Há pouco mais de um mês, o Brasil foi destinatário de uma carta vinda de Washington que chegou como uma bomba: o presidente Donald Trump avisava que os Estados Unidos passariam a tributar em 50% os produtos importados do Brasil, a partir de agosto. Desde então, a espera por agosto veio com um sabor amargo. Ao final de julho, a medida chegou a aliviar 40% da lista inicialmente prevista, reduzindo a alíquota para 10% sobre 694 produtos. No entanto, os demais 60% das exportações brasileiras mantiveram a tarifa cheia de 50%, o que torna o impacto econômico severo, não apenas pela surpreendente tributação, mas pelas consequências políticas de uma medida que atinge diretamente a nossa soberania.
Finalmente, no dia 6 de agosto, entrou em vigor a malfadada alíquota de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos EUA. O Brasil passou a ser o país mais afetado pelas novas medidas, superando Japão, Coreia do Sul e União Europeia. O mês chegou, portanto, carregado de incertezas e aflições justificadas pela ausência de qualquer fundamentação lógica sobre o que motiva esta declaração de guerra econômica aberta contra o Brasil.
O decreto americano, de fato, surpreendeu o mundo, e veio com justificativas frágeis: alegações de que o Brasil seria um mau parceiro comercial, críticas manifestas ao nosso sistema de Justiça, supostas preocupações com a liberdade de expressão, defesa das bigtechs, o funcionamento do Pix, a exploração de terras raras brasileiras - e até os xinguelings da 25 de Março entraram na retórica. O tarifaço não é sobre nada disso e, ao mesmo tempo, é sobre tudo isso.
Juridicamente, Trump invocou as Seções 232 e 301 do Trade Act, além da IEEPA - Lei dos Poderes Econômicos de Emergência Internacional, para tributar importações que supostamente “ameacem a segurança nacional”. A bem da verdade, não há, em tese, impedimento jurídico para que um país eleve a tributação sobre importação a fim de proteger sua economia interna. Contudo, essa não é exatamente uma prática esperável de quem se apresenta como guardião do “livre mercado”. Além disso, não há como justificar que as importações brasileiras representem ameaça à segurança nacional dos EUA. Nosso “amostramento” não iria tão longe.
Dados da Camex - Câmara de Comércio Exterior indicam que o Brasil teve, em 2024, um déficit de US$ 283,8 milhões na balança comercial com os EUA. Se, do ponto de vista legal, há margem para a elevação tributária, do ponto de vista moral não resta dúvida: trata-se de um gesto desproporcional, desequilibrado e moralmente questionável.
Diante desse cenário, o governo Federal decidiu agir. No dia 13 de agosto, foi assinada a MP criando um pacote de socorro de R$ 30 bilhões para as empresas atingidas pelo tarifaço. Os setores mais prejudicados - café, madeira, carnes, pescados e frutas - terão acesso a linhas de crédito com juros reduzidos, garantidas pelo Fundo Garantidor de Exportação. Esse mesmo fundo vai atuar em todos os setores, oferecendo seguro para proteger as vendas internacionais.
O Reintegra - Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras foi ampliado para todos que destinam sua produção aos EUA. Micro e pequenas empresas terão a alíquota dobrada de 3% para 6%, enquanto os grandes exportadores manterão 3%. O objetivo é reembolsar parte do resíduo tributário que encarece as mercadorias e permitir que o produtor brasileiro enfrente a concorrência externa em condições menos desiguais. Além disso, foi anunciado o uso do drawback, ou seja, suspensão ou isenção de tributos sobre insumos importados usados na produção para exportação.
O plano também prevê compras públicas emergenciais: o governo se comprometeu a adquirir produtos que ficarem represados, especialmente perecíveis, como carnes, pescados, frutas e mel, para destiná-los a escolas públicas e programas de alimentação, evitando desperdício e prejuízo aos produtores. Está na mesa também a possibilidade de ampliar o pacote de medidas, caso seja necessário, sinalizando que novas rodadas de auxílio já estão desenhadas pela equipe econômica.
As medidas estão sendo aguardadas com ansiedade pelos setores mais atingidos e, espera-se que representem um alívio, ao menos, neste momento. Mas, sejamos honestos: o “tarifaço” é apenas a epiderme do problema. Existe uma face obscurecida pela aflição causada pela tributação desarrazoada de Trump que ainda não conseguimos enxergar: trata-se de um gravíssimo ataque à nossa soberania nacional. O objetivo não é apenas impor alíquotas extorsivas, mas desestabilizar, dividir, desorientar a população brasileira no exato momento em que o país começa a rearticular seu potencial produtivo, seu mercado interno e sua posição no cenário internacional.
Em meio à ousadia brasileira frente ao BRICS, à saída oficial do Mapa da Fome segundo a FAO/ONU, e à expectativa de queda da inflação, o tarifaço vem como um cataclisma econômico, desestruturando mercados, gerando medo e sabotando o ambiente de confiança. Trump não mira apenas a carne bovina, o café ou o aço. Ele mira a nossa coesão interna, a confiança institucional e a autoestima econômica do Brasil. Mas não é só isso.
Como se não bastasse, ainda há suspeitas de insider trading - com operações bilionárias no mercado de câmbio realizadas minutos antes do anúncio oficial das tarifas, motivando investigação requerida pela AGU. Sim, é possível que uma bomba tenha sido lançada sobre o Brasil para enriquecer uma dezena de pessoas.
Além disso, o gesto de Trump revela o que a The Economist chamou de “ataque sem precedentes ao Judiciário brasileiro”. E, de fato, trata-se de uma ofensiva política. Ao impor a chamada lei Magnitsky a um ministro do STF, Trump sinaliza que está disposto a fazer do Brasil um laboratório para seus testes de força política - um palco de seus experimentos internacionais. E isso é estarrecedor.
Aceitarmos, sem maiores cerimônias, a intromissão de um governo estrangeiro em nossas instituições é, no mínimo, desconcertante. Não importa o que pensemos das decisões do STF: cabe exclusivamente a nós, povo brasileiro, criticá-las.
A imprensa internacional acompanha com atenção. O New York Times registrou que a escalada retórica de Trump contra o Brasil não tem paralelo recente. O mundo observa como quem assiste, à espreita, uma violência iminente. Portanto, é hora de entender: não é só sobre tarifas. É sobre soberania e sobre o tipo de democracia que estamos dispostos a proteger.
Este é também um momento de união e reflexão. A resposta do governo federal, com medidas concretas para proteger o mercado interno e apoiar empresas, mostra que há caminhos possíveis para enfrentar crises externas. Mas é igualmente hora de que nós, consumidores, repensemos o que colocamos em nossas mesas e priorizemos o que o Brasil produz. Somos mais de 200 milhões, temos mercado para sustentar nossa indústria e nossa agricultura, se houver consciência e compromisso coletivo.
Como dizia Raimundo Faoro em Os Donos do Poder, o Brasil historicamente oscilou entre oligarquias e (d)esperanças populares. Contudo, o momento nos impõe romper com esse ciclo vicioso e afirmar, com altivez, um projeto de país soberano.
Que o brasileiro aprenda: o tarifaço passa; o Brasil fica.