Introdução
A ação penal privada subsidiária da pública constitui um dos temas mais sensíveis do processo penal brasileiro, pois toca no núcleo da titularidade da ação penal pública e, ao mesmo tempo, projeta reflexos diretos sobre a efetividade da tutela jurisdicional. A Constituição da República, em seu art. 129, I, consagra o monopólio acusatório do Ministério Público, atribuindo-lhe a função institucional de promover privativamente a ação penal pública. Contudo, em aparente tensão, o art. 5º, LIX, admite que o ofendido ou seu representante legal proponham a ação penal privada nos crimes de ação pública, “se esta não for intentada no prazo legal”.
Essa previsão constitucional, longe de fragilizar o princípio acusatório, revela-se como mecanismo de exceção destinado a evitar que a omissão estatal paralise a jurisdição penal. A subsidiária deve, portanto, ser compreendida como instrumento de controle social da atividade persecutória, assegurando ao ofendido que a inércia ministerial não se converta em impunidade. Trata-se de instituto de difícil equilíbrio: ao mesmo tempo em que preserva a centralidade do Ministério Público, abre espaço para uma atuação privada excepcional e restrita, sob estrita supervisão judicial.
O debate adquire especial relevo diante da jurisprudência recente. O STF, ao julgar o ARE 859.251/DF (Tema 811), fixou parâmetros vinculantes, reconhecendo que o direito de queixa nasce automaticamente após o decurso do prazo do art. 46 do CPP, sendo irrelevantes diligências internas do parquet ou manifestações posteriores. O STJ, em consonância, reiterou que a subsidiária é incabível na ausência de inércia concreta, não bastando a discordância do ofendido com a tipificação ou com o pedido de arquivamento.
No plano estadual, decisões do TJ/ES, especialmente na comarca da Serra, ganharam repercussão ao admitir a atuação de advogados como acusadores diante da inércia reiterada do Ministério Público. Em tais casos, a subsidiária foi aplicada como medida de exceção, destinada a assegurar a razoável duração do processo e a efetividade da jurisdição penal.
A doutrina contemporânea acompanha esse movimento com cautela. Identifica-se a subsidiária como mecanismo de controle social da atividade persecutória criminal, mas insiste na exigência de inércia inequívoca como condição de sua legitimidade. O instituto deve ser interpretado restritivamente, sob pena de desnaturar o sistema acusatório.
O presente artigo, valendo-se de análise normativa, jurisprudencial e doutrinária, examina a ação penal privada subsidiária da pública em perspectiva crítica. Busca-se compreender como os tribunais, em especial o STF, o STJ e o TJ/ES, vêm delimitando os contornos da subsidiária, quais os limites constitucionais da atuação privada e quais os riscos e perspectivas da consolidação jurisprudencial.
1. Fundamentos constitucionais e legais da ação penal privada subsidiária da pública
1.1 A titularidade da ação penal pública e o papel do Ministério Público
A Constituição da República atribui ao Ministério Público a função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública (art. 129, I, CF). Trata-se de corolário do sistema acusatório, que reserva ao parquet a titularidade da pretensão punitiva estatal, garantindo que a persecução penal não seja manejada de forma arbitrária ou dispersa. A concentração dessa função em um órgão independente visa assegurar tanto a proteção dos direitos fundamentais do acusado quanto a efetividade da jurisdição penal, pois o monopólio acusatório impede que interesses privados substituam a vontade pública.
Não obstante, o exercício dessa atribuição não é absoluto. A própria CF, em seu art. 5º, LIX, admite que, diante da inércia do Ministério Público no prazo legal, possa o ofendido ou seu representante legal propor a ação penal privada subsidiária da pública. Esse instituto, longe de relativizar a titularidade ministerial, representa antes um mecanismo de controle social da atividade persecutória, preservando a efetividade da jurisdição penal diante da omissão estatal.
