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Blockchain: Arma secreta para obras e propriedade intelectual

A blockchain fornece prova imutável e auditável de autoria e anterioridade, reforçando a proteção de obras autorais e direitos de propriedade intelectual com segurança e validade global.

19/8/2025

1. Introdução

Vivemos em uma era em que a circulação de conteúdo criativo não conhece fronteiras nem barreiras temporais.

Uma obra pode ser reproduzida, modificada e distribuída globalmente em segundos, tornando o desafio de proteger a autoria e o valor econômico da criação mais urgente do que nunca.

Nesse cenário, a blockchain emerge como uma aliada estratégica: uma tecnologia capaz de criar provas praticamente irrefutáveis, com validade global e resistente ao tempo, capaz de fortalecer contratos, negociações e litígios.

Mais do que inovação técnica, trata-se de uma ferramenta jurídica sofisticada que, quando utilizada em conjunto com assessoria especializada, pode blindar criações intelectuais contra ameaças de plágio, uso indevido e disputas sobre titularidade.

2. Blockchain: o que é (e o que não é)

Blockchain é uma tecnologia de registro distribuído, imutável e auditável, que funciona como um livro-razão digital descentralizado.

Para simplificar, cada dado inserido recebe um carimbo de tempo (timestamp) e é vinculado a um hash criptográfico, equivalente a uma impressão digital matemática única e irrepetível do arquivo.

Em outras palavras, a blockchain não cria direitos autorais. Esses direitos surgem automaticamente com a criação da obra, nos termos da lei 9.610/1998.

O que a blockchain oferece é um instrumento probatório de altíssima confiabilidade, capaz de demonstrar, com precisão e integridade, que determinado conteúdo existia em uma forma específica e em uma data certa, reforçando substancialmente a posição do titular em negociações, contratos e disputas judiciais.

Muitas vezes, confunde-se a função da blockchain com a de um órgão de registro oficial. Essa é uma percepção equivocada.

Diferentemente de entidades como a Biblioteca Nacional ou o INPI, a blockchain não está vinculada a um sistema governamental centralizado, mas sim a uma rede global e descentralizada de computadores.

Isso significa que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode verificar a autenticidade e a data de um registro, sem depender de intermediários ou da autoridade de um único ente público.

Essa descentralização é justamente o que confere à blockchain um alto grau de segurança técnica. Por não haver um único ponto de controle ou vulnerabilidade, torna-se extremamente difícil, na prática, inviável, adulterar ou apagar um registro já consolidado na rede.

Assim, o titular da obra obtém uma camada adicional de proteção, especialmente útil em disputas internacionais, onde a prova técnica pode ser tão relevante quanto a prova documental formal.

Outro aspecto fundamental é a natureza complementar da blockchain em relação aos registros tradicionais. Enquanto o registro oficial perante órgãos públicos confere presunção legal interna, o registro em blockchain fornece uma prova tecnológica auditável em escala global.

Essa combinação permite que o titular da obra construa um dossiê probatório híbrido, somando o peso jurídico de um registro estatal à força técnica de uma prova criptográfica descentralizada.

3. Como funciona o registro em blockchain

O processo inicia-se com a conversão do arquivo, seja ele um texto, uma música, uma imagem, um vídeo, um software ou qualquer outra criação, em um hash criptográfico único. Esse hash representa matematicamente aquele conteúdo específico, funcionando como sua assinatura digital.

Em seguida, o hash é ancorado em uma blockchain pública (Bitcoin, Ethereum, Decred, entre outras) ou em modelos híbridos, que utilizam blockchains privadas para agilizar a operação, mas sempre ancoram a prova em redes públicas para garantir imutabilidade e transparência.

Qualquer alteração, por menor que seja, modifica totalmente o hash.

Isso significa que, em eventual disputa, é possível demonstrar que a obra registrada é idêntica à apresentada, com integridade preservada desde a data do registro. Esse mecanismo de verificação é público, auditável e independe de confiança em terceiros.

