Uma jovem de 15 anos teve sua vida ceifada por um disparo de arma de fogo na cabeça e o titular da Delegacia de Homicídios trabalhava diligentemente para finalizar o inquérito. A cena do crime foi considerada inidônea devido à manipulação prévia, impossibilitando um levantamento pericial adequado no local. O único exame pericial realizado se deu no corpo da vítima, já em óbito, algumas horas após o incidente.
Após algumas semanas, em resposta a questionamentos do delegado e à solicitação do MP - Ministério Público, o perito médico legista foi surpreendido ao ser chamado para realizar uma reprodução simulada dos fatos. Embora essa etapa geralmente seja assumida apenas pelos peritos de cena, a complexidade do caso exigia a participação do legista - fundamental para obter informações e vestígios que se tornariam decisivos na análise do caso, dada a versão apresentada pela defesa desde o início.
A prisão do réu ocorreu duas semanas após o crime, quando foi detido por envolvimento em um roubo na região. Durante seu primeiro depoimento sobre o homicídio, ele alegou que se tratava de um acidente. O réu demonstrou sinais alarmantes de psicopatia, dizendo que pretendia construir uma lápide para a jovem. O perito médico legista examinou o réu no contexto do flagrante, encontrando ferimentos na mão esquerda, mas sem elementos que indicassem a causa deles, o que impossibilitou um exame detalhado naquele momento.
A versão do réu afirmava que, estando no quarto da jovem, empunhando um revólver calibre 38 e, ao ver um amigo do lado de fora, fez movimentos com a arma, como que o convidando para entrar. De acordo com sua narrativa, o disparo acidental ocorrera neste momento, embora ele tenha tentado impedir que a jovem fosse atingida, abafando o cano da arma com a palma da mão. No entanto, os detalhes descritos levantaram sérias dúvidas sobre a veracidade de sua versão.
Depoimento de vizinhos corroborou parte da versão relatada, pois, se ouvira apenas um disparo por arma de fogo. Ainda que o réu possuísse habilidades preternaturais, ele teria grande dificuldade em explicar quão rápido havia sido o reflexo para colocar a mão à frente do revólver prestes a disparar\disparando. Por outro lado, seria bastante difícil para o promotor público afastar a hipótese de disparo acidental, já que houve apenas um disparo e o próprio réu fora atingido na mão.
O exame cadavérico identificou lesão transfixante na mão esquerda da vítima e um ferimento na cabeça com trajeto da esquerda para a direita e com leve inclinação para baixo, contrariando a narrativa do réu, que se descreveu em posição na qual a vítima estaria com o lado direito do corpo voltado para ele. O exame posterior das cicatrizes em sua mão esquerda revelou características incompatíveis com sua versão de que havia tentado evitar o disparo da arma de fogo. No dorso da mão esquerda do réu havia cicatriz de ferimento pérfuro-contuso de formato circular com bordos regulares, bem delimitados, de aproximadamente 9mm, compatível com ferimento de entrada. E, na palma da mão esquerda, ferimento pérfuro-contuso de aspecto estrelado e irregular - lacerado, com bordos irregulares medindo aproximadamente 2,5cm, compatível com ferimento de saída por disparo de arma de fogo. Ou seja, ele não abafou o cano da arma com a palma da mão - como relatado, mas atirou no dorso de sua própria mão esquerda.
Ademais, se posicionada da forma como o réu descrevera, a vítima estaria de pé à esquerda do réu, com o lado direito do corpo voltado para ele, no momento em que ele estaria com a arma em punho e cotovelo apoiado sobre a janela. No entanto, a região temporal da vítima, em face de sua altura, situava-se ao menos 10 cm acima da altura do cano da arma e necessariamente, estando ela em pé e o agressor na posição descrita, o trajeto no interior do crânio seria de baixo para cima e não de cima para baixo. E, o lado atingido da cabeça foi o lado esquerdo e não o lado direito.
O trabalho pericial, portanto, evidenciou inconsistências na defesa do réu. As evidências periciais sugeriram que o réu havia atirado intencionalmente enquanto imobilizava a vítima, segurando sua mão esquerda também com a mão esquerda, subjugando-a, no entanto, visando atingir local diferente do que efetivamente atingiu. Neste momento, com uma ‘‘gatilhada’’ teria atingido sua própria mão, a mão da jovem, antes de atingir sua cabeça.
O réu viu sua defesa desmoronar sob o scrutínio da evidência pericial. Ao término do júri, após ver sua tese de defesa ir por água abaixo, o defensor tentou reverter a situação com a afirmação: “...então, na verdade, era uma brincadeira sem graça do réu. Ele realmente apontou a arma para ela e segurou sua mão, mas ele queria apenas assustar a vítima e neste momento a arma disparou...”. A manobra desesperada gerou indignação e intensidade na reação do promotor público, que buscava a aplicação das qualificadoras - motivo fútil e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Condenado, adicionou-se 23 anos de pena pelo homicídio qualificado e agora, com mais de 110 anos de penas somadas em apenas 1 ano de maioridade penal. O trágico desfecho já estava anunciado e aos 23 anos de idade, um confronto com a polícia militar pôs fim a uma vida marcada pela criminalidade - já acumulando 140 anos de penas somadas. As habilidades do flash não lhe deram vantagem neste confronto.