O STF, ao apreciar a repercussão geral no ARE 859.251/DF, consolidou a tese de que, “ajuizada a ação penal privada subsidiária da pública após o decurso do prazo do art. 46 do CPP, a inércia ministerial resta caracterizada, sendo irrelevantes diligências internas da instituição, bem como eventual manifestação posterior”. A decisão reafirma que a titularidade do Ministério Público é preservada mesmo na hipótese de subsidiariedade, já que o parquet mantém poderes para intervir em todos os atos do processo, aditar ou repudiar a queixa, e retomar a condução da ação caso constatada negligência do querelante (CPP, art. 29).
Essa mesma diretriz foi observada pelo STJ, ao destacar que “a atuação subsidiária da vítima ou de seu representante só é legítima quando evidenciada inércia concreta e injustificada do órgão acusador”. A jurisprudência, assim, delimita a atuação privada à situação excepcional em que o titular da ação penal pública deixa transcorrer o prazo legal sem denúncia, arquivamento ou requerimento de diligências externas.
A doutrina converge nesse sentido. Gustavo Badaró observa que a ação penal privada subsidiária é “expressão do controle social da atividade persecutória criminal”, advertindo que a inércia só se caracteriza com o silêncio absoluto do Ministério Público após o prazo do art. 46 do CPP, não se configurando diante de manifestação, ainda que pela promoção de arquivamento. Em idêntica linha, Ana Carolina Soares de Freitas assinala que a atuação do advogado em substituição ao Ministério Público encontra fundamento constitucional apenas quando “esgotado o prazo legal de oferecimento da denúncia, condicionando-se a legitimidade do assistente à verificação da omissão formal do parquet”.
Portanto, a titularidade da ação penal pública permanece como prerrogativa exclusiva do Ministério Público, mas não de forma absoluta, admitindo-se uma substituição processual extraordinária pelo ofendido. Essa ressalva constitucional, entretanto, deve ser compreendida como instrumento de exceção e de controle, jamais como substituição estrutural da função acusatória estatal.
1.2 A CF/88 e a previsão do art. 5º, LIX
O art. 5º, inciso LIX, da CF/88 dispõe que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. O dispositivo, inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais, assegura ao ofendido a possibilidade de suprir a omissão estatal, sem desnaturar a titularidade do Ministério Público, que permanece como fiscal da lei e pode retomar a ação a qualquer tempo. Trata-se de uma válvula de contenção do sistema acusatório: garante-se que a persecução penal não seja paralisada por desídia estatal, mas, ao mesmo tempo, preserva-se o caráter público da ação penal.
A leitura sistemática do art. 5º, LIX, em conjunto com o art. 129, I, da CF, revela uma aparente tensão: de um lado, a titularidade privativa do Ministério Público; de outro, a possibilidade de iniciativa privada quando constatada a inércia. Essa tensão, no entanto, não implica contradição, mas complementariedade. Como reconheceu o STF na Pet 10.294/DF, não há legitimidade ativa quando o parquet atua, ainda que por meio de arquivamento ou diligências, pois nesses casos não se configura inércia, requisito essencial para o manejo da subsidiária.
O caráter excepcional da previsão constitucional decorre da própria lógica do processo penal democrático. O sistema acusatório brasileiro impede que o particular conduza ordinariamente a ação penal pública, mas admite, por razões de efetividade, que este assuma o papel subsidiário diante da omissão do Estado. Essa construção, ademais, foi reforçada pelo STF no julgamento do ARE 859.251/DF, quando fixou a tese de que o direito de queixa surge “com o decurso do prazo legal para o oferecimento da denúncia, sendo irrelevante a realização de diligências internas pelo Ministério Público ou sua manifestação posterior”.
A jurisprudência do STJ, em harmonia com a Suprema Corte, acrescenta que a simples discordância da vítima quanto à tipificação atribuída pelo parquet não autoriza a propositura da subsidiária, sendo imprescindível a demonstração da inércia injustificada. Assim, o art. 5º, LIX, deve ser compreendido como instrumento de controle e garantia, e não como transferência da titularidade acusatória.