4. Benefícios jurídicos e estratégicos

  1. Prova incontestável de autoria e anterioridade - Registro com datação imutável e verificável por qualquer parte.
  2. Blindagem contra plágio e uso indevido - Dificulta a contestação de titularidade e facilita medidas judiciais de urgência.
  3. Validade probatória global - Aceito como meio de prova documental digital, com fundamento no art. 369 do CPC, dentre outros, e no princípio da liberdade probatória.
  4. Fortalecimento em negociações e contratos - Torna operações de licenciamento, cessão ou parcerias mais seguras.
  5. Agilidade e praticidade - Registro em minutos, sem depender de trâmites burocráticos.
  6. Compatibilidade com outros meios de prova - Pode ser integrado a atas notariais, registros oficiais e perícias técnicas.

5. Blockchain x registro tradicional: aliados, não concorrentes

A blockchain e os registros formais não são substitutos, mas ferramentas complementares.

A estratégia ideal combina ambos: o registro oficial garante solidez documental no Brasil, enquanto a blockchain assegura integridade técnica e prova imediata, com aceitação crescente em tribunais internacionais.

6. O papel do advogado na blindagem digital

A utilização da blockchain como prova deve ser planejada dentro de uma estratégia jurídica coordenada. O advogado especializado é responsável por:

7. Perguntas e respostas: Blockchain e propriedade intelectual

1. Registrar na blockchain me dá direitos autorais?

Não. O direito autoral nasce automaticamente com a criação da obra. A blockchain serve como prova técnica de autoria e anterioridade.

2. Qual a diferença para a Biblioteca Nacional?

A BN é um registro formal, público e centralizado no Brasil. A blockchain é um registro técnico, descentralizado e global. São complementares.

3. O que é registrado?

Apenas o hash criptográfico da obra, a impressão digital matemática do conteúdo, não o conteúdo em si.

4. Posso registrar qualquer tipo de obra?

Sim. Textos, músicas, imagens, vídeos, softwares, roteiros e outros formatos.

5. Se eu alterar a obra, o registro continua valendo?

Não. Qualquer alteração gera um novo hash. É preciso registrar novamente.

6. Vale como prova na Justiça?

Sim. É aceito como prova documental digital, nos termos do art. 369 do CPC.

7. Preciso de advogado?

É fortemente recomendável para garantir validade, segurança jurídica e integração estratégica com outros meios de prova.

8. Exemplos de Blockchains confiáveis: Ethereum e Decred

A escolha da rede blockchain onde será ancorado o registro é determinante para a solidez e a credibilidade da prova técnica.

A seguir recomenda-se duas das plataformas mais respeitadas e consolidadas no cenário internacional: Ethereum e Decred.

Ao adotar essas duas redes, asseguramos imutabilidade, transparência e validade probatória internacional, reforçando a força técnica do registro e sua aplicabilidade tanto no Brasil quanto no exterior.

9. Conclusão

A blockchain não é apenas uma inovação tecnológica, mas sim uma evolução estratégica na forma como protegemos e valorizamos criações intelectuais.

Quando combinada com registros tradicionais e um planejamento jurídico bem estruturado, transforma-se em um verdadeiro escudo contra disputas e em um ativo de credibilidade nas negociações.

Mais do que adotar a tecnologia, é essencial utilizá-la de forma integrada e inteligente, com orientação profissional que assegure a validade da prova e seu uso estratégico em contratos, litígios e operações comerciais.

Se a sua criação tem valor, ela merece estar protegida por todos os meios disponíveis, seja no mundo físico ou no digital. E isso começa com a decisão de tratá-la como o patrimônio valioso que ela é.

Lucas Hernandez do Vale Martins
Pós-Graduado pela FGVLaw em Processo Civil. Especialista em Contract Law - Harvard Law School. Advogado Societário e Empresarial com projeção Internacional. Relator do Tribunal de Ética da OAB/SP

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