança jurídica aos programas e projetos pretendidos, especialmente quando envolverem comunidades mais vulneráveis.

Espera-se que, superados todos esses desafios, haja menor probabilidade de questionamentos sobre a legalidade por parte dos atores envolvidos, tornando o processo de implementação de programas jurisdicionais REDD+ e projetos de carbono mais confiável e longevo, embora ainda complexo.

________

1 Vide Decreto 10.088/2019; STF, RE 349.703, RE 466.343/SP, ADI 5.783/BA e Resolução CNJ 433/2021.

2 ENUNCIADO 6CCR nº 40: O MPF tem atribuição para atuar judicial e extrajudicialmente nos casos de impactos de empreendimentos sobre as comunidades indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, por força dos art. 129, V, da Constituição Federal, e dos arts. 5º, III, e 6º, VI, c, da Lei Complementar n. 75.

ENUNCIADO 6CCR nº 47:  A autodeclaração dos territórios tradicionais por povos e comunidades tradicionais é legítima e gera repercussões jurídicas, independentes e incidentais aos procedimentos de reconhecimento e titulação estatal, e deve influenciar e induzir políticas públicas diversas, tais como as relacionadas às questões fundiárias e ambientais. Nesse sentido, é dever do Ministério Público Federal defender tais iniciativas extrajudicialmente e judicialmente.

3 https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2024/posicionamento-da-funai-sobre-creditos-de-carbono-em-terras-indigenas

Ricardo Beier Hasse
Advogado Sênior do Milaré Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.

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