A doutrina destaca que a constitucionalização da subsidiariedade processual penal confere ao instituto um papel de freios e contrapesos no exercício da jurisdição penal. Gustavo Badaró observa que o prazo de 15 dias previsto no art. 46 do CPP tem natureza peremptória, e que, esgotado sem manifestação, surge para a vítima um “direito potestativo” de propor a queixa. Ana Carolina Soares de Freitas, por sua vez, enfatiza que a previsão constitucional deve ser interpretada restritivamente, para evitar o esvaziamento do sistema acusatório, admitindo-se a intervenção privada apenas diante da inércia formal do Ministério Público.
Portanto, a CF/88, ao mesmo tempo em que assegura ao Ministério Público a exclusividade na condução da ação penal pública, prevê uma exceção expressa em prol da efetividade da tutela penal, legitimando a ação subsidiária da vítima quando configurada a omissão estatal.
1.3 O regime jurídico do CPP (arts. 29, 38 e 46)
A disciplina infraconstitucional da ação penal privada subsidiária encontra-se nos arts. 29, 38 e 46 do CPP. Esses dispositivos complementam a previsão constitucional do art. 5º, LIX, fixando a forma, o prazo e os limites da atuação da vítima diante da inércia do Ministério Público.
O art. 29 do CPP estabelece que será admitida a ação privada nos crimes de ação pública, “se esta não for intentada no prazo legal”, cabendo ao parquet aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, ainda, retomar a ação como parte principal em caso de negligência do querelante. A norma reforça que a iniciativa privada é sempre subsidiária: o Ministério Público não perde a titularidade da ação, apenas tolera-se uma atuação temporária da vítima até que o titular retome a condução.
O art. 38 do CPP cuida do prazo decadencial para a propositura da ação penal privada subsidiária, fixando em seis meses, contados a partir do esgotamento do prazo para oferecimento da denúncia. A natureza desse prazo é peremptória, de modo que, transcorrido, extingue-se o direito de queixa. A jurisprudência do STF reconhece que esse prazo só se inicia após a configuração da inércia ministerial, ou seja, uma vez encerrado o lapso do art. 46 do CPP, sem denúncia, arquivamento ou diligências externas.
Já o art. 46 do CPP impõe ao Ministério Público o dever de oferecer denúncia no prazo de 5 dias, se o acusado estiver preso, e de 15 dias, se estiver solto. Esse prazo é a pedra de toque do instituto: se ultrapassado sem manifestação válida do parquet, abre-se a possibilidade da ação penal privada subsidiária. O STF, ao julgar o ARE 859.251/DF, deixou claro que o simples decurso do prazo legal, sem manifestação externa ao órgão acusador, gera o direito potestativo da vítima de propor a ação subsidiária.
O STJ, em igual direção, já decidiu que a manifestação ativa do parquet - ainda que pelo arquivamento ou pela requisição de diligências - afasta a possibilidade de queixa subsidiária, pois não se pode confundir divergência interpretativa com inércia.
Do ponto de vista doutrinário, Thereza Christina Nahas, Fernando José da Costa e Gabriel Domingues sublinham que a inércia somente se caracteriza com o silêncio absoluto, sendo irrelevantes diligências internas ou manifestações posteriores, pois estas não afastam o direito de queixa que surge com o término do prazo legal. Bárbara Miranda acrescenta que a desídia do Ministério Público deve ser inequívoca: “o só não oferecimento da denúncia no prazo legal não constitui inércia, se o órgão requisita diligências ou requer o arquivamento”.
Assim, o regime do CPP conforma um modelo que concilia a exclusividade ministerial com o direito de iniciativa da vítima. O art. 29 assegura a intervenção obrigatória do parquet, mesmo na subsidiária; o art. 38 limita temporalmente a atuação privada; e o art. 46 define o marco objetivo para a caracterização da inércia.
2. A inércia do Ministério Público e seus efeitos no processo penal
2.1 Distinção entre inércia e manifestação ativa com arquivamento ou diligências
A configuração da inércia ministerial, pressuposto da ação penal privada subsidiária da pública, não se confunde com a simples discordância da vítima ou de seu representante quanto à atuação do Ministério Público. A CF e o CPP exigem, para a legitimidade da iniciativa privada, o esgotamento do prazo legal sem qualquer manifestação efetiva do parquet.
Duas situações distintas devem ser consideradas. A primeira é a do silêncio absoluto do Ministério Público: esgotado o prazo do art. 46 do CPP, não há denúncia, não há requerimento de arquivamento e tampouco diligências externas. Nesse caso, há inércia inequívoca, abrindo-se à vítima o direito potestativo de ingressar com a queixa subsidiária. A segunda hipótese é a da manifestação ativa, em que, dentro do prazo, o parquet apresenta denúncia, requer diligências ou promove o arquivamento. Ainda que tais medidas sejam insatisfatórias aos olhos do ofendido, não se pode falar em inércia.
O STF, na petição 10.294/DF, assentou que não há inércia quando o Ministério Público atua, mesmo que sua atuação resulte em pedido de arquivamento, desde que este seja devidamente fundamentado. Na mesma direção, a Corte afirmou, ao julgar o ARE 859.251/DF, que diligências internas do Ministério Público não afastam a inércia, mas que diligências externas, como requisição formal de prova, afastam o cabimento da subsidiária.
O STJ, por sua vez, foi categórico em reconhecer que “a ação penal privada subsidiária da pública é incabível na ausência de inércia do Ministério Público, não bastando a discordância do ofendido quanto à capitulação jurídica atribuída pelo parquet”. Esse entendimento impede que a vítima utilize a subsidiária como meio de rever decisões legítimas do órgão acusador.
A doutrina também distingue com clareza a inércia da manifestação ativa. Thereza Christina Nahas, Fernando José da Costa e Gabriel Domingues afirmam que diligências internas do parquet, como remessa para parecer ou análise de setores administrativos, não afastam o direito de queixa, mas qualquer manifestação externa devidamente protocolada no processo é suficiente para descaracterizar a omissão. Já Bárbara Miranda sustenta que a inércia pressupõe desídia inequívoca, não podendo ser confundida com hipóteses em que o Ministério Público, dentro do prazo, requereu arquivamento ou diligências complementares.
Assim, a fronteira entre inércia e manifestação ativa está em que apenas a ausência total de pronunciamento externo, após o decurso do prazo legal, legitima a ação penal privada subsidiária. Qualquer manifestação do parquet, ainda que contrária ao interesse da vítima, basta para afastar a legitimidade dessa via excepcional.
2.2 O prazo para oferecimento da denúncia e sua natureza
O prazo para oferecimento da denúncia constitui elemento central na delimitação do espaço de atuação da ação penal privada subsidiária da pública. O CPP, em seu art. 46, fixa em cinco dias o prazo para o acusado preso e em quinze dias para o acusado solto. O decurso desse lapso temporal, sem manifestação externa do Ministério Público, caracteriza a inércia que habilita o ofendido a exercer a iniciativa subsidiária.
A jurisprudência do STF tem afirmado que a natureza desse prazo é peremptória, de modo que o silêncio do parquet dentro do lapso legal desencadeia o direito potestativo da vítima. No ARE 859.251/DF, o Tribunal Pleno fixou tese de repercussão geral segundo a qual o ajuizamento da ação penal privada pode ocorrer “após o decurso do prazo legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao Ministério Público”, sendo irrelevantes diligências internas ou manifestações posteriores.
Trata-se, portanto, de prazo que não apenas orienta a atuação do Ministério Público, mas que condiciona a legitimidade do ofendido para propor a queixa. Sua inobservância acarreta a abertura de uma via processual excepcional, a ser exercida pela vítima, sem prejuízo da retomada da ação pelo parquet a qualquer tempo, nos termos do art. 29 do CPP.
A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a ausência de inércia - caracterizada, por exemplo, pela propositura de denúncia ou pela promoção de arquivamento dentro do prazo - inviabiliza a ação penal privada subsidiária. No QC 13/DF, a Corte Especial reiterou que a mera discordância do ofendido quanto à tipificação jurídica conferida pelo parquet não autoriza a queixa, pois o direito só surge em caso de silêncio absoluto.
A doutrina reforça essa compreensão. Gustavo Badaró assinala que o prazo de quinze dias “constitui a medida objetiva para caracterizar a inércia ministerial, sendo suficiente o decurso sem denúncia ou requerimento externo para que surja o direito potestativo da vítima”. Bárbara Miranda, por sua vez, enfatiza que o não oferecimento da denúncia só gera a subsidiária quando não houver qualquer manifestação processual, pois diligências ou arquivamento regular descaracterizam a omissão.
Em síntese, o prazo do art. 46 do CPP possui dupla natureza: de um lado, é preclusivo para a vítima, pois só após o seu término nasce o direito de queixa; de outro, é vinculante para o parquet, já que sua inobservância caracteriza a inércia que permite a atuação subsidiária. O instituto revela-se, assim, mecanismo de equilíbrio entre a titularidade ministerial e o direito fundamental de não ver a persecução penal paralisada por omissão estatal.
2.3 O direito potestativo da vítima e os limites da atuação judicial
O reconhecimento da ação penal privada subsidiária da pública decorre da conjugação entre o art. 5º, LIX, da CF/88 e os arts. 29, 38 e 46 do CPP. Essa conjugação normativa confere à vítima - ou a seu representante legal - um direito potestativo de ingressar com a queixa-crime, desde que caracterizada a inércia ministerial. Não se trata de faculdade sujeita a avaliação discricionária do juiz, mas de direito subjetivo que emerge automaticamente quando o órgão acusador deixa transcorrer o prazo legal sem denúncia, arquivamento ou diligências externas.
O STF, ao julgar o ARE 859.251/DF, deixou assentado que o direito de queixa nasce ex lege com o decurso do prazo legal, sendo irrelevante a posterior atuação do Ministério Público. O que importa, portanto, é a verificação objetiva da inércia: transcorrido o lapso do art. 46 do CPP sem manifestação válida, abre-se à vítima a possibilidade de exercer a iniciativa subsidiária.
Esse direito, contudo, não implica exclusão da titularidade ministerial. O art. 29 do CPP deixa claro que o parquet mantém prerrogativas sobre a ação: pode aditar a inicial, repudiá-la, oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os atos processuais e até mesmo retomar a ação como parte principal em caso de negligência do querelante. A subsidiária, nesse sentido, constitui substituição processual temporária e condicionada, e não transferência definitiva de titularidade.
O STJ tem reforçado esse limite, ao assentar que não se admite a ação penal privada subsidiária quando inexistente a inércia concreta. No QC 13/DF, a Corte Especial rejeitou a tentativa de manejar a subsidiária em face da discordância com a tipificação dada pelo parquet, ressaltando que o instituto só se legitima diante do silêncio absoluto.
Na doutrina, Gustavo Badaró é categórico ao afirmar que “o prazo de quinze dias fixado pelo CPP constitui marco objetivo de aferição da inércia, e seu transcurso sem manifestação abre à vítima um direito potestativo, irrenunciável pelo Estado e insuscetível de apreciação judicial discricionária”. Ana Carolina Soares de Freitas, por sua vez, adverte que esse direito deve ser compreendido como mecanismo excepcional, não podendo ser utilizado para transformar o advogado do ofendido em substituto estrutural do Ministério Público, sob pena de violação ao princípio acusatório.
O papel do juiz, nesse cenário, é restrito à verificação da presença dos pressupostos formais para a admissão da queixa. Não cabe ao magistrado examinar o mérito da inércia, nem aferir se o parquet deveria ter denunciado ou arquivado o feito: basta constatar a ausência de manifestação válida no prazo legal. A tentativa de ampliar essa margem de controle judicial comprometeria a lógica do sistema acusatório, que reserva ao Ministério Público a avaliação da viabilidade da acusação.
Assim, o direito potestativo da vítima, ainda que robusto, é delimitado por duas balizas: de um lado, a caracterização objetiva da inércia ministerial; de outro, a intervenção obrigatória do Ministério Público em todos os atos subsequentes, preservando-se o equilíbrio institucional e evitando-se a privatização da persecução penal.
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